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CAPÍTULO QUARENTA E SEIS

Uddhava Visita Vndāvana

Este capítulo descreve como Śrī Kṛṣṇa enviou Uddhava a Vraja para aliviar a aflição de Nanda, Yaśodā e das jovens gopīs.

Certo dia, o Senhor Kṛṣṇa pediu a Seu amigo íntimo Uddhava que levasse notícias Suas a Vraja e, deste modo, aliviasse Seus pais e as gopīs do sofrimento causado pelos sentimentos de saudade dEle. Viajando de quadriga, Uddhava chegou a Vraja ao pôr do sol. Ele viu as vacas voltando para a vila dos vaqueiros e os bezerros pulando de um lado para outro enquanto suas mães, sobrecarregadas com o peso dos úberes, seguiam devagar atrás. Os vaqueiros e as vaqueiras cantavam as glórias de Kṛṣṇa e Balarāma, e a vila estava decorada de modo atrativo, com incensos acesos e fileiras de lamparinas. Tudo isso apresentava uma cena de extraordinária beleza transcendental.

Nanda Mahārāja acolheu Uddhava calorosamente em sua casa. O rei dos vaqueiros, então, adorou-o como não diferente do Senhor Vāsudeva, serviu-lhe boa comida, convidou-o a sentar-se confortavelmente em um leito e, em seguida, indagou sobre o bem-estar de Vasudeva e seus filhos, Kṛṣṇa e Balarāma. Nanda perguntou: “Kṛṣṇa ainda Se lembra de Seus amigos, da vila de Gokula e da colina Govardhana? Ele nos protegeu de um incêndio na floresta, do vento e da chuva, e de muitos outros desastres. Por meio da constante lem­brança dos passatempos dEle, aliviamo-nos de todo o enredamen­to do karma, e, ao vermos os lugares marcados por Seus pés de lótus, nossa mente se absorve por completo em pensar nEle. Garga Muni contou-me que Kṛṣṇa e Balarāma desceram diretamente do mundo espiritual. Vê só com que facilidade Eles aniquilaram Kaṁsa, os lutadores, o elefante Kuvalayāpīḍa e muitos outros demônios!” Enquanto Nanda recordava os passatempos de Kṛṣṇa, sua garganta ficou embargada de lágrimas e ele não conseguiu continuar falando. Neste ínterim, enquanto mãe Yaśodā ouvia seu marido falar de Kṛṣṇa, o intenso amor que ela sentia por seu filho fez derramar um dilúvio de leite de seus seios e uma torrente de lágrimas de seus olhos.

Vendo a sobre-excelente afeição que Nanda e Yaśodā tinham por Śrī Kṛṣṇa, Uddhava comentou: “Vós dois sois, em verdade, muito gloriosos. Quem alcançou amor puro pela Suprema Verdade Absolu­ta sob Sua forma humana não tem mais nada a lograr. Kṛṣṇa e Bala­rāma estão presentes nos corações de todos os seres vivos, do mesmo modo que o fogo jaz latente na lenha. Estes dois Senhores veem a todos com equanimidade, não tendo ninguém em particular como amigo ou inimigo. Livres de egoísmo e sentido de posse, Eles não têm pai, mãe, esposa nem filhos, jamais estão sujeitos ao nascimento, tampouco têm um corpo material. É só para desfrutar de felicidade espiri­tual e livrar Seus devotos santos que Eles aparecem a Seu bel-prazer entre várias espécies de vida superiores e inferiores.

“O Senhor Kṛṣṇa não é só vosso filho, ó Nanda e Yaśodā, senão que é o filho de todas as pessoas, bem como o pai e mãe delas. De fato, Ele é o parente mais querido de todos, visto que nada que se veja ou ouça no passado, presente ou futuro, entre os seres móveis ou inertes, é independente dEle.”

Nanda Mahārāja e Uddhava passaram a noite a falar sobre Kṛṣṇa dessa maneira. Então, as esposas dos vaqueiros realizaram sua adora­ção matinal e começaram a bater manteiga, cantando as glórias de Śrī Kṛṣṇa enquanto puxavam de um lado a outro as cordas de bater. Os sons da batedura e do cântico reverberavam no céu, purificando o mundo de tudo o que é inauspicioso.

Quando o Sol nasceu, as gopīs viram a quadriga de Uddhava na entrada da vila dos vaqueiros e pensaram que Akrūra talvez tivesse regressado. Bem naquele momento, porém, Uddhava terminou seus de­veres matinais e apresentou-se diante delas.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: O inteligentíssimo Uddhava era o melhor conselheiro da dinastia Vṛṣṇi, um amigo querido do Senhor Śrī Kṛṣṇa e discípulo direto de Bṛhaspati.

VERSO 2: O Supremo Senhor Hari, que alivia a aflição de todos os que se rendem a Ele, tomou certa vez a mão de Seu devotado e querido Uddhava e disse-lhe as seguintes palavras.

VERSO 3: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Querido e gentil Uddhava, vai até Vraja e agrada Nossos pais. E também alivia as gopīs, que estão sofrendo devido à saudade de Mim, entregando-lhes a Minha mensagem.

VERSO 4: As mentes daquelas gopīs estão sempre absortas em Mim, e suas pró­prias vidas são sempre devotadas a Mim. Por Minha causa, elas abandonaram todas as coisas relacionadas com o corpo, renun­ciando tanto a felicidade ordinária nesta vida, quanto os deveres religiosos necessários para se atingir tal felicidade na próxima vida. Somente Eu sou seu mais querido e amado e, de fato, seu próprio eu. Portanto, tenho a obrigação de mantê-las em todas as circunstâncias.

VERSO 5: Meu querido Uddhava, para aquelas mulheres de Gokula, Eu sou o mais querido objeto de amor. Desse modo, ao se lembra­rem de Mim, que estou tão longe, elas ficam dominadas pela ansiedade da separação.

VERSO 6: Simplesmente porque prometi voltar para elas, Minhas devotadíssimas namoradas vaqueirinhas lutam para manter suas vidas de uma forma ou de outra.

VERSO 7: Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de ouvir essas palavras, ó rei, Uddhava respeitosamente aceitou a mensagem de seu mestre, subiu em sua quadriga e partiu rumo a Nanda-gokula.

VERSO 8: O afortunado Uddhava chegou às pastagens de Nanda Mahārāja exatamente quando o Sol se punha, e como as vacas e outros animais que regressavam levantavam poeira com seus cascos, sua quadriga passou despercebida.

VERSOS 9-13: Por todos os lados de Gokula, ressoavam os sons dos touros no cio disputando entre si as vacas férteis; o mugido das vacas, sobrecarregadas com o peso de seus úberes, correndo atrás dos bezerros; o barulho da ordenha e dos bezerros brancos a saltarem de um lado a outro; a reverberação alta do tocar de flautas, e o cantar das façanhas todo-auspiciosas de Kṛṣṇa e Balarāma vibrado pelos vaqueiros e vaqueiras, que tornavam a vila resplandecente com seus trajes maravilhosamente adornados. As casas dos vaqueiros em Gokula pareciam muito encantadoras com sua abundante parafernália para adoração do fogo de sacrifício, do Sol, de hóspedes inesperados, das vacas, dos brāhmaṇas, dos an­tepassados e dos semideuses. Em todas as partes, via-se a mata florida, ecoando com bandos de aves e enxames de abelhas e embelezada por seus lagos repletos de cisnes, patos kāraṇḍava e pa­vilhões com flores de lótus.

VERSO 14: Logo que Uddhava chegou à casa de Nanda Mahārāja, este se adiantou ao seu encontro. O rei dos vaqueiros abraçou-o com grande felicidade e adorou-o como não diferente do Senhor Vāsu­deva.

VERSO 15: Depois que Uddhava comeu alimentos de primeira classe, sentou-se à vontade em uma cama e, por receber uma massagem nos pés, aliviou-se de sua fadiga, Nanda perguntou-lhe o seguinte.

VERSO 16: [Nanda Mahārāja disse:] Meu querido e afortunado amigo, o filho de Śūra passa bem, agora que está livre e reunido com seus filhos e outros parentes?

VERSO 17: Felizmente, por causa de seus próprios pecados, o pecador Kaṁsa foi morto, junto de todos os seus irmãos. Ele sempre odiou os santos e justos Yadus.

VERSO 18: Kṛṣṇa Se lembra de nós? Lembra-Se de Sua mãe, amigos e benquerentes? Lembra-Se dos vaqueiros e da vila de Vraja, da qual Ele é o senhor? Lembra-Se das vacas, da floresta de Vṛndāvana e da colina Govardhana?

VERSO 19: Govinda regressará ao menos uma vez para ver Sua família? Se Ele algum dia o fizer, poderemos então vislumbrar Seu belo rosto, com Seus belos olhos, nariz e sorriso.

VERSO 20: Fomos salvos do incêndio na floresta, do vento e da chuva, dos demônios disfarçados de touro e de serpente – de todos estes perigos insuperáveis e fatais – por aquela personalidade muito magnânima, Kṛṣṇa.

VERSO 21: Enquanto lembramos as façanhas maravilhosas que Kṛṣṇa rea­lizou, Seus divertidos olhares de soslaio, Seus sorrisos e palavras, ó Uddhava, esquecemos todos os afazeres materiais.

VERSO 22: Ao vermos os lugares onde Mukunda desfrutou Seus diverti­dos passatempos – os rios, colinas e florestas que Ele adornou com Seus pés –, nossas mentes ficam absortas nEle por completo.

VERSO 23: Em minha opinião, Kṛṣṇa e Balarāma devem ser dois excel­sos semideuses que vieram a este planeta realizar alguma grande missão dos semideuses. Garga Ṛṣi mesmo predisse isso.

VERSO 24: Afinal, Kṛṣṇa e Balarāma mataram Kaṁsa, que era tão forte quanto dez mil elefantes, bem como os lutadores Cāṇūra e Muṣṭika, e o elefante Kuvalayāpīḍa. Eles, como se estivessem brincando, mataram-nos a todos com a mesma facilidade com que um leão mata pequenos animais.

VERSO 25: Com a mesma facilidade que um elefante real quebra uma vara, Kṛṣṇa quebrou um poderoso e gigantesco arco de três tālas de comprimento. Ele também susteve uma montanha no ar por sete dias com uma só mão.

VERSO 26: Aqui em Vṛndāvana, Kṛṣṇa e Balarāma aniquilaram com muita facilidade demônios como Pralamba, Dhenuka, Ariṣṭa, Tṛṇāvarta e Baka, que tinham eles mesmos derrotado tanto semideuses como outros demônios.

VERSO 27: Śukadeva Gosvāmī disse: Assim, lembrando-se intensamente de Kṛṣṇa repetidas vezes, Nanda Mahārāja, com a mente cem por cento apegada ao Senhor, sentiu extrema ansiedade e ficou em silêncio, dominado pela força de seu amor.

VERSO 28: Enquanto ouvia as descrições das atividades de seu filho, mãe Yaśodā derramava lágrimas, e, em virtude do amor, leite escorria de seus seios.

VERSO 29: Então, em júbilo, Uddhava dirigiu-se a Nanda Mahārāja, tendo visto claramente a suprema atração amorosa que ele e Yaśodā sentiam por Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus.

VERSO 30: Śrī Uddhava disse: Ó respeitoso Nanda, decerto tu e mãe Yaśodā sois as pessoas mais louváveis do mundo inteiro, pois desenvolvestes semelhante atitude amorosa para com o Senhor Nārāyaṇa, o mestre espiritual de todos os seres vivos.

VERSO 31: Estes dois Senhores, Mukunda e Balarāma, são cada qual a semente e o ventre do universo, o criador e Sua potência criado­ra. Eles entram no coração dos seres vivos e controlam sua consciência condicionada. E são os Supremos primordiais.

VERSOS 32-33: Qualquer um, mesmo alguém em estado impuro, que absorva sua mente nEle apenas por um instante à hora da morte reduz a cinzas todos os vestígios de reações pecaminosas e atinge de imediato o transcendental destino supremo em uma forma espiritual pura tão refulgente como o Sol. Vós dois prestastes excepcional serviço amoroso a Ele, o Senhor Nārāyaṇa, a Superalma de todos e a causa de toda a existência, a grande alma que, embora seja a causa original de tudo, tem uma forma semelhante à humana. Que ações piedosas ainda se poderiam exigir de vós?

VERSO 34: O infalível Kṛṣṇa, o Senhor dos devotos, logo regressará a Vraja para satisfazer Seus parentes.

VERSO 35: Tendo matado Kaṁsa, o inimigo de todos os Yadus, na arena de luta, com certeza Kṛṣṇa agora vai cumprir a promessa que vos fez de regressar.

VERSO 36: Ó afortunadíssimos, não lamenteis. Muito em breve, vereis Kṛṣṇa de novo. Ele está presente no coração de todos os seres vivos, assim como o fogo jaz latente na madeira.

VERSO 37: Ninguém Lhe é especialmente querido ou desprezível, superior ou inferior, e, ainda assim, Ele não é indiferente para com ninguém. Embora esteja livre de todo o desejo de respeito, Ele oferece respeito a todos.

VERSO 38: Ele não tem mãe nem pai nem esposa nem filhos nem qualquer outro parente. E embora ninguém esteja ligado a Ele, ninguém Lhe é estranho. Ele não tem corpo nem nascimento materiais.

VERSO 39: Ele não tem trabalho algum a fazer neste mundo que O obrigue a nascer em uma espécie de vida pura, impura ou mista. Contudo, para desfrutar Seus passatempos e salvar Seus devotos santos, Ele Se manifesta.

VERSO 40: Embora Se encontre além dos três modos da natureza mate­rial – bondade, paixão e ignorância –, o Senhor transcendental aceita a associação com eles como parte de Sua brincadeira. Dessa maneira, o não nascido Senhor Supremo utiliza os modos mate­riais para criar, manter e destruir.

VERSO 41: Assim como alguém que está girando tem a sensação de que o chão está girando, quem é afetado pelo falso ego pensa que é o agente, quando, de fato, apenas sua mente é que está agindo.

VERSO 42: O Supremo Senhor Hari, sem dúvida, não é só vosso filho. Em vez disso, sendo o Senhor, Ele é o filho, a Alma, o pai e a mãe de todos.

VERSO 43: Não se pode dizer que exista algo independente do Senhor Acyuta — nada jamais visto ou ouvido, nada no passado, presen­te ou futuro, nada móvel ou inerte, grande ou pequeno. De fato, Ele é tudo, pois é a Alma Suprema.

VERSO 44: Enquanto o mensageiro de Kṛṣṇa continuava a falar com Nanda, a noite chegou ao fim, ó rei. As mulheres da vila pas­toril levantaram-se e, acendendo as lamparinas, adoraram as deidades de suas casas. Então, começaram a bater o iogurte para fazer manteiga.

VERSO 45: Enquanto puxavam as cordas de bater com seus braços cheios de pulseiras, as mulheres de Vraja brilhavam com o esplendor de suas joias, que refletiam a luz das lamparinas. Seus quadris, seios e colares balançavam, e seus rostos, maquiados com kuṅ­kuma avermelhado, reluziam radiantemente com o brilho de seus brincos a refletirem suas bochechas.

VERSO 46: Enquanto as senhoras de Vraja cantavam em voz alta as glórias do Senhor Kṛṣṇa de olhos de lótus, seus cânticos, misturados com o som da batedura, subiam aos céus e dissipavam toda a inauspiciosidade em todas as direções.

VERSO 47: Quando o divino Sol nasceu, o povo de Vraja notou a qua­driga de ouro diante do portal da casa de Nanda Mahārāja. “A quem pertence isto?”, perguntaram eles.

VERSO 48: “Talvez Akrūra – aquele que satisfez o desejo de Kaṁsa levando para Mathurā o nosso Kṛṣṇa de olhos de lótus – tenha regressado.”

VERSO 49: “Será que ele usará nossa carne para fazer oblações fúne­bres para seu amo, que ficou muito satisfeito com o serviço dele?” Enquanto as mulheres falavam assim, Uddhava apareceu, depois de ter concluído seus deveres da madrugada.

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