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CAPÍTULO SESSENTA E QUATRO

A Libertação do Rei Nṛga

Este capítulo descreve como Śrī Kṛṣṇa salvou o rei Nṛga de uma maldição e instruiu a ordem real sobre o grande perigo de se apossar da propriedade de um brāhmaa.

Certo dia, Sāmba e outros meninos da dinastia Yādava foram à floresta brincar e, após brincarem por muito tempo, ficaram sedentos e começaram a procurar por água. Dentro de um poço seco, encontraram uma criatura espantosa: um enorme lagarto semelhante a uma colina. Os meninos compadeceram-se dele e tentaram suspendê-lo para fora do poço. Porém, depois de várias tentativas de retirá-lo com correias de couro e cordas, viram que não conseguiriam resgatar a criatura, momento no qual foram ter com o Senhor Kṛṣṇa e contaram-Lhe o que acontecera. O Senhor acompa­nhou-os até o poço e, estendendo a mão esquerda, puxou o lagarto para fora sem dificuldade. Pelo toque da mão do Senhor Kṛṣṇa, a cria­tura transformou-se de imediato em um semideus. Então, o Senhor Kṛṣṇa perguntou: “Quem és, e como foi que assumiste uma forma tão inferior?­”

O ser divino respondeu: “Meu nome era rei Nṛga, filho de Ikṣvāku, e eu era famoso por fazer caridade. De fato, distribuí inumeráveis vacas para numerosos brāhmaas. Certa vez, no entanto, uma vaca perten­cente a um brāhmaa de primeira classe, extraviando-se, misturou-se ao meu rebanho. Desconhecendo esse fato, dei essa vaca em carida­de a outro brāhmaa. Quando o primeiro dono da vaca viu o segun­do brāhmaa levando-a embora, o primeiro brāhmaa alegou que a vaca era dele e começou a discutir com o segundo brāhmaa. Depois de discutirem por algum tempo, eles se aproximaram de mim, e eu lhes implorei que cada um levasse cem mil vacas em troca daquela vaca e que, por gentileza, perdoassem a ofensa que eu, inconsciente­mente, cometera. Mas nenhum dos brāhmaas quis aceitar minha proposta, e o assunto ficou sem solução.”

O ser divino continuou: “Pouco depois disso, eu morri e fui levado pelos Yamadūtas ao tribunal de Yamarāja. Yama perguntou-me o que eu preferia fazer primeiro: sofrer os resultados de meus pecados ou gozar os resultados de meus atos piedosos. Decidi sofrer primeiro minhas reações pecaminosas e, por isso, assumi o corpo de um lagarto.”

Depois de contar sua história, o rei Nṛga ofereceu orações ao Senhor Kṛṣṇa e, então, subiu em um aeroplano celestial, que o transpor­tou para os céus.

O Senhor Kṛṣṇa, então, instruiu Seus companheiros pessoais, bem como a massa do povo em geral, sobre os perigos de se roubar a propriedade de um brāhmaa. Por fim, o Senhor retornou ao Seu palácio.

VERSO 1: Śrī Bādarāyaṇi disse: Ó rei, certo dia, Sāmba, Pradyumna, Cāru, Bhānu, Gada e outros meninos da dinastia Yadu foram brincar em uma pequena floresta.

VERSO 2: Depois de brincarem por muito tempo, eles ficaram com sede. Enquanto procuravam por água, olharam dentro de um poço seco e viram uma criatura estranha.

VERSO 3: Os meninos se espantaram ao ver essa criatura, um lagarto que parecia uma colina. Eles sentiram compaixão dele e tenta­ram retirá-lo do poço.

VERSO 4: Eles amarraram o lagarto preso com correias de couro e, depois, com cordas trançadas, mas, ainda assim, não conseguiram retirá-­lo. Então, foram ter com o Senhor Kṛṣṇa e, ansiosos, contaram­-Lhe sobre a criatura.

VERSO 5: O Senhor Supremo de olhos de lótus, mantenedor do universo, foi até o poço e viu o lagarto. Então, com Sua mão esquerda, Ele o ergueu facilmente para fora.

VERSO 6: Tocado pela mão do glorioso Senhor Supremo, o ser de imedia­to abandonou sua forma de lagarto e assumiu a forma de um residente dos céus. Sua tez tinha a beleza da cor do ouro derretido, e ele estava adornado com maravilhosos ornamentos, roupas e guirlandas.

VERSO 7: O Senhor Kṛṣṇa compreendia a situação, mas, para informar as pessoas em geral, Ele fez as seguintes perguntas: "Quem és tu, ó pessoa afortunadíssima? Vendo tua aparência excelente, julgo que certamente és um insigne semideus."

VERSO 8: “Devido a que atividade passada foste trazido a esta condição? Parece que não mereces este destino, ó boa alma. Porque estamos ansiosos por saber sobre ti, por favor, relata-nos a tua história – isto é, se pensas que este é o momento e o lugar convenientes para contar-nos.”

VERSO 9: Śukadeva Gosvāmī disse: Assim indagado por Kṛṣṇa, cujas formas são ilimitadas, o rei, com seu elmo tão ofuscante como o Sol, prostrou-se diante do Senhor Mādhava e respondeu-Lhe o seguinte.

VERSO 10: O rei Nṛga disse: Sou um rei conhecido como Nṛga, o filho de Ikṣvāku. Talvez, Senhor, tenhais ouvido falar de mim enquanto se recitavam listas de homens caridosos.

VERSO 11: O que Vos pode ser desconhecido, ó mestre? Com uma visão imperturbada pelo tempo, testemunhais a mente de todos os seres vivos. Não obstante, por Vossa ordem, falarei.

VERSO 12: Dei em caridade tantas vacas quantos grãos de areia existem na Terra, estrelas no céu ou gotas em uma chuva.

VERSO 13: Novas, castanhas, carregadas de leite, bem comportadas, belas e dotadas de boas qualidades, que foram todas adquiridas honestamente e que tinham chifres dourados, cascos prateados e deco­rações feitas de finos tecidos ornamentais e guirlandas — tais eram as vacas, junto de seus bezerros, que eu dava em caridade.

VERSOS 14-15: Primeiro, honrei os brāhmaṇas beneficiários de minha cari­dade decorando-os com finos adornos. Aqueles elevadíssimos brāhmaṇas, cujas famílias estavam em necessidade, eram jovens e possuíam excelente caráter e qualidades. Eles eram dedicados à verdade, famosos por sua austeridade, muito eruditos nas escrituras védicas e santos em seu comportamento. Dei-lhes vacas, terra, ouro e casas, juntamente com cavalos, elefantes e moças casáveis acompanhadas de criadas, e ainda gergelim, prata, leitos finos, roupas, joias, móveis e quadrigas. Além disso, executei sacrifícios védicos e várias atividades piedosas beneficentes.

VERSO 16: Certa vez, uma vaca pertencente a um brāhmaṇa de primeira classe extraviou-se e entrou em meu rebanho. Sem saber disso, eu dei aquela vaca em caridade para um outro brāhmaṇa.

VERSO 17: Ao ver a vaca sendo levada embora, seu primeiro dono disse: “Ela é minha!” O segundo brāhmaṇa, que a ganhara de presen­te, respondeu: “Não! Ela é minha! Nṛga me presenteou com essa vaca.”

VERSO 18: Enquanto os dois brāhmaṇas discutiam, cada um tentando alcançar seu próprio objetivo, eles vieram a mim. Um deles disse: “Tu me deste esta vaca”, e o outro disse: “Mas tu a roubaste de mim.” Ouvindo isso, fiquei perplexo.

VERSOS 19-20: O atual dono da vaca disse: “Não quero nada em troca desta vaca, ó rei.” E foi-se embora. O outro brāhmaṇa declarou: “Eu não quero nem mesmo dez mil vacas a mais [do que estás oferecendo].” E ele também se retirou.

VERSO 21: Encontrando-me em um terrível dilema quanto a meu dever na situação, humildemente supliquei a ambos os brāhmaṇas: “Darei cem mil das melhores vacas em troca desta. Por favor, devolvam-me essa vaca. Deveis ser misericordiosos comigo, vosso servo. Eu não sabia o que eu estava fazendo. Por favor, salvai-me desta difícil situação, ou é certo que cairei em um inferno imundo.”

VERSO 22: Ó Senhor dos senhores, ó mestre do universo, os agentes de Yamarāja, aproveitando a oportunidade assim criada, mais tarde me levaram para sua morada. Ali, o próprio Yamarāja me interrogou.

VERSO 23: [Yamarāja disse:] Meu querido rei, desejas experimentar os resultados de teus pecados primeiro, ou os resultados de tua piedade? De fato, não vejo fim para a zelosa caridade que praticaste, nem para o consequente desfrute que terás nos radiantes plane­tas celestiais.

VERSO 24: Respondi: “Primeiro, meu senhor, deixa-me sofrer minhas reações pecaminosas”, e Yamarāja disse: “Então, cai!” De imediato eu caí e, enquanto descia, eu vi que me tornava um lagarto, ó mestre.

VERSO 25: Ó Keśava, como Vosso servo, eu era devotado aos brāhmaṇas e generoso com eles, e sempre ansiava por Vossa audiência. Por­tanto, mesmo hoje, eu nunca me esqueci [de minha vida passada].

VERSO 26: Ó onipotente, como é possível que meus olhos Vos vejam diante de mim? Sois a Alma Suprema, em quem os maiores mestres do yoga místico podem meditar dentro de seus corações puros apenas ao empregarem o olho espiritual dos Vedas. Então, ó Senhor transcendental, como estás diretamente visível a mim, já que as severas tribulações da vida material têm cegado minha inteligência? Apenas alguém que encerrou seu enredamento mate­rial neste mundo deveria ser capaz de ver-Vos.

VERSOS 27-28: Ó Devadeva, Jagannātha, Govinda, Puruṣottama, Nārāyaṇa, Hṛṣīkeśa, Puṇyaśloka, Acyuta, Avyaya! Ó Kṛṣṇa, por favor, permiti-me partir para o mundo dos semideuses. Onde quer que eu viva, ó mestre, que minha mente sempre se refugie em Vossos pés.

VERSO 29: Ofereço minhas repetidas reverências a Vós, Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva. Sois a fonte de todos os seres, a Suprema Verdade Absoluta, o possuidor de potências ilimitadas, o mestre de todas as disciplinas espirituais.

VERSO 30: Depois de falar assim, Mahārāja Nṛga circungirou o Senhor Kṛṣṇa e tocou com sua coroa os pés do Senhor. Recebendo permissão para partir, o rei Nṛga, então, embarcou em um maravilhoso aeroplano celestial enquanto todos os presentes assistiam.

VERSO 31: A Suprema Personalidade de Deus – o Senhor Kṛṣṇa, o filho de Devakī – que é especialmente devotado aos brāhmaṇas e que corporifica a essência da religião, falou, então, a Seus companhei­ros pessoais e, dessa maneira, instruiu a classe da realeza em geral.

VERSO 32: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Quão indigesta é a propriedade de um brāhmaṇa, mesmo quando desfrutada apenas um pouco e por alguém mais potente do que o fogo! O que se dizer, então, de reis que tentam desfrutá-la, julgando-se senhores?

VERSO 33: Não considero hālāhala como um verdadeiro veneno, porque ele tem um antídoto. Mas a propriedade de um brāhmaṇa, quan­do roubada, pode realmente ser chamada de veneno, pois não possui antídoto neste mundo.

VERSO 34: O veneno mata apenas a pessoa que o ingere, e um fogo comum pode ser extinto com água. Mas o fogo gerado da lenha da pro­priedade de um brāhmaṇa incinera toda a família do ladrão até a raiz.

VERSO 35: Se alguém desfruta da propriedade de um brāhmaṇa sem re­ceber a devida permissão, essa propriedade destrói três gerações de sua família. Por outro lado, se a toma pela força ou se consegue que o governo ou outros estranhos ajudem-no a usurpá-la, então dez gerações de seus ancestrais e dez gerações de seus descendentes são todas destruídas.

VERSO 36: Membros da ordem real, cegos pela opulência régia, não são capazes de prever a própria queda. Com o desejo infantil de desfrutar da propriedade de um brāhmaṇa, eles de fato estão desejando ir para o inferno.

VERSOS 37-38: Por tantos anos quantas sejam as partículas de poeira tocadas pelas lágrimas dos generosos brāhmaṇas que tinham famílias dependentes e cuja propriedade tenha sido roubada, reis descontrolados que usurpam a propriedade de um brāhmaṇa serão cozidos, junto de suas famí­lias reais, no inferno conhecido como Kumbhīpāka.

VERSO 39: Quer seja seu presente ou o presente de outrem, a pessoa que rouba a propriedade de um brāhmaṇa nascerá como um verme nas fezes por sessenta mil anos.

VERSO 40: Não desejo a riqueza dos brāhmaṇas. Aqueles que a cobiçam reduzem a duração de sua vida e são derrotados. Perdem seus reinos e tornam-se cobras, as quais atormentam os outros.

VERSO 41: Meus queridos seguidores, jamais trateis um brāhmaṇa erudi­to de maneira rude, mesmo que ele tenha pecado. Mesmo que ele vos ataque fisicamente ou vos amaldiçoe repetidas vezes, conti­nuai sempre a oferecer-lhe reverências.

VERSO 42: Assim como sempre tenho o cuidado de Me prostrar diante dos brāhmaṇas, todos vós deveis igualmente prostrar-vos diante deles. Punirei qualquer um que agir de outra maneira.

VERSO 43: Quando a propriedade de um brāhmaṇa é roubada, mesmo sem o saber, isso decerto faz cair a pessoa que a pegou, assim como a vaca do brāhmaṇa fez com Nṛga.

VERSO 44: Depois de instruir assim os residentes de Dvārakā, o Senhor Mukunda, o purificador de todos os mundos, entrou em Seu palácio.

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