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CAPÍTULO OITENTA E TRÊS

Draupadī Encontra-se com as Rainhas de Kṛṣṇa

Este capítulo relata uma conversa entre Draupadī e as princi­pais rainhas do Senhor Kṛṣṇa, na qual cada uma delas descreve como o Senhor a desposou.

O Senhor Śrī Kṛṣṇa voltou de Seu encontro com as gopīs e per­guntou ao rei Yudhiṣṭhira e a Seus outros parentes se eles estavam bem. Eles responderam: “Meu Senhor, qualquer um que tenha ao menos uma vez bebido através dos ouvidos o mel de Teus passatem­pos jamais pode conhecer infortúnio.”

Então, Draupadī indagou das esposas do Senhor Kṛṣṇa como foi que o Senhor Se casara com elas. A rainha Rukmiṇī falou primeiro: “Muitos reis, liderados por Jarāsandha, intencionavam dar-me em ca­samento a Śiśupāla. Assim, em meu casamento, todos eles empunha­ram seu arco, prontos a apoiar Śiśupāla contra quaisquer oponentes. Todavia, Śrī Kṛṣṇa veio e arrebatou-me à força, assim como um leão re­tira sua presa do meio de bodes e carneiros.”

A rainha Satyabhāmā disse: “Quando meu tio Prasena foi morto, meu pai, Satrājit, acusou falsamente o Senhor Kṛṣṇa de assassinato. Para limpar Seu nome, Kṛṣṇa derrotou Jāmbavān, recuperou a joia Syamantaka e devolveu-a a Satrājit. Arrependido, meu pai deu de presente ao Senhor a joia e a minha pessoa.”

A rainha Jāmbavatī contou: “Quando Śrī Kṛṣṇa entrou na caverna de meu pai em busca da joia Syamantaka, a princípio meu pai, Jāmbavān, não compreendeu quem era Ele. Então, meu pai lutou contra o Senhor durante vinte e sete dias e noites. Por fim, Jāmbavān compre­endeu que Kṛṣṇa não era nenhum outro senão o Senhor Rāmacandra, seu Senhor adorável. Ele, então, presenteou-me a Kṛṣṇa, junto da joia Syamantaka.”

A rainha Kālindī disse: “Para conseguir Kṛṣṇa como meu marido, pratiquei severas austeridades. Então, certo dia, o Senhor Kṛṣṇa veio ter comigo em companhia de Arjuna, e, naquela ocasião, o Senhor concordou em casar-Se comigo.”

A rainha Mitravindā disse: “Śrī Kṛṣṇa veio à minha cerimônia de svayaṁvara, onde derrotou todos os reis oponentes e levou-me em­bora para Sua cidade de Dvārakā.”

A rainha Satyā disse: “Meu pai estipulou que, para ganhar minha mão, um candidato a noivo devia subjugar e amarrar sete poderosos touros. Aceitando esse desafio, o Senhor Kṛṣṇa subjugou-os como se aquilo fosse uma brincadeira, derrotou todos os pretendentes rivais e Se casou co­migo.”

A rainha Bhadrā disse: “Meu pai convidou seu sobrinho Kṛṣṇa, a quem eu já entregara meu coração, e ofereceu-me a Ele como Sua noiva. O dote foi uma divisão militar inteira e um séquito de minhas companheiras.”

A rainha Lakṣmaṇā disse a Draupadī: “Em meu svayaṁvara, assim como no teu, um peixe foi fixado como alvo perto do teto. Mas, no meu caso, o peixe estava oculto de todos os lados, e somente se podia ver seu reflexo num recipiente cheio de água embaixo. Vários reis tentaram acertar o peixe com uma flecha, mas erraram. Arjuna, então, fez sua tentativa. Ele se concentrou no reflexo do peixe na água e mirou com cuidado, mas, quando disparou a flecha, apenas roçou o alvo. Então, Śrī Kṛṣṇa fixou Sua flecha no arco e atirou o projétil bem no alvo, derrubando-o no chão. Coloquei o colar da vitória no pescoço de Śrī Kṛṣṇa, mas os reis que haviam falhado rebelaram-se violen­tamente em protesto. O Senhor Kṛṣṇa lutou contra eles com valen­tia, decepando a cabeça, braços e pernas de muitos e fazendo o restante fugir na tentativa de salvar suas vidas. Em seguida, o Senhor levou­-me para Dvārakā, onde aconteceu nosso pomposo casamento.”

Rohiṇī-devī, representando todas as outras rainhas, explicou que elas eram filhas dos reis derrotados por Bhaumāsura. O demônio as mantivera cativas, mas, depois de matá-lo, o Senhor Kṛṣṇa as libertou e Se casou com todas elas.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Assim, o Senhor Kṛṣṇa, o mestre es­piritual das gopīs e o verdadeiro objetivo da vida delas, mostrou-lhes Sua misericórdia. Ele, então, encontrou-Se com Yudhiṣṭhira e todos os Seus outros parentes e perguntou-lhes sobre o seu bem-­estar.

VERSO 2: Sentindo-se muito honrados, o rei Yudhiṣṭhira e os outros, livres de todas as reações pecaminosas por verem os pés do Senhor do universo, responderam com alegria às perguntas dEle.

VERSO 3: [Os parentes do Senhor Kṛṣṇa disseram:] Ó mestre, como pode surgir infortúnio para aqueles que ao menos uma vez beberam livremente o néctar proveniente de Teus pés de lótus? Essa bebida ine­briante é derramada nos cálices de seus ouvidos, tendo fluído das mentes de grandes devotos através de suas bocas, e destrói o esquecimento que as almas corporificadas têm do criador de sua existência corpórea.

VERSO 4: O resplendor de Tua forma pessoal dissipa as três espécies de efeitos da consciência material, e, por Tua graça, ficamos imersos em completa felicidade. Teu conhecimento é indivisível e irrestri­to. Por meio de Tua potência yogamāyā, assumiste esta forma humana para proteger os Vedas, que tinham sido ameaçados pelo tempo. Prostramo-nos diante de Ti, o destino final dos santos perfeitos.

VERSO 5: O eminente sábio Śukadeva Gosvāmī disse: Enquanto Yudhiṣṭhira e os outros louvavam assim o Senhor Kṛṣṇa, a joia da coroa de todas as personalidades de glória sublime, as mulheres dos clãs Andhaka e Kaurava encontraram-se e começaram a discorrer sobre assuntos referentes a Govinda, que são cantados por todos os três mundos. Por favor, ouve enquanto os relato para ti.

VERSOS 6-7: Śrī Draupadī disse: Ó Vaidarbhī, Bhadrā e Jāmbavatī, ó Kau­śalā, Satyabhāmā e Kālindī, ó Śaibyā, Rohiṇī, Lakṣmaṇā e outras esposas do Senhor Kṛṣṇa, por favor, contai-me como o Supremo Senhor Acyuta, imitando os costumes deste mundo por meio de Seu poder místico, casou-Se com cada uma de vós.

VERSO 8: Śrī Rukmiṇī disse: Enquanto todos os reis mantinham seus arcos de prontidão para garantir que eu fosse presenteada a Śiśupāla, Kṛṣṇa, que coloca a poeira de Seus pés sobre a cabeça de guerreiros invencíveis, arrebatou-me do meio deles, assim como um leão, à força, arranca sua presa do meio de bodes e carneiros. Que eu sempre possa adorar aqueles pés do Senhor Kṛṣṇa, a morada da deusa Śrī.

VERSO 9: Śrī Satyabhāmā disse: Meu pai, com seu coração atormentado pelo assassinato de meu irmão, culpou o Senhor Kṛṣṇa do crime. Para eliminar a mácula de Sua reputação, o Senhor derrotou o rei dos ursos e recuperou a joia Syamantaka, a qual, então, devol­veu a meu pai. Temendo as consequências de sua ofensa, meu pai ofereceu-me ao Senhor, embora eu já tivesse sido prometida a outros.

VERSO 10: Śrī Jāmbavatī disse: Sem saber que o Senhor Kṛṣṇa não era outro senão seu próprio mestre e Deidade adorável, o esposo da deusa Sītā, meu pai lutou contra Ele vinte e sete dias. Quando meu pai enfim caiu em si e reconheceu o Senhor, meu pai agarrou-Lhe os pés e me deu de presente a Ele, juntamente com a joia Syamantaka, como sinal de reverência. Sou apenas a serva do Senhor.

VERSO 11: Śrī Kālindī disse: O Senhor sabia que eu executava severas austeridades e penitências com a esperança de um dia tocar-Lhe os pés de lótus. Por isso, Ele veio a mim em companhia de Seu amigo e tomou minha mão em casamento. Agora, eu me ocupo como uma varredora em Seu palácio.

VERSO 12: Śrī Mitravindā disse: Em minha cerimônia de svayaṁvara, Ele Se adiantou, derrotou todos os reis presentes – inclusive meus irmãos, que ousaram insultá-lO – e levou-me embora assim como um leão retira sua presa do meio de um bando de cachorros. Assim, o Senhor Kṛṣṇa, o abrigo da deusa da fortuna, levou-me para a Sua capital. Que eu possa servi-lO banhando Seus pés, vida após vida.

VERSOS 13-14: Śrī Satyā disse: Meu pai providenciou sete touros extremamente fortes e vigorosos com mortais chifres pontiagudos para testar a valentia dos reis que desejavam minha mão em casamento. Em­bora aqueles touros tivessem destruído o falso orgulho de muitos heróis, o Senhor Kṛṣṇa subjugou-os sem esforço, amarrando-os do mesmo modo que as crianças, brincando, amarram os filho­tes de cabra. Assim, Ele me comprou com Sua bravura. Então, arrebatou-me juntamente com minhas criadas e todo um exército de quatro divisões, derrotando todos os reis que se opuseram a Ele ao longo do caminho. Que me seja concedido o privilégio de servir a esse Senhor.

VERSOS 15-16: Śrī Bhadrā disse: Minha querida Draupadī, meu pai, por sua es­pontânea vontade, convidou seu sobrinho Kṛṣṇa, a quem eu já entregara meu coração, e ofereceu-me a Ele como Sua noiva. Meu pai presenteou-me ao Senhor juntamente com uma guarda militar akṣauhiṇi e um séquito de minhas companheiras. Minha perfei­ção máxima consiste em poder tocar sempre os pés de lótus de Kṛṣṇa enquanto vagueio de vida em vida, atada por meu karma.

VERSO 17: Śrī Lakṣmaṇā disse: Ó rainha, ouvi repetidas vezes Nārada Muni glorificar os aparecimentos e atividades de Acyuta, e assim meu coração também se apegou àquele Senhor, Mukunda. De fato, até mesmo a deusa Padmahastā escolheu-O como seu mari­do após cuidadosa consideração, rejeitando os grandes semideu­ses que governam vários planetas.

VERSO 18: Meu pai, Bṛhatsena, era por natureza compassivo com sua filha e, sabendo como eu me sentia, ó dama santa, providenciou um meio para satisfazer o meu desejo.

VERSO 19: Assim como se usou um peixe como alvo em tua cerimônia de svayaṁvara, ó rainha, para garantir que obterias Arjuna como marido, usou-se também um peixe em minha cerimônia. Em meu caso, porém, ele estava oculto de todos os lados, e apenas se podia ver seu reflexo em uma vasilha de água, embaixo.

VERSO 20: Ouvindo isso, milhares de reis peritos em disparar flechas e em manejar outras armas convergiram de todas as direções para a cidade de meu pai, acompanhados por seus mestres militares.

VERSO 21: Meu pai prestou as devidas honras a cada rei segundo sua força e idade. Então, aqueles cujas mentes estavam fixas em mim apanharam arco e flecha e, um a um, no meio da assembleia, ten­taram trespassar o alvo.

VERSO 22: Alguns deles pegaram o arco, mas não puderam retesá-lo, e assim, frustrados, atiraram-no de lado. Alguns conseguiram puxar a corda do arco até a ponta, apenas para que o arco soltasse para trás e os derrubasse no chão.

VERSO 23: Alguns heróis – a saber, Jarāsandha, Śiśupāla, Bhīma, Duryo­dhana, Karṇa e o rei de Ambaṣṭha – conseguiram retesar o arco, mas nenhum deles foi capaz de encontrar o alvo.

VERSO 24: Então, Arjuna olhou para o reflexo do peixe na água e deter­minou sua posição. Porém, quando atirou atentamente sua flecha no alvo, ele não o trespassou, senão que apenas o roçou.

VERSOS 25-26: Depois que todos os arrogantes reis, com seu orgulho des­pedaçado, haviam desistido, a Suprema Personalidade de Deus apanhou o arco, retesou-o com facilidade e, então, fixou nele Sua flecha. Enquanto o Sol se encontrava na constelação Abhijit, Ele olhou apenas uma vez para o peixe na água e, então, trespassou-o com a flecha, derrubando-o no chão.

VERSO 27: Timbales ressoaram no céu, e, na terra, as pessoas gritaram “Jaya! Jaya!” Exultantes, semideuses lançaram chuvas de flores.

VERSO 28: Bem naquele momento, entrei na área cerimonial, com os guizos de tornozelo em meus pés a tilintarem suavemente. Estava usando roupas novas da mais fina seda, amarradas com um cinto, e um brilhante colar feito de ouro e pedras preciosas. Um sorriso tí­mido despontava em meu rosto, e uma coroa de flores enfeitava o meu cabelo.

VERSO 29: Ergui o rosto, que estava rodeado de abundantes cachos de ca­belo e resplandecia devido ao brilho de meus brincos a refletirem minhas bochechas. Com um sorriso cheio de frescor, olhei ao redor para todos os reis e, então, coloquei lentamente o colar no ombro de Murāri, que havia capturado meu coração.

VERSO 30: Bem então, ressoaram alto os búzios e os tambores mṛdaṅga, paṭaha, bherī e ānaka, bem como outros instrumentos. Homens e mulheres começaram a dançar, e cantores puseram-se a cantar.

VERSO 31: Os reis principais ali não puderam tolerar o fato de eu ter es­colhido a Suprema Personalidade de Deus, ó Draupadī. Ardendo de luxúria, eles foram tomados pelo desejo de brigar.

VERSO 32: O Senhor, então, colocou-me em Sua quadriga, puxada por qua­tro excelentíssimos cavalos. Vestindo Sua armadura e aprontan­do Seu arco Śārṅga, Ele ficou de pé na quadriga e, ali no campo de batalha, manifestou Seus quatro braços.

VERSO 33: Dāruka conduziu a quadriga do Senhor enfeitada com adornos de ouro enquanto os reis olhavam, ó rainha, como pequenos ani­mais desamparados a observar um leão.

VERSO 34: Os reis perseguiram o Senhor como cães de vila a correrem atrás de um leão. Alguns reis, erguendo seus arcos, postaram-se no caminho para detê-lO quando Ele passasse por ali.

VERSO 35: Estes guerreiros foram cobertos de flechas atiradas pelo arco Śārṅga do Senhor. Alguns dos reis caíram no campo de batalha com os braços, pernas e pescoços decepados, e o resto abandonou a luta e fugiu.

VERSO 36: O Senhor dos Yadus entrou, então, em Sua capital, Kuśasthalī [Dvārakā], que é glorificada no céu e na terra. A cidade estava primorosamente decorada de mastros com flâmulas que obstruíam o brilho solar e também com esplêndidos arcos. Quando entrou na cidade, o Senhor Kṛṣṇa parecia o deus do Sol a entrar em sua morada.

VERSO 37: Meu pai honrou seus amigos, familiares e afins os presenteando com valiosas roupas e joias e com leitos reais, tronos e outros móveis.

VERSO 38: Com devoção, ele presenteou o Senhor perfeitamente completo com várias criadas enfeitadas de ornamentos preciosos. Acompa­nhando essas criadas, havia alguns guardas a pé e outros montados em elefantes, quadrigas e cavalos. Ele também deu ao Senhor armas valiosíssimas.

VERSO 39: Assim, mediante a renúncia a toda associação material e a prática de austeras penitências, nós rainhas tornamo-nos todas servas pessoais do autossatisfeito Senhor Supremo.

​​​​​​VERSO 40: Rohiṇī-devī, falando pelas outras rainhas, disse: Depois de matar Bhaumāsura e seus seguidores, o Senhor nos encontrou na prisão do demônio e pôde compreender que éramos as filhas dos reis que Bhauma derrotara durante sua conquista da Terra. O Senhor nos libertou e, porque sempre meditávamos em Seus pés de lótus, a fonte de liberação do enredamento material, Ele concordou em Se casar conosco, embora todos os Seus desejos já estejam satisfeitos.

VERSOS 41-42: Ó dama santa, não desejamos domínio sobre a Terra, a sobera­nia do rei dos céus, ilimitada facilidade para o desfrute, poder místico, a posição do senhor Brahmā, imortalidade, tampouco a entrada no reino de Deus. Desejamos apenas levar em nossas cabeças a gloriosa poeira dos pés do Senhor Kṛṣṇa, enriquecida pela fragrância do kuṅkuma dos seios de Sua consorte.

VERSO 43: Desejamos o mesmo contato com os pés de lótus do Senhor Su­premo que as mocinhas de Vraja, os vaqueirinhos e até as mu­lheres aborígenes Pulindas desejam – o toque da poeira que Ele deixa nas plantas e grama enquanto apascenta as vacas.

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