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Capítulo Dezenove

O Aparecimento de Śukadeva Gosvāmī

VERSO 1: Śrī Sūta Gosvāmī disse: Enquanto regressava à casa, o rei [Mahārāja Parīkṣit] sentiu que o ato que cometera contra o impecável e poderoso brāhmaṇa fora atroz e incivilizado. Em consequência disso, estava angustiado.

VERSO 2: O rei Parīkṣit pensou:] Devido à minha negligência dos preceitos do Senhor Supremo, certamente devo esperar que alguma dificuldade me sobrevenha em um futuro próximo. Sem reservas, desejo que a calamidade venha logo, pois, dessa maneira, posso livrar-me da ação pecaminosa e não repetir semelhante ofensa.

VERSO 3: Eu sou incivilizado e pecaminoso devido à minha negligência da cultura bramânica, da consciência de Deus e da proteção às vacas. Portanto, desejo que meu reino, força e riquezas se consumam de imediato no fogo da cólera do brāhmaṇa para que, no futuro, eu não seja guiado por essas atitudes inauspiciosas.

VERSO 4: Enquanto o rei experimentava o arrependimento, recebeu a notícia de sua morte iminente, que se deveria à picada de uma serpente alada, ocasionada pela maldição proferida pelo filho do sábio. O rei aceitou isso como uma boa nova, pois isso seria a causa de sua indiferença às coisas mundanas.

VERSO 5: Mahārāja Parīkṣit sentou-se estavelmente às margens do Ganges a fim de concentrar sua mente em consciência de Kṛṣṇa, rejeitando todas as outras práticas de autorrealização, porque o transcendental serviço amoroso a Kṛṣṇa é a maior aquisição, suplantando todos os outros métodos.

VERSO 6: O rio [às margens do qual o rei sentou-se para jejuar] transporta a água mais auspiciosa, que está misturada com a poeira dos pés de lótus do Senhor e com folhas de tulasī. Portanto, essa água santifica os três mundos, interna e externamente, e santifica até mesmo o senhor Śiva e outros semideuses. Em consequência disso, todos que estão destinados a morrer devem refugiar-se nesse rio.

VERSO 7: Desse modo, o rei, o digno descendente dos Pāṇḍavas, decidiu, de uma vez por todas, sentar-se às margens do Ganges para jejuar até a morte e abandonar-se aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, quem, por Si só, é capaz de conceder a liberação. Assim, livrando-se de todos os tipos de associações e apegos, aceitou os votos de um sábio.

VERSO 8: Nesse momento, todos os grandes gênios e pensadores, acompanhados por seus discípulos, junto com sábios que podiam santificar um lugar de peregrinação simplesmente por sua presença, ali chegaram alegando estarem fazendo uma jornada de peregrinação.

VERSOS 9-10: De diferentes partes do universo, ali chegaram sábios como Atri, Cyavana, Śaradvān, Ariṣṭanemi, Bhṛgu, Vasiṣṭha, Parāśara, Viśvāmitra, Aṅgirā, Paraśurāma, Utathya, Indrapramada, Idhmavāhu, Medhātithi, Devala, Ārṣṭiṣeṇa, Bhāradvāja, Gautama, Pippalāda, Maitreya, Aurva, Kavaṣa, Kumbhayoni, Dvaipāyana e a grande personalidade Nārada.

VERSO 11: Também havia muitos outros semideuses santos, reis e ordens reais especiais chamadas aruṇādayas [um gênero especial de rājarṣis] de diferentes dinastias de sábios. Quando todos eles se reuniram para encontrar-se com o imperador [Parīkṣit], esse os recebeu apropriadamente e prostrou-se com sua cabeça no chão.

VERSO 12: Depois que todos os ṛṣis e outros sentaram-se confortavelmente, o rei, permanecendo humildemente diante deles de mãos juntas, falou-lhes de sua decisão de jejuar até a morte.

VERSO 13: O afortunado rei disse: Na verdade, somos o mais grato de todos os reis que são treinados para obter favores das grandes almas. Em geral, vós [sábios] considerais a realeza como um lixo a ser rejeitado e deixado em algum lugar distante.

VERSO 14: A Suprema Personalidade de Deus, o controlador tanto do mundo transcendental quanto do mundo mortal, amavelmente me alcançou na forma da maldição de um brāhmaṇa. Por eu ser demasiadamente apegado à vida familiar, o Senhor, a fim de me salvar, apareceu diante de mim de tal maneira que, somente por temor, eu me desapegarei do mundo.

VERSO 15: Ó brāhmaṇas, apenas aceitai-me como uma alma rendida por inteiro e deixai que a mãe Ganges, a representante do Senhor, também me aceite dessa maneira, pois já acolhi os pés de lótus do Senhor em meu coração. Que a serpente alada – ou qualquer coisa mágica que o brāhmaṇa tenha criado – pique-me de uma vez. Somente desejo que todos vós continueis cantando os feitos do Senhor Viṣṇu.

VERSO 16: Ó brāhmaṇas, oferecendo reverências a todos vós, oro mais uma vez que, se eu tiver de renascer no mundo material, eu tenha completo apego ao ilimitado Senhor Kṛṣṇa, a companhia de Seus devotos e relações amistosas com todos os seres vivos.

VERSO 17: Com perfeito autocontrole, Mahārāja Parīkṣit sentou-se num assento de palha, com as raízes da palha voltadas para o leste, colocado na margem sul do Ganges, e ele ficou de frente para o norte. Um pouco antes, dera a posse de seu reino ao seu filho.

VERSO 18: Dessa maneira se sentou o rei, Mahārāja Parīkṣit, para jejuar até a morte. Todos os semideuses dos planetas superiores louvaram as ações do rei e, com grande prazer, espalharam flores continuamente sobre a Terra e tocaram tambores celestiais.

VERSO 19: Todos os grandes sábios que estavam ali reunidos louvaram a decisão de Mahārāja Parīkṣit e expressaram sua aprovação dizendo: “Excelente!” Naturalmente, os sábios são propensos a fazer o bem aos homens comuns, haja vista que possuem todos os poderes qualitativos do Senhor Supremo. Eles, portanto, estavam satisfeitíssimos em ver Mahārāja Parīkṣit, um devoto do Senhor, e falaram da seguinte maneira.

VERSO 20: [Os sábios disseram:] Ó principal de todos os reis santos da dinastia Pāṇḍu que estão estritamente na linha do Senhor Śrī Kṛṣṇa! Não é nada surpreendente que tenhas abandonado teu trono, que está decorado com os elmos de muitos reis, para alcançar a companhia eterna da Personalidade de Deus.

VERSO 21: Todos nós esperaremos aqui até que o principal devoto do Senhor, Mahārāja Parīkṣit, retorne ao planeta supremo, que está completamente livre de toda a contaminação mundana e de todas as espécies de lamentação.

VERSO 22: Tudo o que os grandes sábios falavam era agradável de ouvir, cheio de significado e apresentado apropriadamente como a verdade perfeita. Assim, após ouvi-los, Mahārāja Parīkṣit, desejando ouvir sobre as atividades do Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, congratulou-se com os grandes sábios.

VERSO 23: O rei disse: Ó grandes sábios, vós vos reunistes muito bondosamente aqui, tendo vindo de todas as partes do universo. Todos vós sois tão bons como o conhecimento personificado, que reside no planeta acima dos três mundos [Satyaloka]. Em consequência disso, sois naturalmente propensos a fazer o bem aos outros e, além disso, não tendes outro interesse, seja nesta vida, seja na próxima.

VERSO 24: Ó brāhmaṇas dignos de confiança, pergunto-vos agora acerca do meu dever imediato. Por favor, após adequada deliberação, falai-me sobre o dever imaculado de todas as pessoas em todas as circunstâncias, e especificamente daquelas que estão à beira da morte.

VERSO 25: Naquele momento, apareceu ali o poderoso filho de Vyāsadeva, que viajava pela Terra desinteressado e satisfeito consigo mesmo. Ele não manifestava qualquer sintoma de pertencer a alguma ordem social ou status de vida. Estava cercado por mulheres e crianças, e vestia-se como se os outros o tivessem negligenciado.

VERSO 26: Esse filho de Vyāsadeva tinha apenas dezesseis anos. Suas pernas, mãos, coxas, braços, ombros, testa e outras partes de seu corpo eram todos delicadamente formados. Seus olhos eram belamente largos, e seu nariz e ouvidos eram nobremente modelados. Ele tinha um rosto muito atrativo, e seu pescoço era bem formado e belo como um búzio.

VERSO 27: Sua clavícula era carnuda, seu peito largo e abundante, seu umbigo profundo e seu abdômen belamente marcado. Tinha braços longos, e o cabelo ondulado se espalhava sobre seu belo rosto. Estava desnudo, e a tez de seu corpo se assemelhava à do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 28: Ele era enegrecido e muito belo devido à sua juventude. Por causa do encanto de seu corpo e de seus sorrisos atrativos, era agradável às mulheres. Embora ele tentasse cobrir suas glórias naturais, os grandes sábios ali presentes eram todos peritos na arte da fisiognomia, e, assim, honraram-no levantando-se de seus assentos.

VERSO 29: Mahārāja Parīkṣit, que também é conhecido como Viṣṇurāta [aquele que sempre é protegido por Viṣṇu], prostrou-se com sua cabeça para receber o visitante principal, Śukadeva Gosvāmī. Nessa altura, todas as mulheres e meninos ignorantes pararam de seguir Śrīla Śukadeva. Recebendo respeitos de todos, Śukadeva Gosvāmī assumiu seu assento de destaque.

VERSO 30: Então, Śukadeva Gosvāmī foi cercado pelos sábios santos e semideuses, assim como a Lua é cercada pelas estrelas, planetas e outros corpos celestes. Sua presença era esplendorosa, e ele era respeitado por todos.

VERSO 31: O sábio Śrī Śukadeva Gosvāmī sentou-se tranquilamente, inteligente e pronto para responder a qualquer pergunta sem hesitação. O grande devoto, Mahārāja Parīkṣit, aproximou-se dele, ofereceu seus respeitos prostrando-se diante dele, e perguntou polidamente com palavras doces e mãos postas.

VERSO 32: O afortunado rei Parīkṣit disse: Ó brāhmaṇa, unicamente por tua misericórdia tu nos santificaste, transformando-nos em lugares de peregrinação, tudo por causa de tua presença aqui como meu convidado. Por tua misericórdia, nós, que nada mais somos do que a realeza indigna, qualificamo-nos para servir ao devoto.

VERSO 33: Simplesmente por nos lembrarmos de ti, nossos lares tornam-se santificados de imediato. E o que dizer de ver-te, tocar-te, lavar teus santos pés e oferecer-te um assento em nosso lar?

VERSO 34: Assim como um ateísta não pode permanecer na presença da Personalidade de Deus, da mesma forma os pecados invulneráveis de um homem são imediatamente removidos em tua presença, ó santo! Ó grande místico!

VERSO 35: O Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, que é muito querido pelos filhos do rei Pāṇḍu, aceitou-me como um daqueles parentes simplesmente para satisfazer Seus grandes primos e irmãos.

VERSO 36: De outra forma [sem ser inspirado pelo Senhor Kṛṣṇa], como é que apareceste voluntariamente aqui, embora andes incógnito ao homem comum e não sejas visível para nós que estamos à beira da morte?

VERSO 37: Tu és o mestre espiritual de grandes santos e devotos. Portanto, suplico-te que mostres o caminho da perfeição a todas as pessoas, e especialmente a alguém que está para morrer.

VERSO 38: Por favor, deixa-me saber o que um homem deve ouvir, cantar, lembrar e adorar, e também o que ele não deve fazer. Por favor, explica-me tudo isso.

VERSO 39: Ó brāhmaṇa poderoso, é dito que raramente permaneces na casa dos homens durante o tempo suficiente para ordenhar uma vaca.

VERSO 40: Śrī Sūta Gosvāmī disse: Assim, o rei falou e interrogou o sábio, usando linguagem doce. Então, a grande e poderosa personalidade, o filho de Vyāsadeva, que conhecia os princípios da religião, começou a responder.

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