Capítulo Seis
Diálogo entre Nārada e Vyāsadeva
VERSO 1: Sūta disse: Ó brāhmaṇas, tendo assim ouvido tudo sobre o nascimento e as atividades de Śrī Nārada, Vyāsadeva, a encarnação de Deus e filho de Satyavatī, indagou o seguinte.
VERSO 2: Śrī Vyāsadeva disse: O que tu [Nārada] fizeste após a partida dos grandes sábios que haviam te dado instruções sobre o científico conhecimento transcendental, antes do começo de teu atual nascimento?
VERSO 3: Ó filho de Brahmā, como passaste tua vida após a iniciação, e como obtiveste este corpo, tendo abandonado o antigo no devido tempo?
VERSO 4: Ó grande sábio! O tempo aniquila tudo na devida hora. Como é, então, que este tema, que aconteceu antes deste dia de Brahmā, ainda está fresco em tua memória, imperturbado pelo tempo?
VERSO 5: Śrī Nārada disse: Os grandes sábios, que me transmitiram conhecimento científico da transcendência, partiram para outros lugares, e tive que passar minha vida dessa maneira.
VERSO 6: Eu era o filho único de minha mãe, que era não somente uma mulher simples, mas também uma criada. Uma vez que eu era seu único descendente, ela não tinha alternativa para a sua proteção: ela me atava com os laços da afeição.
VERSO 7: Ela queria zelar apropriadamente por minha manutenção, mas, como não era independente, não foi capaz de fazer nada por mim. O mundo está sob o completo controle do Senhor Supremo; portanto, todos são como bonecos de madeira nas mãos de um titereiro.
VERSO 8: Quando eu era uma simples criança de cinco anos, vivi numa escola de brāhmaṇas. Eu dependia da afeição de minha mãe e não tinha experiência de outras terras.
VERSO 9: Certa vez, minha pobre mãe, quando certa noite saía para ordenhar uma vaca, foi picada na perna por uma serpente, influenciada pelo tempo supremo.
VERSO 10: Tomei isso como a misericórdia especial do Senhor, que sempre deseja bênçãos para Seus devotos, e, pensando assim, parti rumo ao norte.
VERSO 11: Após minha partida, passei por muitas metrópoles florescentes, cidades, vilas, fazendas de animais, minas, campos agrícolas, vales, jardins floridos, viveiros de plantas e florestas naturais.
VERSO 12: Passei por colinas e montanhas cheias de reservatórios de vários minerais, como ouro, prata e cobre, e por extensões de terra com reservatórios de água repletos de belas flores de lótus, dignos dos habitantes do céu, decorados com abelhas inquietas e pássaros canoros.
VERSO 13: Passei sozinho, então, por muitas florestas de juncos, bambus, capoeiras, relva cortante, ervas daninhas e cavernas, que eram difíceis de atravessar. Visitei florestas densas, escuras e perigosamente amedrontadoras, que eram o parque de diversões de cobras, corujas e chacais.
VERSO 14: Viajando dessa maneira, senti-me cansado, tanto física quanto mentalmente, e estava sedento e faminto. Então, tomei banho na represa de um rio e também bebi água. Ao tocar na água, aliviei-me do meu cansaço.
VERSO 15: Depois disso, debaixo da sombra de uma figueira-de-bengala numa floresta desabitada, comecei a meditar na Superalma situada dentro de mim, usando minha inteligência, como aprendera com as almas liberadas.
VERSO 16: Logo que comecei a meditar nos pés de lótus da Personalidade de Deus com minha mente transformada pelo amor transcendental, lágrimas rolaram de meus olhos, e, sem demora, a Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, apareceu no lótus do meu coração.
VERSO 17: Ó Vyāsadeva, naquele momento, estando excessivamente dominado por sentimentos de felicidade, todas as partes de meu corpo animaram-se separadamente. Estando absorto em um oceano de êxtase, não pude ver nem a mim mesmo, nem ao Senhor.
VERSO 18: A forma transcendental do Senhor, como ela é, satisfaz o desejo da mente e dissipa de vez todas as incongruências mentais. Ao perder de vista aquela forma, levantei-me subitamente, ficando perturbado, como é comum quando se perde aquilo que é desejável.
VERSO 19: Desejei rever aquela forma transcendental do Senhor, mas, apesar de minhas tentativas de concentrar-me no coração, com avidez por rever aquela forma, não pude mais vê-lO, e assim insatisfeito, fiquei muito aflito.
VERSO 20: Vendo meus esforços naquele lugar solitário, a Personalidade de Deus, que é transcendental a todas as descrições mundanas, falou-me com gravidade e palavras agradáveis, apenas para mitigar minha aflição.
VERSO 21: Ó Nārada [disse o Senhor], lamento que, durante esta vida, não serás capaz de ver-Me novamente. Aqueles que são incompletos no serviço e que não estão completamente livres de todas as máculas materiais dificilmente podem ver-Me.
VERSO 22: Ó virtuoso, viste somente uma vez Minha pessoa, e isso é apenas para aumentar teu desejo por Mim, pois quanto mais ansiares por Mim, mais te livrarás de todos os desejos materiais.
VERSO 23: Através do serviço à Verdade Absoluta, mesmo por uns poucos dias, um devoto alcança inteligência firme e fixa em Mim. Em consequência disso, ele persevera até se tornar Meu companheiro no mundo transcendental, após abandonar os atuais mundos materiais deploráveis.
VERSO 24: A inteligência ocupada em devoção a Mim não pode ser frustrada em tempo algum. Mesmo no momento da criação, bem como no momento da aniquilação, tua lembrança continuará, por Minha misericórdia.
VERSO 25: Então, aquela autoridade suprema, personificada pelo som e invisível aos olhos, porém muito maravilhosa, parou de falar. Experimentando um sentimento de gratidão, eu Lhe ofereci minhas reverências, inclinando minha cabeça.
VERSO 26: Comecei, então, a cantar o santo nome e a fama do Senhor através de repetida recitação, ignorando todas as formalidades do mundo material. Tal canto e lembrança dos passatempos transcendentais do Senhor são cheios de bênçãos. Assim fazendo, viajei por toda a Terra, completamente satisfeito, humilde e sem inveja.
VERSO 27: E assim, ó brāhmaṇa Vyāsadeva, no devido curso do tempo, eu, que estava completamente absorto em pensar em Kṛṣṇa e que, portanto, não tinha apegos, estando completamente livre de todas as máculas materiais, encontrei a morte, assim como o relâmpago e a iluminação ocorrem simultaneamente.
VERSO 28: Tendo recebido um corpo transcendental próprio de um companheiro da Personalidade de Deus, abandonei o corpo feito de cinco elementos materiais, e, dessa maneira, cessaram todos os resultados fruitivos adquiridos do trabalho [karma].
VERSO 29: No fim do milênio, quando a Personalidade de Deus, o Senhor Nārāyaṇa, deitou-Se dentro da água da devastação, Brahmā começou a entrar nEle juntamente com todos os elementos criativos, e eu também entrei através de Sua respiração.
VERSO 30: Após 4.300.000.000 de anos solares, quando Brahmā despertou para criar novamente pela vontade do Senhor, todos os ṛṣis, como Marīci, Aṅgirā, Atri e assim por diante, foram criados a partir do corpo transcendental do Senhor, e eu também apareci, juntamente com eles.
VERSO 31: Desde então, pela graça do Viṣṇu todo-poderoso, viajo por todas as partes, sem restrição, tanto no mundo transcendental quanto nas três divisões do mundo material. Isso porque estou fixo no ininterrupto serviço devocional ao Senhor.
VERSO 32: E assim eu viajo, cantando constantemente a mensagem transcendental das glórias do Senhor, vibrando este instrumento chamado vīṇā, que é dotado de som transcendental e que me foi dado pelo Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 33: O Supremo Senhor Śrī Kṛṣṇa, cujas glórias e atividades são agradáveis de ouvir, aparece de imediato no assento do meu coração, como se tivesse sido chamado, tão logo começo a cantar Suas santas atividades.
VERSO 34: Experimentei pessoalmente que aqueles que estão sempre cheios de preocupações e ansiedades devido a desejarem o contato dos sentidos com seus objetos podem cruzar o oceano da ignorância em um barco muito adequado – o cantar constante das atividades transcendentais da Personalidade de Deus.
VERSO 35: É verdade que, por praticar a restrição dos sentidos, através do sistema de yoga, podemos nos aliviar dos distúrbios do desejo e da luxúria, mas isso não é suficiente para satisfazer a alma, pois essa [satisfação] se obtém do serviço devocional à Personalidade de Deus.
VERSO 36: Ó Vyāsadeva, és alguém livre de todos os pecados. Assim, como pediste, expliquei meu nascimento e minhas atividades para a autorrealização. Tudo isso também será conducente à tua satisfação pessoal.
VERSO 37: Sūta Gosvāmī disse: Dirigindo-se a Vyāsadeva dessa maneira, Śrīla Nārada Muni despediu-se dele, e, vibrando seu instrumento, a vīṇā, partiu para vagar a seu bel prazer.
VERSO 38: Toda glória e toda fortuna a Śrīla Nārada Muni, pois ele glorifica as atividades da Personalidade de Deus e, assim o fazendo, ele próprio sente prazer, e também traz alento a todas as almas aflitas do universo.