CAPÍTULO CINQUENTA E NOVE
O Extermínio do Demônio Naraka
Este capítulo narra como o Senhor Kṛṣṇa matou Narakāsura, o filho da deusa da Terra, e casou-Se com as milhares de donzelas que o demônio raptara. Descreve também como o Senhor roubou dos céus a árvore pārijāta e como Ele Se comportava tal qual um pai de família comum em cada um de Seus palácios.
Depois que Narakāsura roubou o guarda-sol do Senhor Varuṇa, os brincos de mãe Aditi e o parque de diversões dos semideuses conhecido como Maṇi-parvata, Indra foi a Dvārakā e descreveu ao Senhor Kṛṣṇa as transgressões do demônio. Juntamente com a rainha Satyabhāmā, o Senhor montou em Seu transportador Garuḍa e viajou para a capital do reino de Narakāsura. Em um campo nos arredores da cidade, Ele decapitou com Seu disco o demônio Mura. Então, lutou contra os sete filhos de Mura e mandou-os todos para a morada da morte, depois do que o próprio Narakāsura entrou no campo de batalha montado em um elefante. Naraka arremessou sua lança śakti contra Śrī Kṛṣṇa, mas a arma mostrou-se ineficaz, e o Senhor desbaratou todo o exército do demônio. Por fim, com Seu disco afiado, Kṛṣṇa decepou a cabeça de Narakāsura.
A deusa da Terra, Pṛthivī, aproximou-se, então, do Senhor Kṛṣṇa e deu-Lhe os vários artigos que Narakāsura roubara. Ela ofereceu orações ao Senhor e entregou o amedrontado filho de Naraka aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa. Depois de tranquilizar o filho do demônio, Kṛṣṇa entrou no palácio de Narakāsura, onde encontrou dezesseis mil e cem jovens. Logo que avistaram o Senhor, todas elas decidiram aceitá-lO como marido. O Senhor as mandou para Dvārakā junto de uma grande quantidade de tesouro e, então, foi com a rainha Satyabhāmā para a morada de Indra. Ali, devolveu os brincos de Aditi, e Indra e sua esposa, Śacīdevī, adoraram-nO. A pedido de Satyabhāmā, o Senhor Kṛṣṇa arrancou a árvore celestial pārijāta e colocou-a nas costas de Garuḍa. Após derrotar Indra e os outros semideuses que se opuseram a que Ele levasse a árvore, Kṛṣṇa regressou com a rainha Satyabhāmā a Dvārakā, onde a plantou em um jardim adjacente ao palácio de Satyabhāmā.
Indra, a princípio, viera ao Senhor Kṛṣṇa oferecendo reverências e pedindo que este matasse Narakāsura, mas depois, quando seu problema fora resolvido, ele brigou com o Senhor. Os semideuses são propensos à ira porque se deixam embriagar pelo orgulho em virtude de suas opulências.
O infalível Senhor Supremo manifestou-Se em dezesseis mil e cem formas separadas e casou-Se com cada uma das dezesseis mil e cem noivas em um templo diferente. Ele assumiu as atividades necessárias à vida de casado exatamente como uma pessoa qualquer, aceitando várias espécies de serviço de cada uma de Suas muitas esposas.
VERSO 1: [O rei Parīkṣit disse:] Como Bhaumāsura, que raptou tantas mulheres, foi morto pelo Senhor Supremo? Por favor, narra esta aventura do Senhor Śārṅgadhanvā.
VERSOS 2-3: Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de Bhauma ter roubado os brincos pertencentes à mãe de Indra, bem como o guarda-sol de Varuṇa e o parque de diversões dos semideuses, que fica situado no pico da montanha Mandara, Indra foi ter com o Senhor Kṛṣṇa e informou-O desses crimes. O Senhor, levando Sua esposa Satyabhāmā conSigo, então montou em Garuḍa e dirigiu-Se para Prāgjyotiṣa-pura, que era cercada de todos os lados por fortificações constituídas de colinas, armas automáticas, água, fogo e vento, e por obstáculos de fio mura-pāśa.
VERSO 4: Com Sua maça, o Senhor abriu caminho quebrando as fortificações de rocha; com Suas flechas, as fortificações de armas; com Seu disco, as fortificações de fogo, água e vento; e com Sua espada, os cabos mura-pāśa.
VERSO 5: Então, com o som de Seu búzio, o Senhor Gadādhara destroçou as proteções mágicas da fortaleza, bem como os corações de seus valentes defensores, e, com Sua pesada maça, demoliu os baluartes de terra circunjacentes.
VERSO 6: Mura, o demônio de cinco cabeças, que dormia no fundo do fosso da cidade, acordou e imergiu da água ao ouvir a vibração do búzio Pāñcajanya do Senhor Kṛṣṇa, a qual era tão aterradora quanto o trovão ouvido no fim da era cósmica.
VERSO 7: Brilhando com a ofuscante e terrível refulgência do fogo do Sol no fim do milênio, Mura parecia estar engolindo os três mundos com suas cinco bocas. Ele brandiu seu tridente e precipitou-se contra Garuḍa, o filho de Tārkṣya, tal qual uma cobra em ofensiva.
VERSO 8: Mura girou seu tridente e, então, arremessou-o ferozmente contra Garuḍa, rugindo por suas cinco bocas. O som encheu a terra e o céu, todas as direções e os limites do espaço sideral, até reverberar contra a própria cobertura do universo.
VERSO 9: Então, com duas flechas, o Senhor Hari atingiu o tridente que voava em direção a Garuḍa e quebrou-o em três pedaços. Em seguida, o Senhor feriu os rostos de Mura com várias flechas, e o demônio, com ira, lançou sua maça contra o Senhor.
VERSO 10: Enquanto a maça de Mura voava em direção a Ele no campo de batalha, o Senhor Gadāgraja interceptou a mesma com a Sua e a quebrou em milhares de pedaços. Mura, então, levantou os braços e precipitou-se contra o invencível Senhor, que, com muita facilidade, retalhou suas cabeças com Sua arma disco.
VERSO 11: Sem vida, o corpo decapitado de Mura caiu na água tal qual uma montanha cujo pico foi cortado pelo poder do relâmpago do senhor Indra. Os sete filhos do demônio, enfurecidos com a morte de seu pai, prepararam-se para a retaliação.
VERSO 12: Por ordem de Bhaumāsura, os sete filhos de Mura – Tāmra, Antarikṣa, Śravaṇa, Vibhāvasu, Vasu, Nabhasvān e Aruṇa –, levando suas armas, seguiram o general deles, Pīṭha, até o campo de batalha.
VERSO 13: Estes ferozes guerreiros atacaram iradamente o invencível Senhor Kṛṣṇa com flechas, espadas, maças, arpões, lanças e tridentes, mas o Senhor Supremo, com valentia infalível e usando Suas flechas, cortou essa montanha de armas em pedaços minúsculos.
VERSO 14: O Senhor decepou a cabeça, coxas, braços, pernas e armadura daqueles adversários liderados por Pīṭha e enviou-os todos para a morada de Yamarāja. Narakāsura, o filho da Terra, não pôde conter sua fúria ao ver o destino de seus líderes militares. Dessa maneira, ele saiu da cidadela com elefantes nascidos do oceano de leite e que, devido à excitação, exsudavam mada de suas testas.
VERSO 15: O Senhor Kṛṣṇa e Sua esposa, montados em Garuḍa, pareciam uma nuvem com relâmpago situada acima do Sol. Vendo o Senhor, Bhauma arremessou sua arma Śataghnī contra Ele, ao mesmo tempo em que todos os soldados de Bhauma atacavam-nO com suas armas.
VERSO 16: Naquele momento, o Senhor Gadāgraja atirou Suas afiadas flechas contra o exército de Bhaumāsura. Essas flechas, decoradas com diversos tipos de penas, logo reduziram aquele exército a uma massa de corpos destituídos de braços, coxas e pescoço. O Senhor matou de modo semelhante os cavalos e elefantes oponentes.
VERSOS 17-19: O Senhor Hari, então, derrubou todos os mísseis e armas que os soldados inimigos atiravam nEle, ó herói dos Kurus, destruindo cada uma com três flechas afiadas. Nesse ínterim, Garuḍa, enquanto transportava o Senhor, golpeava os elefantes do inimigo com suas asas. Fustigados pelas asas, bico e garras de Garuḍa, os elefantes fugiram de volta para a cidade, deixando Narakāsura sozinho no campo de batalha para enfrentar Kṛṣṇa.
VERSO 20: Vendo seu exército repelido e atormentado por Garuḍa, Bhauma atacou-o com sua lança, que certa vez derrotara o raio do senhor Indra. Todavia, embora atingido por aquela arma poderosa, Garuḍa não se abalou. De fato, ele reagiu como um elefante atingido por uma guirlanda de flores.
VERSO 21: Bhauma, frustrado em todas as suas tentativas, brandiu seu tridente com o intuito de matar o Senhor Kṛṣṇa. Contudo, antes que o demônio pudesse arremessá-lo de cima de seu elefante, o Senhor decepou a cabeça do demônio com Seu cakra afiado.
VERSO 22: Caída no chão, a cabeça de Bhaumāsura brilhava esplendidamente, estando decorada com brincos e um atraente elmo. Enquanto ressoavam gritos de “Oh! Oh!” e “Excelente!”, os sábios e principais dos semideuses adoravam o Senhor Mukunda lançando sobre Ele chuvas de guirlandas de flores.
VERSO 23: A deusa da Terra, então, aproximou-se do Senhor Kṛṣṇa e presenteou-O com os brincos de Aditi, que eram feitos de ouro reluzente incrustado de pedras preciosas brilhantes. Ela também Lhe deu uma guirlanda de flores Vaijayantī, o guarda-sol de Varuṇa e o pico da montanha Mandara.
VERSO 24: Ó rei, depois de prostrar-se diante dEle e, então, ficar de pé com as mãos postas, a deusa, com sua mente plena de devoção, colocou-se a louvar o Senhor do universo, a quem os melhores dos semideuses oferecem orações.
VERSO 25: A deusa Bhūmi disse: Reverências a Vós, ó Senhor dos principais semideuses, ó portador do búzio, disco e maça. Ó Alma Suprema dentro do coração, assumis Vossas várias formas para satisfazer os desejos de Vossos devotos. Reverências a Vós.
VERSO 26: Minhas respeitosas reverências a Vós, ó Senhor, cujo abdômen é marcado por uma depressão semelhante a uma flor de lótus, que estais sempre enfeitado com guirlandas de flores de lótus, cujo olhar é tão refrescante quanto o lótus e cujos pés estão gravados com marcas de lótus.
VERSO 27: Reverências a Vós, o Supremo Senhor Vāsudeva, Viṣṇu, a pessoa primordial, a semente original. Reverências a Vós, o onisciente.
VERSO 28: Reverências a Vós, o não nascido progenitor deste universo, o Absoluto, possuidor de energias ilimitadas. Ó Alma dos seres superiores e inferiores, ó Alma dos elementos criados, ó onipenetrante Alma Suprema, reverências a Vós.
VERSO 29: Desejando criar, ó senhor não nascido, aumentais e depois assumis o modo da paixão. Fazeis o mesmo com o modo da ignorância quando desejais aniquilar o universo, e com o modo da bondade quando desejais mantê-lo. Entretanto, permaneceis descoberto por esses modos. Sois o tempo, o pradhāna e o puruṣa, ó Senhor do universo, mas, ainda assim, sois separado e distinto.
VERSO 30: Pensar que terra, água, fogo, ar, éter, objetos dos sentidos, semideuses, mente, os sentidos, o falso ego e a energia material total existam independentemente de Vós não passa de ilusão. De fato, eles estão todos dentro de Vós, meu Senhor, que sois único e inigualável.
VERSO 31: Eis aqui o filho de Bhaumāsura. Assustado, ele está aproximando-se de Vossos pés de lótus, pois afastais a aflição daqueles que buscam refúgio em Vós. Por favor, protegei-o. Colocai Vossa mão de lótus, que dissipa todos os pecados, sobre a cabeça dele.
VERSO 32: Śukadeva Gosvāmī disse: Solicitado assim pela deusa Bhūmi com palavras plenas de humilde devoção, o Senhor Supremo concedeu destemor a seu neto e, então, entrou no palácio de Bhaumāsura, que estava repleto de toda espécie de riqueza.
VERSO 33: Ali, o Senhor Kṛṣṇa viu dezesseis mil donzelas reais, que Bhauma arrebatara à força de vários reis.
VERSO 34: As mulheres ficaram encantadas ao verem entrar aquele excelentíssimo varão. Em suas mentes, cada uma delas aceitou Kṛṣṇa, que fora levado ali pelo destino, como seu marido escolhido.
VERSO 35: Enquanto pensavam: “Que a providência conceda que este homem se torne meu marido”, cada uma das princesas absorveu seu coração em contemplar Kṛṣṇa.
VERSO 36: O Senhor mandou vestir as princesas com trajes limpos e imaculados e, então, enviou-as em palanquins para Dvārakā, junto de grandes tesouros, tais como quadrigas, cavalos e outros artigos de valor.
VERSO 37: O Senhor Kṛṣṇa também despachou sessenta e quatro velozes elefantes brancos, descendentes de Airāvata, que ostentavam quatro presas cada um.
VERSOS 38-39: O Senhor, depois disso, foi para a morada de Indra, o rei dos semideuses, e deu a mãe Aditi seus brincos. Ali, Indra e sua esposa adoraram Kṛṣṇa e Sua amada consorte Satyabhāmā. Então, a pedido de Satyabhāmā, o Senhor arrancou a árvore pārijāta celestial e colocou-a no dorso de Garuḍa. Após derrotar Indra e todos os outros semideuses, Kṛṣṇa levou a árvore pārijāta para Sua capital.
VERSO 40: Uma vez plantada, a árvore pārijāta embelezou o jardim do palácio da rainha Satyabhāmā. Abelhas seguiram a árvore todo o caminho desde os céus, ávidas por sua fragrância e doce seiva.
VERSO 41: Mesmo depois que Indra se prostrou diante do Senhor Acyuta, tocou-Lhe os pés com a ponta de sua coroa e suplicou ao Senhor que satisfizesse seu desejo, aquele insigne semideus, tendo alcançado seu propósito, decidiu lutar contra o Senhor Supremo. Que ignorância paira entre os deuses! Para o inferno a sua opulência!
VERSO 42: Então, a imperecível Personalidade Suprema, assumindo uma forma distinta para cada noiva, casou-Se devidamente com todas as princesas ao mesmo tempo, cada uma em seu próprio palácio.
VERSO 43: O Senhor, realizador de feitos inconcebíveis, permanecia constantemente nos palácios de cada uma de Suas rainhas, os quais não eram igualados nem superados por nenhuma outra residência. Ali, embora plenamente satisfeito em Si mesmo, Ele desfrutava com Suas agradáveis esposas e, tal qual um marido comum, cumpria Seus deveres domésticos.
VERSO 44: Dessa maneira, aquelas mulheres obtiveram como esposo o amo da deusa da fortuna, embora nem mesmo eminentes semideuses como Brahmā saibam como aproximar-se dEle. Com prazer sempre crescente, elas experimentavam atração amorosa por Ele, trocavam olhares sorridentes com Ele e reciprocavam com Ele em intimidade sempre renovada, cheia de gracejos e timidez feminina.
VERSO 45: Embora tivessem cada uma centenas de criadas, as rainhas do Senhor Supremo preferiam servi-lO pessoalmente aproximando-se dEle com humildade, oferecendo-Lhe um assento, adorando-O com excelente parafernália, banhando e massageando-Lhe os pés, dando-Lhe pān para mascar, abanando-O, ungindo-O com pasta de sândalo aromático, adornando-O com guirlandas de flores, penteando-Lhe o cabelo, preparando Sua cama, banhando-O e ofertando-Lhe vários presentes.