CAPÍTULO VINTE E SEIS
Descrição dos Planetas Infernais
O vigésimo sexto capítulo descreve como os homens pecaminosos vão aos diferentes infernos, onde os assistentes de Yamarāja lhes aplica diversos tipos de punições. Como se afirma na Bhagavad-gītā (3.27):
prakṛteḥ kriyamāṇāni
guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ
ahaṅkāra-vimūḍhātmā
kartāham iti manyate
“Confusa, a alma espiritual que está sob a influência do falso ego julga-se a autora das atividades que, de fato, são executadas pelos três modos da natureza material.” Os tolos pensam que independem de qualquer lei. Julgam que não há Deus ou princípio regulador e podem fazer o que bem quiserem. Assim, eles se entregam a diversas atividades pecaminosas e, como resultado, submetem-se vida após vida a diversas condições infernais e são punidos pelas leis da natureza. O princípio básico desse sofrimento é que sua ignorância os faz pensarem que são independentes, embora estejam sob o controle estrito das leis da natureza material. Essas leis agem devido à influência dos três modos da natureza, de modo que todo ser humano também age sob três diferentes espécies de influência. De acordo com Sua ação, sofre diferentes reações em sua vida seguinte ou mesmo na vida atual. As pessoas religiosas não agem como os ateus, daí sofrerem outras reações.
Śukadeva Gosvāmī descreve vinte e oito infernos, que são os seguintes: Tāmisra, Andhatāmisra, Raurava, Mahāraurava, Kumbhīpāka, Kālasūtra, Asi-patravana, Sūkaramukha, Andhakūpa, Kṛmibhojana, Sandaṁśa, Taptasūrmi, Vajrakaṇṭaka-śālmalī, Vaitaraṇī, Pūyoda, Prāṇarodha, Viśasana, Lālābhakṣa, Sārameyādana, Avīci, Ayaḥpāna, Kṣārakardama, Rakṣogaṇa-bhojana, Śūlaprota, Dandaśūka, Avaṭa-nirodhana, Paryāvartana e Sūcīmukha.
Aquele que rouba o dinheiro, a esposa ou as posses alheias é posto no inferno conhecido como Tāmisra. O homem que trapaceia outrem e desfruta da esposa desse é posto em condições extremamente infernais conhecidas como Andhatāmisra. Pessoas tolas, absortas no conceito de vida corpórea, e que, baseadas nesse princípio, cometem violência contra outras entidades vivas para se manterem ou manterem suas esposas e filhos, são postas no inferno conhecido como Raurava, onde os animais que elas mataram nascem como criaturas chamadas rurus e lhes causam muito sofrimento. Aqueles que matam diversos animais e pássaros e depois os cozinham são pegos pelos agentes de Yamarāja e lançados no inferno conhecido como Kumbhīpāka, onde são fervidos no óleo. Alguém que mata um brāhmaṇa vai para o inferno conhecido como Kālasūtra, onde a terra, perfeitamente plana e feita de cobre, é tão quente como uma fornalha. Esse assassino de um brāhmaṇa fica durante anos e anos sendo consumido pelo calor dessa terra. A pessoa que não segue os preceitos das escrituras, senão que faz tudo caprichosamente ou segue algum patife é posta no inferno conhecido como Asi-patravana. O funcionário governamental que não sabe fazer valer a justiça ou que pune um homem inocente é levado pelos assistentes de Yamarāja ao inferno conhecido como Sūkaramukha, onde é açoitado sem dó nem piedade.
Deus conferiu ao ser humano consciência avançada. Portanto, ele pode sentir o sofrimento e a felicidade dos outros seres vivos. Mas o ser humano desprovido de sua consciência tem a tendência de causar sofrimento aos outros seres vivos. Os assistentes de Yamarāja põem tal pessoa no inferno conhecido como Andhakūpa, onde suas vítimas lhe dão o castigo merecido. Qualquer pessoa que não receba ou alimente um convidado de maneira adequada, mas que, por sua parte, desfruta de comida, é posta no inferno conhecido como Kṛmibhojana, onde um número ilimitado de vermes e insetos picam-na continuamente.
Ladrões são postos no inferno conhecido como Sandaṁśa. Alguém que tenha relações sexuais com uma mulher que não deve ser desfrutada é posto no inferno conhecido como Taptasūrmi. Aquele que faz sexo com animais é posto no inferno conhecido como Vajrakaṇṭaka-śālmalī. Alguém que nasce em família aristocrática ou em família de bom nível social, mas que não age de acordo com o seu padrão, é posto numa poça infernal de sangue, pus e urina chamada rio Vaitaraṇī. Aquele que vive como um animal é posto no inferno chamado Pūyoda. Aquele que, sem misericórdia, mata desautorizadamente animais na floresta é posto no inferno chamado Prāṇarodha. Aquele que, em nome de sacrifício religioso, mata animais, é posto no inferno chamado Viśasana. O homem que força sua esposa a beber seu sêmen é posto no inferno chamado Lālābhakṣa. Aquele que ateia fogo ou ministra veneno para matar alguém é posto no inferno conhecido como Sārameyādana. Quem ganha a vida prestando falso testemunho é posto no inferno conhecido como Avīci.
Quem é entregue ao vício de beber vinho é posto no inferno chamado Ayaḥpāna. Aquele que viola a etiqueta e não presta o devido respeito aos superiores é posto no inferno conhecido como Kṣārakardama. Aquele que sacrifica seres humanos a Bhairava é posto no inferno chamado Rakṣogaṇa-bhojana. O matador de animais de estimação é posto no inferno chamado Śūlaprota. Aquele que causa problemas aos outros é posto no inferno conhecido como Dandaśūka. Quem aprisiona uma entidade viva dentro de uma caverna é posto no inferno conhecido como Avaṭa-nirodhana. A pessoa que demonstra injustificável ira contra alguém que é convidado à sua casa é posto no inferno chamado Paryāvartana. Quem é louco por riquezas e assim fica profundamente absorto em pensar em como acumular dinheiro é posto no inferno conhecido como Sūcīmukha.
Após descrever os planetas infernais, Śukadeva Gosvāmī descreve como as pessoas piedosas se promovem ao mais elevado sistema planetário, onde vivem os semideuses, e como elas voltam a esta Terra após se esgotarem os resultados de suas atividades piedosas. Finalmente, ele descreve a forma universal do Senhor e glorifica as atividades do Senhor.
VERSO 1: O rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Meu querido senhor, por que as entidades vivas são postas em diferentes situações materiais? Por favor, explica-me isso.
VERSO 2: O grande sábio Śukadeva Gosvāmī disse: Meu querido rei, existem três espécies de atividades neste mundo material – aquelas no modo da bondade, no modo da paixão e no modo da ignorância. Visto que todas as pessoas estão influenciadas pelos três modos da natureza material, também se dividem em três os resultados de suas atividades. Aquele que age no modo da bondade é religioso e feliz, quem age em paixão obtém uma mistura de sofrimento e felicidade, e aquele que age sob a influência da ignorância sempre está infeliz e vive como um animal. Devido aos vários graus em que as entidades vivas são influenciadas pelos diversos modos da natureza, seus destinos também variam.
VERSO 3: Assim como, ao executar várias atividades piedosas, alguém alcança diversas condições de vida celestial, quem age impiedosamente alcança diversas condições de vida infernal. Aqueles que são impelidos pelo modo material da ignorância se ocupam em atividades impiedosas, e, de acordo com a extensão de sua ignorância, são postos em diferentes graus de vida infernal. Se alguém, devido à loucura, age no modo da ignorância, o castigo que recebe é o menos severo. Aquele que age impiedosamente, mas conhece a distinção entre atividades piedosas e impiedosas é posto em um inferno onde passa por sofrimento intermediário. E se reserva o pior dos infernos àquele que, devido ao ateísmo, age de maneira ímpia e ignorante. Devido à ignorância, toda entidade viva, desde tempos imemoriais, é carregada por vários desejos a milhares de diversos planetas infernais. Tentarei descrevê-los tanto quanto possível.
VERSO 4: O rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Meu querido senhor, as regiões infernais estão situadas fora do universo, dentro da cobertura do universo ou em diferentes lugares deste planeta?
VERSO 5: O grande sábio Śukadeva Gosvāmī respondeu: Todos os planetas infernais estão situados no espaço intermediário que fica entre os três mundos e o Oceano Garbhodaka. Eles se localizam no lado sul do universo, abaixo de Bhū-maṇḍala, e levemente acima da água do Oceano Garbhodaka. Pitṛloka também está localizado nessa região que fica entre o Oceano Garbhodaka e os sistemas planetários inferiores. Em grande samādhi, todos os habitantes de Pitṛloka, encabeçados por Agniṣvāttā, meditam na Suprema Personalidade de Deus e sempre desejam o bem de suas famílias.
VERSO 6: O rei dos pitās é Yamarāja, o poderosíssimo filho do deus do Sol. Juntamente com seus assistentes pessoais, ele reside em Pitṛloka e, ao mesmo tempo em que segue as regras e regulações estabelecidas pelo Senhor Supremo, faz com que seus agentes, os Yamadūtas, tragam-lhe todos os homens pecaminosos imediatamente após a morte. Colocados no domínio de sua jurisdição, ele os julga imparcialmente, tomando como base as atividades pecaminosas por eles cometidas e, em seguida, envia-os a um dos vários planetas infernais para que recebam o castigo merecido.
VERSO 7: Algumas autoridades dizem que há um total de vinte e um planetas infernais, e, segundo outras, existem vinte e oito. Meu querido rei, farei um esboço de todos eles, tomando como referência seus nomes, formas e características. São os seguintes os nomes dos diferentes infernos: Tāmisra, Andhatāmisra, Raurava, Mahāraurava, Kumbhīpāka, Kālasūtra, Asipatravana, Sūkaramukha, Andhakūpa, Kṛmibhojana, Sandaṁśa, Taptasūrmi, Vajrakaṇṭaka-śālmalī, Vaitaraṇī, Pūyoda, Prāṇarodha, Viśasana, Lālābhakṣa, Sārameyādana, Avīci, Ayaḥpāna, Kṣārakardama, Rakṣogaṇa-bhojana, Śūlaprota, Dandaśūka, Avaṭa-nirodhana, Paryāvartana e Sūcīmukha. Todos esses planetas se destinam a punir as entidades vivas.
VERSO 8: Meu querido rei, alguém que se apropria da esposa, filhos ou dinheiro que pertencem legitimamente a outrem, é aprisionado na hora da morte pelos ferozes Yamadūtas, que o amarram com a corda do tempo e, à força, o atiram no planeta infernal conhecido como Tāmisra. Nesse mesmo planeta, que é escuro como breu, o homem pecaminoso é castigado pelos Yamadūtas, que o açoitam e repreendem. Ele passa fome, e ninguém lhe dá água para beber. Assim, os irados assistentes de Yamarāja lhe causam severos sofrimentos, e, algumas vezes, ele desmaia devido à punição.
VERSO 9: O destino reservado à pessoa que, dissimuladamente, engana outro homem e desfruta da esposa e filhos deste é o inferno conhecido como Andhatāmisra. Ali, sua condição é exatamente como a de uma árvore ao ser cortada pelas raízes. Mesmo antes de alcançar Andhatāmisra, o ser vivo pecaminoso é submetido a muitas dores extremas. Essas aflições são tão severas que ele perde sua inteligência e percepção. É por esse motivo que os sábios eruditos chamam esse inferno de Andhatāmisra.
VERSO 10: Há os que aceitam seu corpo como o eu e, dia e noite, trabalham muito arduamente em busca de dinheiro para manter seus próprios corpos e os corpos de suas esposas e filhos. Enquanto trabalham para se manterem e manterem suas famílias, acontece de cometerem violência contra outras entidades vivas. Tais pessoas são forçadas a abandonar seus corpos e suas famílias na hora da morte, quando, então, sofrendo a reação de sua inveja a outras criaturas, são atiradas no inferno chamado Raurava.
VERSO 11: Nesta vida, a pessoa invejosa comete atos violentos contra muitas entidades vivas. Portanto, após sua morte, ao ser levada ao inferno por Yamarāja, aquelas entidades vivas que foram maltratadas por ela aparecem como animais chamados rurus para lhe infligir severos tormentos. Os sábios eruditos chamam esse inferno de Raurava. Difícil de se ver neste mundo, o ruru é mais invejoso do que uma serpente.
VERSO 12: Aquele que mantém seu próprio corpo às custas de maltratar os outros é obrigatoriamente punido no inferno chamado Mahāraurava. Nesse inferno, os animais ruru conhecidos como kravyādas atormentam-no e comem sua carne.
VERSO 13: Para a manutenção de seu corpo e satisfação de sua língua, pessoas cruéis cozinham vivos os pobres animais e aves. Tais pessoas são condenadas até mesmo pelos canibais. Em suas próximas vidas, são carregadas pelos Yamadūtas ao inferno conhecido como Kumbhīpāka, onde são cozidas em óleo fervente.
VERSO 14: O assassino de um brāhmaṇa é posto no inferno conhecido como Kālasūtra, que tem uma circunferência de cento e vinte e oito mil quilômetros e é feito inteiramente de cobre. Aquecida debaixo pelo calor do fogo e por cima pelo Sol escaldante, a superfície de cobre desse planeta é extremamente quente. Assim, o fogo consome tanto interna quanto externamente o assassino de um brāhmaṇa. Internamente, ele queima de fome e sede, e externamente queima com o calor escaldante do Sol e do fogo que fica embaixo da superfície de cobre. Assim, ora ele se deita, ora se senta, ora se levanta, ora corre de um lado para outro. Ele deve passar por esse sofrimento por um período de milhares de anos equivalente ao número dos pelos existentes no corpo de um animal.
VERSO 15: Se alguém, sem justificativa premente, desvia-se do caminho dos Vedas, os servos de Yamarāja o colocam no inferno conhecido como Asi-patravana, onde o golpeiam com chicotes. Ao correr de um lado para outro, fugindo da dor extrema, por todos os lados ele esbarra em palmeiras de folhas que lembram espadas afiadas. Assim, com o corpo todo em chagas e desmaiando a cada passo, ele grita: “Oh! O que faço agora? Como me salvarei?” É esse o sofrimento aplicado àquele que se desvia dos princípios religiosos aceitos.
VERSO 16: Em sua próxima vida, um rei ou um representante governamental pecaminoso que pune uma pessoa inocente, ou que inflige punição corpórea a um brāhmaṇa, é levado pelos Yamadūtas ao inferno conhecido como Sūkaramukha, onde os poderosíssimos assistentes de Yamarāja o esmagam, exatamente como se esmaga cana-de-açúcar para extrair o suco. A entidade viva pecaminosa emite um grito muito tocante e desmaia, assim como um homem inocente que sofre punições. Esse é o resultado de se punir uma pessoa honesta.
VERSO 17: Pelos desígnios do Senhor Supremo, os seres vivos de grau inferior, tais como os percevejos e os mosquitos, sugam o sangue de seres humanos e outros animais. Essas criaturas insignificantes não sabem que suas picadas incomodam o ser humano. Contudo, os seres humanos de primeira classe – os brāhmaṇas, os kṣatriyas e os vaiśyas – têm consciência desenvolvida e, portanto, sabem quão doloroso é ser morto. O ser humano dotado de conhecimento na certa comete pecado caso mate ou atormente criaturas insignificantes, que não têm a faculdade de discriminar. O Senhor Supremo pune tal homem colocando-o no inferno conhecido como Andhakūpa, onde é atacado por todos os pássaros e feras, répteis, mosquitos, piolhos, vermes, moscas e quaisquer outras criaturas que ele tenha atormentado durante sua vida. Eles o atacam de todas as direções, tirando-lhe o prazer de dormir. Incapaz de descansar, ele constantemente fica vagando pela escuridão. Assim, em Andhakūpa, seu sofrimento é idêntico ao de uma criatura das espécies inferiores.
VERSO 18: Deve ser considerado no mesmo nível de um corvo aquele que, após receber algum alimento, não o reparte entre os convidados, os anciãos e as crianças, senão que simplesmente come tudo sozinho, ou come sem executar as cinco classes de sacrifícios. Após a morte, ele é posto no inferno mais abominável, conhecido como Kṛmibhojana. Nesse inferno, há um lago de 100.000 yojanas [1.280.000 quilômetros] de largura, que fica repleto de vermes. Nesse lago, ele se torna um verme e se alimenta de outros vermes ali existentes, que também se alimentam dele. A menos que, antes de morrer, tenha expiado suas ações, semelhante homem pecaminoso permanece no lago infernal de Kṛmibhojana por tantos anos quantos yojanas de largura tem o lago.
VERSO 19: Meu querido rei, se alguém, sem justificativa premente, rouba um brāhmaṇa – ou, para dizer a verdade, rouba quem quer que seja – levando-lhe as joias e o ouro, é posto no inferno conhecido como Sandaṁśa, onde sua pele é rasgada e arrancada por bolas e espátulas incandescentes, feitas de ferro. Dessa maneira, todo o seu corpo é despedaçado.
VERSO 20: O homem ou a mulher que tenha relação sexual com parceiro desonroso do sexo oposto é punido após a morte pelos assistentes de Yamarāja no inferno conhecido como Taptasūrmi. Ali, semelhantes homens e mulheres são fustigados por chicotes. O homem é forçado a abraçar uma incandescente efígie de ferro, a qual tem a forma de uma mulher, e a mulher é forçada a abraçar uma efígie semelhante, em forma de homem. Essa é a punição reservada a quem faz sexo ilícito.
VERSO 21: Aquele que, praticando sexo indiscriminadamente, não poupa sequer os animais, é levado, após a morte, ao inferno conhecido como Vajrakaṇṭaka-śālmalī. Nesse inferno, existe uma árvore de seda e algodão cheia de espinhos tão fortes como raios. Os agentes de Yamarāja penduram o homem pecaminoso nessa árvore e o puxam para baixo com bastante força, de modo que os espinhos rasguem severamente o seu corpo.
VERSO 22: Aquele que nasce em família responsável – tal como um kṣatriya, um membro da realeza ou um servidor do governo –, mas que negligencia executar os deveres que lhe são prescritos de acordo com os princípios religiosos, tornando-se, então, degradado, cai, na hora da morte, no rio infernal conhecido como Vaitaraṇī. Esse rio, que é um inferno sob a forma de fosso, está sempre cheio de animais aquáticos ferozes. Quando um homem pecaminoso é atirado no rio Vaitaraṇī, os seus animais aquáticos imediatamente começam a devorá-lo, mas, porque levou uma vida extremamente pecaminosa, ele não consegue abandonar o corpo. Lembrando-se constantemente de suas atividades pecaminosas, ele sofre terrivelmente nesse rio, o qual é repleto de excremento, urina, pus, sangue, pelos, unhas, ossos, tutano, carne e gordura.
VERSO 23: Os desavergonhados esposos de mulheres śūdras, as quais são de nascimento inferior, vivem exatamente como animais, de modo que não têm bom comportamento, limpeza ou vida regulada. Após a morte, tais pessoas são atiradas no inferno chamado Pūyoda, onde são postas em um oceano cheio de pus, excremento, urina, muco, saliva e similares. Os śūdras que não foram capazes de se aprimorarem, caem nesse oceano e são forçados a comer essas substâncias detestáveis.
VERSO 24: Se, nesta vida, um homem das classes superiores [brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya] é muito afeiçoado a levar à floresta seus cães, mulas ou asnos de estimação para caçar e matar animais desnecessariamente, ele é posto no inferno conhecido como Prāṇarodha após a morte, onde os assistentes de Yamarāja usam-no como alvo e perfuram-no com flechas.
VERSO 25: Alguém que nesta vida se orgulha de sua destacada posição, e que despreocupadamente sacrifica animais simplesmente para obter prestígio material, é posto após a morte no inferno chamado Viśasana, onde os assistentes de Yamarāja, depois de lhe causarem dores excruciantes, tiram-lhe a vida.
VERSO 26: Se um membro tolo das classes dos duas vezes nascidos [brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya] força sua esposa a beber seu sêmen devido a um desejo luxurioso de mantê-la sob seu controle, ele é posto no inferno conhecido como Lālābhakṣa após a morte, onde, atirado em um rio de sêmen difluente, é forçado a bebê-lo.
VERSO 27: Neste mundo, alguns são saqueadores profissionais que ateiam fogo às casas alheias ou envenenam os outros. Também, os membros da realeza ou os funcionários do governo, às vezes, saqueiam os mercadores, forçando-os a pagar impostos ou se valendo de outros métodos. Após a morte, tais demônios são postos no inferno conhecido como Sārameyādana. Nesse planeta, há 720 cães cujos dentes são tão fortes como raios. Sob as ordens dos agentes de Yamarāja, esses cães comem vorazmente tais pessoas pecaminosas.
VERSO 28: Aquele que, nesta vida, presta falso testemunho ou mente enquanto realiza negócios ou faz caridade, é severamente punido após a morte pelos agentes de Yamarāja. Tal homem pecaminoso é levado ao topo de uma montanha de mil duzentos e oitenta quilômetros de altura e, de ponta-cabeça, é atirado no inferno conhecido como Avīcimat. Nesse inferno, não há rede de proteção e ele é constituído de pedra compacta semelhante a ondas de água. Ali, entretanto, não existe água, daí se chamar Avīcimat [sem água]. Muito embora o homem pecaminoso seja repetidas vezes atirado da montanha e seu corpo fique muito despedaçado, ele não morre, senão que continua sofrendo o mesmo castigo.
VERSO 29: Qualquer brāhmaṇa ou esposa de brāhmaṇa que consuma bebida alcoólica é levado pelos agentes de Yamarāja ao inferno conhecido como Ayaḥpāna. Esse inferno também está à espera de qualquer kṣatriya, vaiśya ou pessoa sob um voto que se ilude e bebe soma-rasa. Em Ayaḥpāna, os agentes de Yamarāja sobem em seus peitos e derramam ferro fundido quente dentro de sua boca.
VERSO 30: Uma pessoa abominável e de nascimento baixo, que nesta vida se torna cheia de falso orgulho, pensando “eu sou grande”, e que assim deixa de apresentar o devido respeito a alguém que, por nascimento, austeridade, educação, comportamento, casta ou ordem espiritual, está em uma situação mais elevada, é como um cadáver mesmo nesta vida e, após a morte, é atirada de ponta-cabeça no inferno conhecido como Kṣārakardama. Ali, essa pessoa tem que sofrer muitas tribulações nas mãos dos agentes de Yamarāja.
VERSO 31: Neste mundo, há homens e mulheres que sacrificam seres humanos a Bhairava ou Bhadra Kālī e, então, comem a carne de suas vítimas. Aqueles que executam tais sacrifícios são levados após a morte à morada de Yamarāja, onde suas vítimas, tendo assumido a forma de Rākṣasas, retalham-nos com espadas afiadas. Assim como, neste mundo, os canibais beberam o sangue de suas vítimas, dançando e cantando em júbilo, suas vítimas agora se deliciam bebendo o sangue dos sacrificadores e celebram da mesma maneira.
VERSO 32: Nesta vida, algumas pessoas abrigam animais e pássaros que, nas vilas ou florestas, buscam a proteção delas, e, após fazê-los acreditar que serão protegidos, tais pessoas os trespassam com lanças ou os enlaçam e os fazem de brinquedos, causando-lhes muita dor. Após a morte, tais pessoas são levadas pelos assistentes de Yamarāja ao inferno conhecido como Śūlaprota, onde seus corpos são trespassados por afiadas lanças, semelhantes a agulhas. Elas sofrem de fome e sede, e pássaros de bico pontiagudo, tais como abutres e garças, atacam-nas de todas as direções para picar seus corpos. Sofrendo essa tortura, elas podem, então, lembrar-se das atividades pecaminosas que cometeram no passado.
VERSO 33: Aqueles que, nesta vida, parecem serpentes invejosas, vivendo sempre irados e causando dor a outras entidades vivas, caem, após a morte, no inferno conhecido como Dandaśūka. Nesse inferno, meu querido rei, existem serpentes com cinco ou sete capelos, as quais devoram essas pessoas pecaminosas assim como cobras devoram ratos.
VERSO 34: Aqueles que, nesta vida, confinam outras entidades vivas em poços escuros, celeiros ou cavernas são postos no inferno conhecido como Avaṭa-nirodhana após a morte. Ali, são atirados em poços escuros, onde fumaça e gases venenosos os sufocam, fazendo-os sofrer muito severamente.
VERSO 35: Um chefe de família que recebe convidados ou visitantes com olhares cruéis, como se fosse reduzi-los a cinzas, é posto no inferno conhecido como Paryāvartana, onde é fitado pelos olhares dardejantes de abutres, garças, corvos e pássaros similares, que realizam uma súbita arremetida e arrancam-lhe os olhos muito impetuosamente.
VERSO 36: Aquele que, neste mundo ou nesta vida, tem muito orgulho de sua riqueza, costuma pensar: “Eu sou tão rico! Quem pode igualar-se a mim?” Sua visão é distorcida, e ele está sempre com medo de que alguém o prive de sua riqueza. Na verdade, ele suspeita inclusive de seus superiores. Seu rosto e seu coração se abadem diante do mero pensamento de perder sua riqueza, e, em razão disso, ele sempre parece um demônio desprezível. Ele, de modo algum, consegue obter verdadeira felicidade, e não tem conhecimento de como se vive sem ansiedade. Devido aos pecados que comete para conseguir dinheiro, aumentar sua riqueza e protegê-la, ele é posto no inferno chamado Sūcīmukha, onde os agentes de Yamarāja o punem costurando todo o seu corpo assim como fazem os tecelões que fabricam roupas.
VERSO 37: Meu querido rei Parīkṣit, existem centenas e milhares de planetas infernais na província de Yamarāja. As pessoas ímpias que mencionei – e também aquelas que não mencionei – têm todas de entrar nesses vários planetas, de acordo com o grau de sua impiedade. Aqueles que são piedosos, contudo, entram em outros sistemas planetários, a saber, os planetas dos semideuses. Todavia, após se esgotarem os resultados de suas atividades piedosas ou ímpias, tanto os piedosos quanto os ímpios voltam à Terra.
VERSO 38: No início [no segundo canto e terceiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam], já descrevi como a pessoa pode progredir no caminho da liberação. Nos Purāṇas, a vasta existência universal, que é como um ovo dividido em quatorze partes, é descrita. Essa vasta forma é considerada o corpo externo do Senhor, criada por Sua energia e qualidades. Em geral, ela é chamada virāṭ-rūpa. Caso alguém leia com muita fé a descrição dessa forma externa do Senhor, ou caso ouça sobre ela ou caso a explique a outros para propagar o bhāgavata-dharma, ou a consciência de Kṛṣṇa, sua fé e devoção em consciência espiritual, sua consciência de Kṛṣṇa, aumentarão gradualmente. Embora seja muito difícil alguém desenvolver essa consciência, a pessoa pode se purificar através desse processo e, aos poucos, cientificar-se da Suprema Verdade Absoluta.
VERSO 39: Aquele que está interessado em liberação, que aceita o caminho da liberação e não se sente atraído pelo caminho da vida condicionada, chama-se yati, ou devoto. Tal pessoa deve primeiramente controlar sua mente pensando no virāṭ-rūpa, a gigantesca forma universal do Senhor, após o que deve pensar aos poucos na forma espiritual de Kṛṣṇa [sac-cid-ānanda-vigraha], depois de ouvir sobre ambas as formas. Assim, sua mente se fixará em samādhi. Através do serviço devocional, ela poderá, então, compreender a forma espiritual do Senhor, que é o destino dos devotos. Sua vida se tornará exitosa dessa maneira.
VERSO 40: Meu querido rei, acabo de te descrever este planeta Terra, outros sistemas planetários e suas regiões [varṣas], rios e montanhas. Também descrevi o céu, os oceanos, os sistemas planetários inferiores, as direções, os sistemas planetários infernais e as estrelas. Eles constituem o virāṭ-rūpa, a gigantesca forma material do Senhor, na qual todas as entidades vivas repousam. Assim, expliquei a maravilhosa expansão do corpo externo do Senhor.