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Capítulo Um

A História de Ajāmila

Ao longo do Śrīmad-Bhāgavatam, descrevem-se dez temas, incluin­do a criação, a criação subsequente e os sistemas planetários. No terceiro, quarto e quinto cantos, Śukadeva Gosvāmī, o orador do Śrīmad-Bhāgavatam, já descreveu a criação, a criação subsequente e os sistemas planetários. Agora, neste sexto canto, que possui dezenove capítulos, ele descreverá poṣaṇa, ou a proteção dada pelo Senhor.

O primeiro capítulo relata a história de Ajāmila, que, embora considerado um homem muito pecaminoso, foi liberto quando quatro mensageiros de Viṣṇu vieram resgatá-lo das mãos dos mensageiros de Yamarāja. Neste capítulo, apresenta-se uma descrição completa de como ele foi liberto, conseguindo, então, eximir-se das reações de sua vida pecaminosa. As atividades pecaminosas são dolorosas, tanto nesta vida quanto na próxima. É importante nos conscientizarmos de que a causa de todo o sofrimento é a ação pecaminosa. Quem trilha o caminho das atividades fruitivas decerto comete atividades pecaminosas, e, por­tanto, de acordo com as orientações karma-kāṇḍa, recomendam-se vários processos de expiação. Entretanto, semelhantes métodos ex­piatórios não tiram ninguém da ignorância, que é a raiz da vida pecaminosa. Por conseguinte, mesmo após se submeterem à expiação, todos têm a tendência a cometer atividades pecaminosas, o que dificulta obter a purificação. Quem segue o caminho do conheci­mento especulativo liberta-se da vida pecaminosa, compreendendo as coisas como elas são. Portanto, a aquisição de conhecimento especulativo também é considerada um método expiatório. Enquanto executa atividades fruitivas, a pessoa pode livrar-se das ações da vida pecaminosa através da austeridade, penitência, celibato, controle da mente e dos sentidos, veracidade e prática de yoga místico. Desper­tando seu conhecimento, pode também neutralizar as reações pe­caminosas. Nenhum desses métodos, contudo, pode tirar da pessoa a tendência a cometer atividades pecaminosas.

Através de bhakti-yoga, pode-se evitar por completo a tendência a se entregar à vida pecaminosa; outros métodos não são exequíveis. Portanto, a literatura védica conclui que o serviço devocional é mais importante do que os métodos de karma-kāṇḍa e jñāna-kāṇḍa. Somente o caminho do serviço devocional é auspicioso para todos. As atividades fruitivas e o conhecimento especulativo, sem outro auxílio, não podem libertar ninguém, mas o serviço devocional, que não recebe influência alguma de karma e jñāna, é tão potente que, tendo fixado sua mente aos pés de lótus de Kṛṣṇa, a pessoa tem garantia de que nem mesmo em sonhos se defrontará com os Yamadūtas, os mensageiros de Yamarāja.

Para demonstrar a força do serviço devocional, Śukadeva Gosvāmī descreve a história de Ajāmila. Ajāmila era um habitante de Kānyakubja (a moderna Kanauj). Seus pais o treinaram de modo que, estudando os Vedas e seguindo os princípios reguladores, ele se tornasse um brāhmaṇa perfeito, porém, devido ao seu passado, esse jovem brāhmaṇa certa vez se sentiu atraído por uma prostituta, e, devido à associação com ela, tornou-se muito degenerado e aban­donou todos os princípios reguladores. Ajāmila gerou no ventre da prostituta dez filhos, o último dos quais se chamava Nārāyaṇa. Na hora da morte de Ajāmila, quando os mensageiros de Yamarāja foram buscá-lo, ele, com medo, bradou o nome de Nārāyaṇa, visto que estava muito apegado ao seu filho caçula. Esse grito fez com que se lembrasse do Nārāyaṇa original, o Senhor Viṣṇu. Muito embora esse cantar do santo nome de Nārāyaṇa não fosse completamente inofensivo, surtiu efeito. Logo que ele cantou o santo nome de Nārāyaṇa, os mensageiros do Senhor Viṣṇu imediatamente apareceram em cena. Seguiu-se, então, um debate entre os mensageiros do Senhor Viṣṇu e os de Yamarāja, e, ao ouvi-lo, Ajāmila foi liberado. Ele pôde, então, compreender o resultado negativo das atividades fruitivas e também pôde entender quão elevado é o processo do serviço devocional.

VERSO 1: Mahārāja Parīkṣit disse: Ó meu senhor, ó Śukadeva Gosvāmī, já descreveste [no segundo canto] o caminho da liberação [nivṛtti­-mārga]. Quem segue este caminho decerto se eleva gradualmente ao sistema planetário mais elevado, Brahmaloka, do qual, juntamente com o senhor Brahmā, é promovido ao mundo espiritual. Assim, ele não volta a se submeter a repetidos nascimentos e mortes do mundo material.

VERSO 2: Ó grande sábio Śukadeva Gosvāmī, enquanto não estiver livre da contaminação dos modos materiais da natureza, a entidade viva receberá diferentes espécies de corpos, nos quais desfruta ou sofre, e, de acordo com o corpo, ela adquire diferentes inclinações. Seguindo essas inclinações, ela atravessa o caminho chamado pravṛtti-mārga, mediante o qual pode elevar-se aos planetas celestiais, como já descreveste [no terceiro canto].

VERSO 3: Também descreveste [no final do quinto canto] as variedades de vida infernal decorrentes de atividades ímpias, e descreveste [no quarto canto] o primeiro manvantara, ao qual Svāyambhuva Manu, filho do senhor Brahmā, presidiu.

VERSOS 4-5: Meu querido senhor, descreveste as dinastias e características do rei Priyavrata e do rei Uttānapāda. Ao criar este mundo material, a Suprema Personalidade de Deus colocou nele vários universos, sistemas planetários, planetas e estrelas, terras variadas, mares, oceanos, montanhas, rios, jardins e árvores, todos com diferentes características. Tudo isso se distribui entre este planeta Terra, os luzeiros no céu e os sistemas planetários inferiores. Já descreveste muito claramente esses planetas e as entidades vivas que os habitam.

VERSO 6: Ó afortunadíssimo e opulento Śukadeva Gosvāmī, agora, por favor, dize-me como os seres humanos podem evitar condições infernais em que sofrem dores terríveis.

VERSO 7: Śukadeva Gosvāmī respondeu: Meu querido rei, se antes da próxima morte, a pessoa, através de expiação adequada conforme descrita na Manu-saṁhitā e em outros dharma-śāstras, não anula todos os atos impiedosos que, durante esta vida, tenha executado com sua mente, palavras e corpo, ela com certeza será admitida entre os planetas infernais após a morte, onde terá de se submeter a terríveis sofrimentos, como já te descrevi anteriormente.

VERSO 8: Portanto, antes que a morte venha, enquanto o corpo é bastante forte, a pessoa deve rapidamente adotar o processo de expiação, conforme recomendado nos śāstras; caso contrário, perderá seu tempo, e as reações de seus pecados se agravarão. Assim como um médico hábil diagnostica e trata a doença de acordo com a gravidade desta, a pessoa deve submeter-se à expiação de acordo com a intensidade de seus pecados.

 VERSO 9: Mahārāja Parīkṣit disse: Pode ser que alguém saiba que a atividade pecaminosa lhe é prejudicial, pois ele realmente vê que um criminoso é punido pelo governo e hostilizado pelas pessoas em geral e porque fica sabendo através das escrituras e dos sábios eruditos que quem comete atos pecaminosos é atirado em condições infernais na próxima vida. Entretanto, apesar de ter esse conhecimento, ele é impelido a cometer pecados vezes e mais vezes, mesmo após executar atos de expiação. Portanto, de que adianta tal expiação?

VERSO 10: Às vezes, alguém que faz tudo para não cometer atos pecaminosos é novamente envolvido pela vida pecaminosa. Portanto, considero que esse processo de repetidos pecados e expiações é inútil. É como um banho de elefante, pois o elefante se limpa tomando um banho completo, porém, logo que retorna à terra, joga poeira sobre todo o seu corpo.

VERSO 11: Śukadeva Gosvāmī, o filho de Vedavyāsa, respondeu: Meu querido rei, como os atos destinados a neutralizar as ações impiedosas também são fruitivos, eles não tirarão de ninguém a tendência a executar atividades fruitivas. Aqueles que se sujeitam às regras e regulações da expiação não são nada inteligentes. Na verdade, eles estão no modo da escuridão. Enquanto alguém não conseguir libertar-se do modo da ignorância, tentar valer-se de uma ação para neutralizar outra será inútil, pois isso não extirpará seus desejos. Assim, muito embora a pessoa superficialmente pareça piedosa, ela sem dúvida terá a tendência a agir de maneira ímpia. Portanto, realiza verdadeira expiação quem se ilumina em conhecimento perfeito, vedānta, através do qual ele passa a entender a Suprema Verdade Absoluta.

VERSO 12: Meu querido rei, se um doente come alimentos puros e não contaminados, prescritos pelo médico, pouco a pouco ele se cura, e a infecção da doença não pode mais afetá-lo. De modo semelhante, se alguém segue os princípios reguladores do conhecimento, progride gradualmente rumo à etapa em que se liberta da contaminação material.

VERSOS 13-14: Para concentrar a mente, a pessoa deve manter uma vida celibatária e jamais cair. Ela deve submeter-se à austeridade de abandonar voluntariamente o gozo dos sentidos. Deve, então, controlar a mente e os sentidos, fazer caridade, ser veraz, limpa e não-violenta, seguir os princípios reguladores e cantar com regularidade o santo nome do Senhor. Assim, quem é sóbrio e fiel e conhece os princípios religiosos purifica-se temporariamente de todos os pecados cometidos com o corpo, palavras e mente. Esses pecados são como as folhas secas de trepadeiras que estão sob um bambuzal. Embora essas trepadeiras possam ser queimadas pelo fogo, não perdem suas raízes, as quais brotarão mais uma vez tão logo haja a oportunidade. 

VERSO 15: São raras as pessoas que tenham adotado o serviço devocional ir­restrito e imaculado a Kṛṣṇa. Somente elas podem desarraigar as ervas daninhas das ações pecaminosas sem a possibilidade de que elas revivam. Tais pessoas podem fazer isso simplesmente executando serviço devocional, assim como, através de seus raios, o Sol pode, de imediato, dissipar o nevoeiro.

VERSO 16: Meu querido rei, se uma pessoa pecaminosa se ocupa a serviço de um devoto autêntico do Senhor e, dessa maneira, aprende como dedicar sua vida aos pés de lótus de Kṛṣṇa, ela pode purificar-se por completo. Ninguém pode purificar-se meramente submetendo-se a austeridade, penitência, brahmacarya e outros métodos de expiação que descrevi.

VERSO 17: O caminho trilhado pelos devotos puros, que são bem-comportados e plenamente possuidores das melhores qualificações, decerto é o mais auspicioso deste mundo material. Nesse caminho, inexiste o medo e ele é autorizado pelos śāstras.

VERSO 18: Meu querido rei, assim como um pote que conteve bebida alcoólica não pode ser purificado mesmo que seja lavado nas águas de muitos rios, os não-devotos não podem purificar-se pelos processos de expiação, mesmo que os executem muito bem.

VERSO 19: Embora não tenham compreendido Kṛṣṇa plenamente, as pessoas que, mesmo uma só vez, renderam-se por completo a Seus pés de lótus e que se sentiram atraídas a Seu nome, forma, qualidades e passatempos estão totalmente livres de todas as reações pecamino­sas, pois assim aceitaram o método verdadeiro de expiação. Nem mesmo em sonho tais almas rendidas veem Yamarāja ou seus men­sageiros, que possuem cordas para amarrar as pessoas pecaminosas.

VERSO 20: Com relação a isso, os sábios eruditos e as pessoas santas descrevem um antiquíssimo acontecimento histórico envolvendo uma discussão entre os mensageiros do Senhor Viṣṇu e os de Yamarāja. Por favor, ouve-me falar sobre isso.

VERSO 21: Na cidade conhecida como Kānyakubja, havia certo brāhmaṇa cha­mado Ajāmila que se casou com uma criada que era prostituta. Ele perdeu todas as suas qualidades bramânicas devido à associação com essa mulher de classe baixa.

VERSO 22: Esse brāhmaṇa degenerado, Ajāmila, causava problemas aos outros, prendendo-os, enganando-os no jogo ou os assaltando diretamente. Essa era a maneira como ele ganhava sua subsistência e mantinha sua esposa e filhos.

VERSO 23: Meu querido rei, tentando manter sua família de muitos filhos, ele desperdiçava seu tempo nessas atividades pecaminosas abomináveis, e assim se passaram oitenta e oito anos de sua vida.

VERSO 24: Idoso, Ajāmila tinha dez filhos, dos quais o caçula era um menino chamado Nārāyaṇa. Como Nārāyaṇa era o filho mais novo, naturalmente seu pai e sua mãe queriam-lhe muito bem.

VERSO 25: Devido à linguagem balbuciante e aos movimentos desengonçados do filho, o idoso Ajāmila ficou muito apegado a ele. Ajāmila sempre cuidava do filho e se alegrava com as atividades deste.

VERSO 26: Quando Ajāmila mastigava o alimento e comia, ele chamava o filho para vir mastigar e comer, e quando ele bebia, chamava o filho para vir beber também. Sempre ocupado em cuidar do filho e pro­nunciar seu nome, Nārāyaṇa, Ajāmila não percebia que seu tempo estava para findar e que a morte pairava sobre ele.

VERSO 27: Chegado o momento da morte do tolo Ajāmila, ele passou a pensar unicamente em seu filho Nārāyaṇa.

VERSOS 28-29: Ajāmila, então, viu três criaturas monstruosas com aspectos físicos disformes; seus rostos eram desfigurados e ferozes, e os pelos de seu corpo estavam arrepiados. Empunhando cordas, tinham vindo para levá-lo à morada de Yamarāja. Ao ver essas criaturas, ficou extremamente desorientado, e, devido ao apego a seu filho, que brincava ali perto, Ajāmila começou a chamá-lo em voz alta, pronunciando seu nome. Assim, com lágrimas nos olhos, de alguma forma ele cantou o santo nome de Nārāyaṇa.

VERSO 30: Meu querido rei, os mensageiros de Viṣṇu, os Viṣṇudūtas, chega­ram tão logo ouviram o santo nome do seu mestre emanar da boca do moribundo Ajāmila, que na certa cantara sem ofensas, pois can­tara em completa ansiedade.

VERSO 31: Os mensageiros de Yamarāja estavam para arrancar a alma do âmago do coração de Ajāmila, o esposo da prostituta. Contudo, com vozes ressoantes, os mensageiros do Senhor Viṣṇu, os Viṣṇudūtas, impediram que o fizessem.

VERSO 32: Quando os mensageiros de Yamarāja, o filho do deus do Sol, ouviram esta proibição, responderam: Quem sois vós, senhores, que tendes a audácia de desafiar a jurisdição de Yamarāja?

VERSO 33: Queridos senhores, de quem sois servos, de onde viestes e por que nos proibis de tocar no corpo de Ajāmila? Sois semideuses dos planetas celestiais, sois semideuses subalternos ou sois os melhores devotos?

VERSOS 34-36: Os mensageiros de Yamarāja disseram: Vossos olhos são exatamente como pétalas de flores de lótus. Com roupas de seda amarela, decorados com guirlandas de lótus e usando elmos muito atrativos sobre vossas cabeças e brincos em vossas orelhas, pareceis muito jovens e viçosos. Vossos quatro longos braços estão decora­dos tanto com arcos e aljavas de flechas quanto com espadas, maças, búzios, discos e flores de lótus. Com extraordinária luminosidade, vossa refulgência dissipou a escuridão deste lugar. Então, senhores, por que nos impedis?

VERSO 37: Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Sendo assim interpelados pelos mensageiros de Yamarāja, os servos de Vāsudeva sorriram e falaram as seguintes palavras, com vozes tão profundas como o som de nuvens trovejantes.

VERSO 38: Os abençoados mensageiros do Senhor Viṣṇu, os Viṣṇudūtas, dis­seram: Se sois realmente servos de Yamarāja, deveis explicar-nos o significado dos princípios religiosos e as características da irreligião.

VERSO 39: Qual o processo através do qual se punem os outros? Quem são os verdadeiros candidatos à punição? Todos os karmīs ocupados em atividades fruitivas são passíveis de punição, ou somente alguns deles?

VERSO 40: Os Yamadūtas responderam: Aquilo que os Vedas prescrevem constitui o dharma, princípios religiosos, e o oposto disso é irreligião. Os Vedas são diretamente a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, e são autógenos. Foi Yamarāja quem nos disse isso.

VERSO 41: Nārāyaṇa, a suprema causa de todas as causas, está situado em Sua própria morada no mundo espiritual, mas, de acordo com os três modos da natureza material – sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-­guṇa –, Ele controla toda a manifestação cósmica. Dessa maneira, todas as entidades vivas recebem diferentes qualidades, diferentes designações, [tais como brāhmaṇa, kṣatriya e vaiśya], diferentes deveres de acordo com a instituição varṇāśrama e diferentes formas. Assim, Nārāyaṇa é a causa de toda a manifestação cósmica.

VERSO 42: O Sol, o fogo, o céu, o ar, os semideuses, a Lua, o crepúsculo, o dia, a noite, as direções, a água, a terra e a própria Superalma – todos testemunham as atividades dos seres vivos.

VERSO 43: Os candidatos à punição são aqueles que essas muitas testemunhas apontam como tendo se desviado de seus deveres prescritos. Todas as pessoas ocupadas em atividades fruitivas estão sujeitas a serem punidas de acordo com os seus atos pecaminosos.

VERSO 44: Ó habitantes de Vaikuṇṭha, não tendes pecado algum, mas todos aqueles que vivem neste mundo material são karmīs, quer estejam agindo piedosa, quer impiedosamente. Ambas as classes de ação lhes são possíveis porque eles estão contaminados pelos três modos da natureza e têm que agir em conformidade com esses. Aquele que aceitou um corpo material não pode permanecer inativo, e a ação pecaminosa é inevitável para aquele que age sob os modos da natureza material. Portanto, todas as entidades vivas dentro deste mundo material são passíveis de punição.

VERSO 45: Em proporção à quantidade de ações religiosas ou irreligiosas que o indivíduo pratica nesta vida, ele terá de desfrutar ou sofrer a mesma equivalência das reações do seu karma na vida seguinte.

VERSO 46: Ó melhores entre os semideuses, podemos ver três diferentes variedades de vida, que são consequentes à contaminação dos três modos da natureza. Portanto, conhecem-se as entidades vivas como: pacíficas, inquietas ou tolas; felizes, infelizes ou com um pouco dessas duas características; religiosas, irreligiosas ou semirreligiosas. Podemos deduzir que, na próxima vida, essas três espécies de natu­reza material continuarão exercendo suas ações.

VERSO 47: Assim como, no presente, a primavera denota a natureza das pri­maveras passadas e futuras, do mesmo modo, esta vida de felicidade, de infelicidade ou de uma mistura de ambas as características evidencia as atividades religiosas ou irreligiosas das vidas passadas e futuras de alguém.

VERSO 48: O onipotente Yamarāja é tão bom como o senhor Brahmā, pois, enquanto permanece em sua própria morada ou no coração de todos como o Paramātmā, ele observa mentalmente as atividades passadas das entidades vivas e assim entende como as entidades vivas agirão em vidas futuras.

VERSO 49: Assim como a pessoa adormecida age de acordo com o corpo manifesto em seus sonhos e o aceita como sendo ela própria, do mesmo modo, alguém se identifica com o seu corpo atual, o qual adquiriu devido às suas ações religiosas ou irreligiosas, praticadas no passado, e é incapaz de conhecer suas vidas passadas ou futuras.

VERSO 50: Acima dos cinco sentidos de percepção, dos cinco sentidos funcionais e dos cinco objetos dos sentidos, encontra-se a mente, que é o décimo sexto elemento. Acima da mente, está o décimo sétimo elemento, a alma, o próprio ser vivo, que, em cooperação com os outros de­zesseis, desfruta sozinho do mundo material. O ser vivo desfruta de três espécies de situações, a saber, felicidade, infelicidade ou a mis­tura das duas.

VERSO 51: O corpo sutil é composto de dezesseis partes: os cinco sentidos com os quais se adquire conhecimento, os cinco sentidos funcionais, os cinco objetos do gozo dos sentidos e a mente. Este corpo sutil é consequente aos três modos da natureza material. Ele é constituído de desejos fortes e insuperáveis, de modo que faz com que, na vida humana, na vida animal ou na vida de semideus, a entidade viva transmigre de um corpo a outro. Ao adquirir um corpo de semideus, a entidade viva certamente fica muito feliz; ao obter um corpo humano, ela está sempre se lamentando; e, ao obter um corpo de animal, ela está sempre com medo. Contudo, em qualquer circuns­tância, sua situação é realmente deplorável. Sua condição deplorável se chama saṁsṛti, ou transmigração na vida material.

VERSO 52: A tola entidade viva corporificada, incapaz de controlar seus sen­tidos e sua mente, toma atitudes contrárias aos seus dese­jos, pois é forçada a agir de acordo com a influência dos modos da natureza material. Ela é como um bicho-da-seda que usa a sua própria saliva para criar um casulo no qual se prende, sem possibilidade de escapar. A entidade viva se aprisiona na rede de suas próprias atividades fruitivas, após o que não consegue encontrar uma maneira de se libertar. Assim, está sempre confusa e morre vezes e mais vezes.

VERSO 53: Nem mesmo uma única entidade viva pode permanecer sem ocupa­ção nem mesmo por um momento. Todos têm que agir conforme sua ten­dência natural ditada pelos três modos da natureza material, pois essa tendência natural forçosamente faz com que elas ajam de determinada maneira.

VERSO 54: As atividades fruitivas que o ser vivo executa, quer piedosas, quer impiedosas, são a causa subjacente para a satisfação dos seus desejos. Essa causa invisível é a raiz dos diferentes corpos da entidade viva. Devido ao seu desejo intenso, a entidade viva nasce em uma família em particular e recebe um corpo que é ou como o de sua mãe ou como o de seu pai. Os corpos grosseiros e sutis são criados de acordo com o seu desejo.

VERSO 55: Como está associada com a natureza material, a entidade viva se encontra em uma posição incômoda, mas se, na forma de vida humana, ela aprende a se associar com a Suprema Personalidade de Deus ou com Seu devoto, essa posição pode ser subjugada.

VERSOS 56-57: No começo, esse brāhmaṇa chamado Ajāmila estudou todos os textos védicos. Ele era um reservatório de bom caráter, boa conduta e boas qualidades. Firmemente estabelecido em executar todos os preceitos védicos, ele era muito meigo e gentil, e mantinha sua mente e seus sentidos sob controle. Além disso, era sempre veraz, sabia cantar os mantras védicos, e era também muito puro. Ajāmila mos­trava muito respeito a seu mestre espiritual, ao deus do fogo, aos convidados e aos membros mais velhos de sua família. Na verdade, estava livre do falso prestígio. Era íntegro, benevolente para com todas as entidades vivas e bem-comportado. Nunca falava tolices nem invejava ninguém.

VERSOS 58-60: Certa vez, esse brāhmaṇa Ajāmila, seguindo a ordem de seu pai, foi à floresta colher frutas, flores e duas espécies de gramíneas, cha­madas samit e kuśa. No caminho de volta para casa, deparou-se com um śūdra, um homem de quarta classe muitíssimo luxurioso e que desavergonhadamente abraçava e beijava uma prostituta. O śūdra sorria, cantava e alegrava-se como se esse seu comportamento fosse digno. Tanto o śūdra quanto a prostituta estavam embriagados. Os olhos da prostituta giravam de embriaguez, e sua roupa se afrouxara. Foi nesse estado que Ajāmila os viu.

VERSO 61: O śūdra, cujo braço estava decorado com pó de cúrcuma, abraçava a prostituta. Quando Ajāmila a viu, os desejos luxuriosos, que estavam adormecidos em seu coração, emergiram, e, iludido, deixou-­se ficar sob o controle deles.

VERSO 62: Tanto quanto possível, ele, pacientemente, tentava lembrar-se das instruções dos śāstras de que não deveria nem mesmo olhar para uma mulher. Com a ajuda desse conhecimento e de seu intelecto, ele tentou controlar seus desejos luxuriosos, mas, devido à força do Cupido dentro de seu coração, não conseguiu controlar a mente.

VERSO 63: Da mesma maneira que o Sol e a Lua são eclipsados por um planeta inferior, o brāhmaṇa perdeu todo o seu bom senso. Agarrando-­se a essa situação, ele sempre pensava na prostituta e, dentro de pouco tempo, convidou-a para trabalhar como criada em sua casa e, então, abandonou todos os princípios reguladores em que se alicerça a vida bramânica.

VERSO 64: Assim, para satisfazer a prostituta com vários presentes materiais, Ajāmila passou a gastar todo o dinheiro que herdara de seu pai, de modo que ela permanecesse satisfeita com ele. Enfim, para satisfa­zer a prostituta, abandonou todas as suas atividades bramânicas.

VERSO 65: Porque sua inteligência se deixou trespassar pelo olhar luxurioso da prostituta, o brāhmaṇa Ajāmila, tornando-se sua vítima, entre­gou-se a atos pecaminosos na associação dela. Ele inclusive chegou a abandonar a companhia de sua belíssima e jovem esposa, que viera de uma respeitabilíssima família de brāhmaṇas.

VERSO 66: Embora nascido em família brāhmaṇa, esse patife, destituído de inteligência devido à associação com a prostituta, ganhava dinheiro de uma maneira ou outra, fosse de modo honesto ou desonesto, e usava o mesmo para manter os filhos e filhas da prostituta.

VERSO 67: Esse brāhmaṇa irresponsável levou toda a sua longa vida transgredindo todas as regras e regulações da escritura sagrada, vivendo extravagantemente e comendo alimentos preparados por uma pros­tituta. Portanto, ficou cheio de pecados, impuro e viciado em ativi­dades proibidas.

VERSO 68: Ajāmila não se submeteu à expiação. Portanto, devido à sua vida pecaminosa, temos que levá-lo à presença de Yamarāja para ser pu­nido. Lá, de acordo com a quantidade dos seus atos pecaminosos, ele será punido e se purificará dessa maneira.

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