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Capítulo Dezoito

Diti Faz o Voto de Matar o Rei Indra

Este capítulo narra a história de Diti, a esposa de Kaśyapa, e como ela fez o voto de ter um filho que matasse o rei Indra. Descreve, também, como Indra tentou frustrar o seu plano cortando em pedaços o filho que estava dentro do ventre dela.

Em relação a Tvaṣṭā e seus descendentes, descreve-se a dinastia dos Ādityas (filhos de Aditi) e de outros semideuses. Pṛśni, a esposa de Savitā, o quinto filho de Aditi, teve três filhas – Sāvitrī, Vyāhṛti e Trayī – e filhos muito insignes, chamados Agnihotra, Paśu, Soma, Cāturmāsya e os cinco Mahāyajñas. Siddhi, a esposa de Bhaga, teve três filhos, chamados Mahimā, Vibhu e Prabhu, e também teve uma filha, cujo nome era Āśī. Dhātā teve quatro esposas – Kuhū, Sinī­vālī, Rākā e Anumati –, que tiveram quatro filhos, chamados Sāyam, Darśa, Prātaḥ e Pūrṇamāsa, respectivamente. Kriyā, a es­posa de Vidhātā, deu à luz os cinco Purīṣyas, que são os represen­tantes das cinco classes de deuses do fogo. Bhṛgu, o filho nascido da mente de Brahmā, voltou a nascer de Carṣaṇī, a esposa de Varuṇa, e o grande sábio Vālmīki apareceu do sêmen de Varuṇa. Agastya e Vasiṣṭha foram dois filhos de Varuṇa e Mitra. Ao verem a beleza de Urvaśī, Mitra e Varuṇa ejacularam, guardando o sêmen em um pote de barro. Daquele pote, surgiram Agastya e Vasiṣṭha. Mitra teve uma esposa chamada Revatī, que deu à luz três filhos – Utsarga, Ariṣṭa e Pippala. Aditi teve doze filhos, dos quais Indra foi o décimo pri­meiro. A esposa de Indra se chamava Paulomī (Śacīdevī). Ela deu à luz três filhos – Jayanta, Ṛṣabha e Mīḍhuṣa. Através de Seus próprios poderes, a Suprema Personalidade de Deus apareceu como Vāmanadeva. De Sua esposa, cujo nome era Kīrti, apareceu um filho chamado Bṛhatśloka. O primeiro filho de Bṛhatśloka era conhecido como Saubhaga. Esta é uma descrição dos filhos de Aditi. No oitavo canto, é apresentada uma descrição de Āditya Urukrama, que é uma encarnação da Suprema Personalidade de Deus.

Neste capítulo, descrevem-se também os demônios nascidos de Diti. Na dinastia de Diti, apareceu o grande devoto santo Prahlāda, bem como Bali, neto de Prahlāda. Hiraṇyakaśipu e Hiraṇyākṣa foram os primeiros filhos de Diti. Hiraṇyakaśipu e sua esposa, cujo nome era Kayādhu, tiveram quatro filhos – Saṁhlāda, Anuhlāda, Hlāda e Prahlāda. Tiveram, também, uma filha, cujo nome era Siṁhikā. Em associação com o demônio Vipracit, Siṁhikā gerou um filho chamado Rāhu, cuja cabeça foi decepada pela Suprema Personalidade de Deus. Kṛti, a esposa de Saṁhlāda, gerou um filho chamado Pañcajana. A esposa de Hlāda, cujo nome era Dhamani, deu à luz dois filhos – Vātāpi e Ilvala. Ilvala transformou Vātāpi em um carneiro e o deu a Agastya, para lhe servir de alimento. No ventre de sua esposa Sūryā, Anuhlāda gerou dois filhos, chamados Bāṣkala e Mahiṣa. O filho de Prahlāda era conhecido como Virocana, e seu neto era conhecido como Bali Mahārāja, que teve cem filhos, dos quais Bāṇa era o mais velho.

Após descrever a dinastia dos Ādityas e dos outros semideuses, Śukadeva Gosvāmī passa a descrever os filhos de Diti conhecidos como Maruts e como eles foram elevados à posição de semideuses. Com o simples propósito de ajudar Indra, o Senhor Viṣṇu matara Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu. Devido a isso, Diti ficou com muita inveja e desejou ardentemente ter um filho que pudesse matar Indra. Com seu serviço, ela encantou Kaśyapa Muni, a quem pediu um filho superior, que fosse capaz de concretizar esse seu desejo. Prevalecendo o preceito védico, segundo o qual vidvāṁsam api karṣati, Kaśyapa Muni se deixou seduzir por sua bela esposa e prometeu satisfazer qualquer pedido dela. Quando, entretanto, ela pediu um filho que fosse capaz de matar Indra, ele se arrependeu e aconselhou sua esposa Diti a seguir as cerimônias ritualísticas vaiṣṇavas para se purificar. Quando Diti, seguindo as instruções de Kaśyapa, passou a se ocupar em serviço devocional, Indra descobriu suas intenções e começou a observar todas as suas ativi­dades. Certo dia, Indra teve a oportunidade de ver que ela se desviou do serviço devocional. Portanto, entrou em seu ventre e lhe cortou o filho, que ficou reduzido a quarenta e nove frag­mentos. Dessa maneira, os quarenta e nove tipos de ar, conhecidos como Maruts, apareceram, mas, porque Diti havia executado as cerimônias ritualísticas vaiṣṇavas, todos os filhos se tornaram vaiṣṇavas.

VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Pṛśni, que era a esposa de Savitā, o quinto dos doze filhos de Aditi, deu à luz três filhas – Sāvitrī, Vyāhṛti e Trayī – e os filhos chamados Agnihotra, Paśu, Soma, Cāturmāsya e os cinco Mahāyajñas.

VERSO 2: Ó rei, Siddhi, que era a esposa de Bhaga, o sexto filho de Aditi, gerou três filhos, chamados Mahimā, Vibhu e Prabhu, e uma filha extremamente bela, cujo nome era Āśī.

VERSOS 3-4: Dhātā, o sétimo filho de Aditi, teve quatro esposas, chamadas Kuhū, Sinīvālī, Rākā e Anumati. Essas esposas geraram quatro filhos, chamados Sāyam, Darśa, Prātaḥ e Pūrṇamāsa, respectivamente. A esposa de Vidhātā, o oitavo filho de Aditi, chamava-se Kriyā. Vidhātā fecundou Kriyā, em consequência do que ela gerou os cinco deuses do fogo, chamados Purīṣyas. A esposa de Varuṇa, o nono filho de Aditi, chamava-se Carṣaṇī. Bhṛgu, o filho de Brahmā, voltou a nascer no ventre dela.

VERSO 5: Através do sêmen de Varuṇa, o grande místico Vālmīki nasceu de um formigueiro. Bhṛgu e Vālmīki eram filhos exclusivamente de Varuṇa, ao passo que Agastya e Vasiṣṭha Ṛṣis eram filhos comuns a Varuṇa e Mitra, o décimo filho de Aditi.

VERSO 6: Ao verem Urvaśī, que era uma moça da sociedade celestial, tanto Mitra quanto Varuṇa ejacularam, preservando o sêmen em um pote de barro. Os dois filhos Agastya e Vasiṣṭha surgiram mais tarde da­quele pote e, portanto, são os filhos comuns a Mitra e Varuṇa. Mitra gerou três filhos no ventre de sua esposa, cujo nome era Revatī. Seus nomes eram Utsarga, Ariṣṭa e Pippala.

VERSO 7: Ó rei Parīkṣit, Indra, o rei dos planetas celestiais e o décimo primeiro filho de Aditi, fecundou sua esposa Paulomī, e ela gerou três filhos, chamados Jayanta, Ṛṣabha e Mīḍhuṣa. Assim nos foi relatado.

VERSO 8: Através de Sua própria potência, a Suprema Personalidade de Deus, que tem potências multifárias, apareceu sob a forma de um anão, Urukrama, o décimo segundo filho de Aditi. No ventre de Sua esposa, cujo nome era Kīrti, Ele gerou um filho, chamado Bṛhatśloka, que teve muitos filhos, encabeçados por Saubhaga.

VERSO 9: Mais tarde [no oitavo canto do Śrīmad-Bhāgavatam], descreverei como Urukrama, o Senhor Vāmanadeva, apareceu como o filho do grande sábio Kaśyapa e como Ele cobriu os três mundos com três passos. Descreverei as extraordinárias atividades por Ele exe­cutadas, Suas qualidades, Seu poder e como Ele nasceu do ventre de Aditi.

VERSO 10: Agora, ouve enquanto descrevo os filhos de Diti, que foram gerados por Kaśyapa, mas que se tornaram demônios. Foi nessa família demoníaca que apareceu o grande devoto Prahlāda Mahārāja, bem como Bali Mahārāja. Porque procedem do ventre de Diti, os demônios são tecnicamente conhecidos como Daityas.

VERSO 11: Em primeiro lugar, os dois filhos chamados Hiraṇyakaśipu e Hiraṇyākṣa nasceram do ventre de Diti. Muito poderosos, ambos eram adorados pelos Daityas e pelos Dānavas.

VERSOS 12-13: A esposa de Hiraṇyakaśipu era conhecida como Kayādhu. Ela era filha de Jambha e descendente de Danu. Ela deu à luz quatro filhos consecutivos, conhecidos como Saṁhlāda, Anuhlāda, Hlāda e Prah­lāda. A irmã desses quatro era conhecida como Siṁhikā. Ela se casou­ com o demônio chamado Vipracit e deu à luz outro demônio, chamado Rāhu.

VERSO 14: Enquanto Rāhu, disfarçado, bebia néctar entre os semi­deuses, a Suprema Personalidade de Deus lhe decepou a cabeça. A esposa de Saṁhlada se chamava Kṛti. Através de sua união com Saṁhlāda, Kṛti deu à luz um filho chamado Pañcajana.

VERSO 15: A esposa de Hlāda se chamava Dhamani. Ela deu à luz dois filhos, chamados Vātāpi e Ilvala. Quando Agastya Muni se tornou hóspede de Ilvala, este lhe ofereceu um banquete no qual cozinhou Vātāpi, que estava sob a forma de um carneiro.

VERSO 16: A esposa de Anuhlāda se chamava Sūryā. Ela deu à luz dois filhos, chamados Bāṣkala e Mahiṣa. Prahlāda teve um filho, Virocana, cuja esposa deu à luz Bali Mahārāja.

VERSO 17: Depois disso, Bali Mahārāja gerou cem filhos no ventre de Aśanā, dos quais o rei Bāṇa era o mais velho. As atividades de Bali Mahārāja, que são muito louváveis, serão descritas mais tarde [no oitavo canto].

VERSO 18: Uma vez que o rei Baṇa era um grande adorador do senhor Śiva, ele se tornou um dos mais célebres associados do senhor Śiva. Mesmo atualmente, o senhor Śiva protege a capital do rei Bāṇa e sempre permanece a seu lado.

VERSO 19: Os quarenta e nove semideuses Maruts também nasceram do ventre de Diti. Nenhum deles teve filhos. Embora tivessem nascido de Diti, o rei Indra lhes deu a posição de semideuses.

VERSO 20: O rei Parīkṣit perguntou: Meu querido senhor, devido ao seu nas­cimento, os quarenta e nove Maruts deviam estar obcecados por uma mentalidade demoníaca. Por que Indra, o rei dos céus, converteu-os em semideuses? Eles realizaram algum ritual ou alguma atividade piedosa?

VERSO 21: Meu querido brāhmaṇa, eu e todos os sábios aqui presentes comigo estamos ansiosos por saber acerca disso. Portanto, ó grande alma, faze a bondade de nos explicar a razão.

VERSO 22: Śrī Sūta Gosvāmī disse: Ó grande sábio Śaunaka, após ouvir Mahārāja Parīkṣit falar respeitosa e concisamente sobre tópicos essenciais, Śukadeva Gosvāmī, que era muito versado em tudo, louvou sua atitude e respondeu.

VERSO 23: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Somente para ajudar Indra, o Senhor Viṣṇu matou os dois irmãos Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu. Devido à morte deles, Diti, sua mãe, tomada de lamentação e ira, ponderou o seguinte.

VERSO 24: O senhor Indra, que gosta muito do gozo dos sentidos, matou por intermédio do Senhor Viṣṇu os dois irmãos Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu. Portanto, Indra é cruel, pecaminoso e desalmado. Quando será que eu, após matar Indra, poderei repousar com minha mente apaziguada?

VERSO 25: Quando mortos, os corpos de todos os governantes conhecidos como reis e grandes líderes se transformarão em vermes, excremento ou cinzas. Se, por inveja, alguém que quer proteger tal corpo, mata outrem, será que ele conhece de fato o verdadeiro interesse da vida? Na certa não conhece, pois quem inveja outras entidades com certe­za rumará  para o inferno.

VERSO 26: Diti pensou: Indra considera seu corpo como eterno e, dessa maneira, age como se desconhecesse limites. Portanto, é meu desejo ter um filho que possa remover a loucura que acometeu Indra. Tomarei alguma atitude que me ajude a conseguir isso.

VERSOS 27-28: Com isso em mente [desejando ter um filho que fosse capaz de matar Indra], Diti passou a agir constantemente de modo a satisfazer Kaśyapa com seu comportamento agradável. Ó rei, Diti sempre cumpria as ordens de Kaśyapa muito fielmente, tal qual ele desejava. Com serviço, amor, humildade e controle, com palavras faladas muito docemente para satisfazer seu esposo, e com seus sorrisos e olhares, Diti lhe atraiu a mente, colocando-a sob seu controle.

VERSO 29: Embora fosse um sábio erudito, Kaśyapa Muni se deixou cativar pelo comportamento superficial de Diti, que o colocou sob seu contro­le. Portanto, ele assegurou à sua esposa que satisfaria seus desejos. O marido fazer semelhante promessa não é algo que causa nenhum espanto.

VERSO 30: No começo da criação, o senhor Brahmā, o pai das entidades vivas do universo, viu que todas elas estavam desapegadas. Para aumentar a população, ele criou a mulher a partir da melhor metade do homem, pois o comportamento feminino arrasta a mente do homem.

VERSO 31: Ó meu prezado, o poderosíssimo sábio Kaśyapa, extremamente satisfeito com o comportamento dócil de sua esposa Diti, sorriu e lhe falou o seguinte.

VERSO 32: Kaśyapa Muni disse: Ó belíssima mulher, ó dama impoluta, como estou muito satisfeito com o teu comportamento, podes pedir-me qualquer bênção que desejares. Se o esposo está satisfeito, que difi­culdade sua esposa teria para obter o que quiser, seja neste mundo, seja no próximo?

VERSOS 33-34: O esposo é o semideus supremo da mulher. A Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Vāsudeva, o esposo da deusa da fortuna, está situado no coração de todos e, através dos vários nomes e formas dos semideuses, é adorado pelos trabalhadores fruitivos. Do mesmo modo, o esposo representa o Senhor como o objeto de adoração para uma mulher.

VERSO 35: Minha querida esposa, de corpo tão belo e cintura fina, uma esposa zelosa deve ser casta e deve acatar as ordens do seu esposo. Com dedicação, ela deve adorar seu esposo como um representante de Vāsudeva.

VERSO 36: Minha querida e gentil esposa, porque me adoraste com muita de­voção, considerando-me um representante da Suprema Personalidade de Deus, eu te retribuirei satisfazendo os teus desejos, o que não é possível se a esposa é incasta.

VERSO 37: Diti respondeu: Ó meu esposo, ó grande alma, o fato é que perdi meus filhos. Se quiseres dar-me uma bênção, peço-te um filho imortal que consiga matar Indra. Suplico-te isso porque Indra, com a ajuda de Viṣṇu, matou meus dois filhos, Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu.

VERSO 38: Ao ouvir o pedido de Diti, Kaśyapa Muni ficou muito pesaroso. “Ai de mim”, lamentou-se, “agora me defronto com o perigoso ato cruel de matar Indra!”

VERSO 39: Kaśyapa Muni pensou: Ai de mim, tornei-me, então, muito apegado ao gozo material. Em consequência disso, minha mente se sentiu­ atraída pela energia ilusória que emana da Suprema Personalidade de Deus e que se apresentou sob a forma de uma mulher [minha esposa]. Portanto, decerto sou uma pessoa vil que deslizará rumo ao inferno.

VERSO 40: Esta mulher, minha esposa, adotou um meio que está de acordo com sua natureza, de modo que não se deve condená-la. Mas eu sou um homem. Portanto, toda a condenação é para mim! Não estou de modo algum a par do que é bom para mim, pois não pude controlar meus sentidos.

VERSO 41: O rosto de uma mulher é tão atraente e belo como uma flor de lótus a desabrochar durante o outono. Suas palavras muito doces dão prazer ao ouvido, mas, caso estudemos o coração de uma mulher, poderemos descobrir que ele é extremamente afiado, como a lâmina de uma navalha. Nessas circunstâncias, quem poderá entender o procedimento de uma mulher?

VERSO 42: Para satisfazer seus próprios interesses, as mulheres lidam com os homens como se lhes fossem muito queridos, mas ninguém realmente lhes é querido. Acredita-se que as mulheres são muito santas, mas, para seu próprio interesse, elas podem inclusive matar seu esposo, filhos ou irmãos, ou providenciar que sejam mortos por outros.

VERSO 43: Prometi outorgar-lhe uma bênção, e essa promessa não pode ser viola­da, mas Indra não merece ser morto. Nessas circunstâncias, a solu­ção que tenho é muito adequada.

VERSO 44: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Kaśyapa Muni, pensando dessa ma­neira, ficou um tanto irado. Condenando-se, ó Mahārāja Parīkṣit, descendente de Kuru, ele falou a Diti as seguintes palavras.

VERSO 45: Kaśyapa Muni disse: Minha querida e gentil esposa, se, durante o período de pelo menos um ano, seguires minhas instruções referentes a este voto, é certo que terás um filho capaz de matar Indra. Contudo, se te desviares deste voto de seguir os princípios vaiṣṇavas, terás um filho que fará uma aliança com Indra.

VERSO 46: Diti respondeu: Meu querido brāhmaṇa, devo aceitar o teu conselho e cumprir o voto. Dize-me, então, o que devo fazer, o que é proibido e como devo proceder. Por favor, fala com toda a clareza para que o voto não seja quebrado.

VERSO 47: Kaśyapa Muni disse: Minha querida esposa, para seguir este voto, não sejas violenta e não prejudiques ninguém. Não amaldiçoes ninguém e não verbalizes mentira alguma. Não cortes tuas unhas e cabelo, e não toques coisas impuras, tais como crânios e ossos.

VERSO 48: Kaśyapa Muni prosseguiu: Minha querida e gentil esposa, nunca entres na água enquanto tomas banho, nunca fiques irada, e nem mesmo fales ou te associes com pessoas perversas. Nunca coloques roupas que não foram adequadamente lavadas, e não uses uma guirlanda que já foi usada.

VERSO 49: Jamais comas restos de comida, nem comas prasāda oferecida à deusa Kālī [Durgā], e não comas nada que esteja contaminado com carne ou peixe. Jamais comas algo trazido ou tocado por um śūdra nem algo visto por uma mulher em seu período menstrual. Não bebas água juntando as palmas de tuas mãos.

VERSO 50: Após comer, não deves sair à rua sem lavar tua boca, tuas mãos e teus pés. Não deves sair à noite nem deves sair com os cabelos soltos, tampouco deves sair se não estiveres devidamente decorada com adornos. Não deves sair de casa a menos que estejas muito grave e suficientemente vestida.

VERSO 51: Não deves deitar sem lavar os pés ou sem te purificar, nem com os pés molhados ou com a cabeça voltada para o oeste ou para o norte. Não deves dormir despida, ou com outras mulheres, ou durante a alvorada ou ao pôr do sol.

VERSO 52: Vestindo roupa lavada, permanecendo sempre pura e estando en­feitada com cúrcuma, polpa de sândalo e outros produtos auspi­ciosos, deve-se adorar as vacas, os brahmaṇas, a deusa da fortuna e a Suprema Personalidade de Deus antes do desjejum.

VERSO 53: Com guirlandas de flores, polpa de sândalo, ornamentos e outros artigos, a mulher que segue este voto deve adorar as mulheres que têm filhos e cujos esposos estão vivos. A esposa grávida deve adorar seu esposo e lhe oferecer orações. Ela deve meditar nele, pensando que ele está situado em seu ventre.

VERSO 54: Kaśyapa Muni continuou: Se realizares esta cerimônia chamada puṁsavana, cumprindo fielmente o voto durante pelo menos um ano, darás à luz um filho destinado a matar Indra. Porém, se houver alguma discrepância no desempenho deste voto, o filho será amigo de Indra.

VERSO 55: Ó rei Parīkṣit, Diti, a esposa de Kaśyapa, concordou em se submeter ao processo purificatório conhecido como puṁsavana. “Sim”, disse ela, “farei tudo de acordo com tuas instruções.” Em grande júbilo, ela engravidou, tendo recebido o sêmen de Kaśyapa, e fiel­mente começou a cumprir o voto.

VERSO 56: Ó rei, que és respeitoso com todos, Indra compreendeu o que Diti intencionava e, dessa maneira, elaborou um plano para concretizar seus próprios interesses. Seguindo a lógica de que a autopreservação é a primeira lei da natureza, ele queria fazer com que Diti quebrasse sua promessa. Portanto, passou a servir Diti, sua tia, que residia em um āśrama.

VERSO 57: Diariamente, Indra servia à sua tia, trazendo da floresta flores, frutas, raízes e pedaços de madeira para a realização de yajñas. Ele também trazia grama kuśa, folhas, brotos, terra e água na hora precisamente adequada.

VERSO 58: Ó rei Parīkṣit, assim como um caçador de veados se torna tal qual o veado ao se cobrir com a pele de veado e ao servir ao veado, da mesma maneira, Indra, embora no fundo do coração fosse inimigo dos filhos de Diti, tornou-se externamente amistoso e prestou a Diti um serviço fiel. O propósito de Indra era surpreender Diti, detectando alguma falha enquanto ela cumpria os votos da cerimônia ritualística. Entretanto, como não queria ser descoberto, servia-lhe com muito cuidado.

VERSO 59: Ó mestre do mundo inteiro, não podendo encontrar defeitos, Indra pensou: “Como haverá boa fortuna para mim?” Desta maneira, ele es­tava cheio de uma profunda ansiedade.

VERSO 60: Tendo ficado fraca e magra devido a seguir estritamente os princípios do voto, Diti, certa vez, desafortunadamente, deixou de lavar a boca, as mãos e os pés após comer e foi dormir durante o crepúsculo vespertino.

VERSO 61: Descobrindo esta falha, Indra, que tem todos os poderes místicos [os yoga-siddhis, tais como aṇimā e laghimā], entrou no ventre de Diti enquanto ela, em sono profundo, estava inconsciente.

VERSO 62: Após entrar no ventre de Diti, Indra, com a ajuda de seu raio, cortou em sete pedaços o embrião, que parecia ouro reluzente. Em sete lugares, sete diferentes seres vivos começaram a chorar. Indra lhes disse: “Não choreis” e, então, mais uma vez, cortou cada um deles em sete pedaços.

VERSO 63: Ó rei, estando muito aflitos, eles, de mãos postas, imploraram a Indra, dizendo: “Querido Indra, somos os Maruts, teus irmãos. Por que estás tentando matar-nos?”

VERSO 64: Ao perceber que realmente eles eram seus devotados seguidores, Indra lhes disse: Se todos vós sois meus irmãos, não há por que me temerdes.

VERSO 65: Śukadeva Gosvāmī disse: Meu querido rei Parīkṣit, sentiste o calor emitido pela brahmāstra de Aśvatthāmā, mas, quando o Senhor Kṛṣṇa entrou no ventre de tua mãe, foste salvo. Do mesmo modo, embora o raio de Indra tivesse cortado o embrião em quarenta e nove pedaços, todos eles foram salvos pela misericórdia da Suprema Personalidade de Deus.

VERSOS 66-67: Se, ao menos uma só vez, alguém adora a Suprema Personalidade de Deus, a pessoa original, recebe o benefício de ser promovido ao mundo espiritual e possuir os mesmos traços físicos de Viṣṇu. Diti adorou o Senhor Viṣṇu durante quase um ano, submetendo-se a um grande voto. Devido a essa força adquirida na vida espiritual, os quarenta e nove Maruts nasceram. Então, o que há de surpreen­dente no fato de, pela misericórdia do Senhor Supremo, os Maruts, embora nascidos do ventre de Diti, terem-se tornado iguais aos semideuses?

VERSO 68: Devido à sua adoração à Suprema Personalidade de Deus, Diti se purificou por completo. Quando se levantou da cama, viu seus quarenta e nove filhos juntamente com Indra. Todos esses quarenta e nove filhos, tão brilhantes como o fogo, eram amigos de Indra, de modo que ela ficou muito satisfeita.

VERSO 69: Em seguida, Diti falou a Indra: Meu querido filho, eu me submeti a este difícil voto apenas para obter um filho que pudesse matar os doze Ādityas.

VERSO 70: Pedi em minha súplica por apenas um filho, mas vejo um total de quarenta e nove. Como isso aconteceu? Meu querido filho Indra, se souberes, por favor, dize-me a verdade. Não tentes mentir para mim.

VERSO 71: Indra respondeu: Minha querida mãe, porque eu estava grosseiramente cego pelos interesses egoístas, afastei-me do caminho da reli­gião. Quando compreendi que estavas observando um grande voto em que te dedicavas à vida espiritual, procurei encontrar alguma falha em ti. Quando descobri essa falha, entrei em teu ventre e cortei o embrião em pedaços.

VERSO 72: Primeiramente, cortei em sete pedaços a criança que estava no ventre, a qual se transformou em sete filhos. Então, voltei a cortar cada um deles em sete pedaços. Entretanto, pela graça do Senhor Supremo, nenhum deles morreu.

VERSO 73: Minha querida mãe, quando vi que todos os quarenta e nove filhos estavam vivos, fiquei deveras espantado. Concluí que esse resultado subsidiário te foi concedido devido à tua execução regular de serviço devocional em adoração ao Senhor Viṣṇu.

VERSO 74: Embora aqueles que estão interessados em apenas adorar a Suprema Personalidade de Deus não desejem do Senhor nada mate­rial e nem mesmo desejem a liberação, o Senhor Kṛṣṇa satisfaz todos os seus desejos.

VERSO 75: A meta última de todas as aspirações de alguém é ele se tornar um servo da Suprema Personalidade de Deus. Se um homem inteligente serve ao queridíssimo Senhor, que Se entrega aos seus devotos, como ele po­deria desejar a felicidade material, a qual está disponível até mesmo no inferno?

VERSO 76: Ó minha mãe, ó melhor de todas as mulheres, sou um tolo. Por favor, perdoa todas as ofensas que eu tenha cometido. Devido ao teu serviço devocional, teus quarenta e nove filhos nasceram ilesos. Agindo como um inimigo, eu os cortei em pedaços, mas, devido ao teu grande serviço devocional, eles não morreram.

VERSO 77: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Diti ficou extremamente satis­feita com o ótimo comportamento de Indra. Então, com profusas reverências, Indra prestou seus respeitos à sua tia e, com a per­missão dela, partiu para os planetas celestiais juntamente com seus irmãos, os Maruts.

VERSO 78: Meu querido rei Parīkṣit, no que se refere especialmente a esta pura e auspiciosa narração sobre os Maruts, respondi tanto quanto possível as perguntas que formulaste. Então, podes fazer outras perguntas, e continuarei explicando.

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