CAPÍTULO SEIS
Prahlāda Instrui Seus Colegas Demoníacos
Este capítulo descreve as instruções de Prahlāda Mahārāja a seus amigos de escola. Ao falar a seus amigos, que eram todos filhos de demônios, Prahlāda Mahārāja enfatizava que, desde o início de sua vida, todo ser vivo, especialmente na sociedade humana, deve interessar-se pela compreensão espiritual. Quando crianças, os seres humanos devem aprender que a Suprema Personalidade de Deus é a Deidade que todos precisam adorar. Ninguém deve se interessar em gozo material; em vez disso, todos devem ficar satisfeitos com os ganhos materiais que podem ser obtidos com facilidade, e, como a duração da vida é muito curta, cada momento deve ser utilizado para o avanço espiritual. Pode-se pensar erroneamente: “No começo de nossa vida, desfrutaremos de confortos materiais e, chegada a velhice, poderemos ser conscientes de Kṛṣṇa.” Semelhantes pensamentos materialistas são sempre inúteis porque, na velhice, ninguém pode ser treinado no processo de seguir a vida espiritual. Portanto, desde o começo da vida, a pessoa deve ocupar-se em serviço devocional (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ). Esse dever é de todas as entidades vivas. A educação material está contaminada pelos três modos da natureza, mas a educação espiritual, que é de extrema necessidade para a sociedade humana, é transcendental. Prahlāda Mahārāja revelou o segredo de que recebera instruções de Nārada Muni. Quem aceita os pés de lótus de Prahlāda Mahārāja, que está na sucessão paramparā, poderá compreender o modo de vida espiritual. Ao aceitar essas atividades; ele não precisa apresentar credenciais materiais.
Após ouvirem Prahlāda Mahārāja, seus colegas lhe perguntaram como ele se tornara tão erudito e avançado. Nessa altura, o capítulo termina.
VERSO 1: Prahlāda Mahārāja disse: Aquele que é bastante inteligente deve, desde o começo de sua vida, saber usar o corpo humano e, então, desde a tenra idade da infância, praticar as atividades do serviço devocional, abandonando todas as outras ocupações. O corpo humano é muito raro de ser obtido, e, embora temporário como os outros corpos, é valioso porque, na vida humana, pode-se executar serviço devocional. Mesmo com um pouco de serviço devocional sincero, a pessoa pode alcançar a perfeição completa.
VERSO 2: A forma de vida humana proporciona a oportunidade de voltarmos ao lar, voltarmos ao Supremo. Portanto, toda entidade viva, especialmente na forma de vida humana, deve ocupar-se em serviço devocional aos pés de lótus do Senhor Viṣṇu. Esse serviço devocional é natural porque o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, é o mais querido, o mestre da alma e o benquerente de todos os outros seres vivos.
VERSO 3: Prahlāda Mahārāja continuou: Meus queridos amigos nascidos de famílias demoníacas, a felicidade que o corpo propicia mediante a intervenção dos sentidos está disponível nas diversas formas de vida obtidas de acordo com as atividades fruitivas passadas. Assim como o sofrimento, tal felicidade surge automaticamente, não sendo necessário que seja buscada.
VERSO 4: Não se deve empreender esforços meramente para se obter gozo dos sentidos ou felicidade material através do desenvolvimento econômico, pois semelhante empenho redunda apenas em desperdício de tempo e de energia, sem nenhum ganho verdadeiro. É certo que quem concentra na consciência de Kṛṣṇa todos os seus esforços alcançará a plataforma espiritual da autorrealização, mas aquele que se ocupa em desenvolvimento econômico não obtém esse benefício.
VERSO 5: Portanto, enquanto está na existência material [bhavam āśritaḥ], alguém que tenha plena competência para distinguir o certo e o errado deve esforçar-se para alcançar a meta mais elevada da vida, aproveitando um corpo forte e vigoroso, que ainda não está sob os efeitos da decrepitude.
VERSO 6: Todo ser humano tem uma vida máxima de cem anos, mas, para aquele que não consegue controlar seus sentidos, metade desses anos se perdem completamente porque, à noite, coberto pela ignorância, ele dorme ao longo de doze horas. Por conseguinte, a vida dessa pessoa dura apenas cinquenta anos.
VERSO 7: Na tenra idade da infância, quando todos estão confusos, passam-se dez anos. De modo semelhante, na juventude, ocupada em esportes e diversões, a pessoa vive outros dez anos. Assim, vinte anos são desperdiçados. E, na velhice, quando está inválida, incapaz de sequer executar atividades materiais, desperdiça outros vinte anos.
VERSO 8: Aquele cuja mente e cujos sentidos estão fora de controle se apega cada vez mais à vida familiar devido a insaciáveis desejos luxuriosos e uma fortíssima ilusão. Na vida dessa pessoa destituída de sanidade, os anos que ainda lhe restam também são desperdiçados porque, mesmo durante esses anos, ela não é capaz de se ocupar em serviço devocional.
VERSO 9: Qual é a pessoa que, estando muito apegada à vida familiar porque não é capaz de controlar seus sentidos, pode libertar-se? Um chefe de família apegado é muito fortemente atado pelas cordas da afeição à sua família [esposa, filhos e outros parentes].
VERSO 10: O dinheiro é tão querido que é considerado mais doce do que o mel. Portanto, quem pode abandonar o desejo de acumular dinheiro, especialmente na vida de casado? Os ladrões, os servos profissionais [os soldados] e os mercadores tentam conseguir dinheiro arriscando inclusive suas próprias vidas, pelas quais têm tanto apreço.
VERSOS 11-13: Como pode abandonar a companhia de sua família uma pessoa que lhe dedica tanta afeição e cujo âmago do coração está sempre repleto das imagens dos membros familiares? Especificamente, a esposa é sempre muito bondosa e compassiva, e procura satisfazer seu esposo em um local solitário. Quem conseguiria abandonar a companhia de uma esposa tão querida e afetuosa? As criancinhas falam em um linguajar entrecortado, muito agradável de se ouvir, e seu afetuoso pai vive pensando em suas doces palavras. Como ele poderia abandonar-lhes a companhia? A pessoa também tem muito carinho por seus pais idosos e pelos seus filhos e filhas. A filha é especialmente muito querida a seu pai e, enquanto está vivendo na casa de seu esposo, ela não lhe sai da mente. Quem conseguiria abandonar essa companhia? Além disso, no convívio em família, a casa é decorada de mobília, e nela há também animais e servos. Quem seria capaz de abandonar tais confortos? Apegado, o chefe de família é como um bicho-da-seda, que constrói um casulo no qual ele próprio fica preso, incapaz de sair dali. Apenas para satisfazer dois importantes sentidos – os órgãos genitais e a língua –, a pessoa fica atada às condições materiais. Como ela pode escapar?
VERSO 14: Aquele que está muito apegado não consegue compreender que, na busca de tentar manter sua família, está desperdiçando sua vida valiosa. Ele também deixa de compreender que o propósito da vida humana, uma vida própria para se entender a Verdade Absoluta, está sendo imperceptivelmente inutilizado. Ele, todavia, é muito arguto e está atento a que nem mesmo um único centavo seja dissipado. Assim, embora esteja sempre experimentando os três sofrimentos, uma pessoa apegada e imersa na existência material não desenvolve aversão à vida material.
VERSO 15: Se alguém muito apegado aos deveres de manter sua família for incapaz de controlar os sentidos, o âmago de seu coração ficará absorto em acumular dinheiro. Embora ele saiba que quem se apossa dos bens alheios será punido pelas leis do governo e, depois da morte, pelas leis de Yamarāja, ele continua enganando os outros para conseguir dinheiro.
VERSO 16: Ó meus amigos, filhos dos demônios! Neste mundo material, mesmo aqueles que aparentemente são avançados em educação têm a propensão a considerar: “Isso é meu, e aquilo é para os outros.” Assim, tal qual gatos e cachorros não educados, eles, estando sob o limitado conceito de vida familiar, estão sempre ocupados em prover suas famílias com os artigos de primeira necessidade. São incapazes de adotar o conhecimento espiritual; em vez disso, ficam confusos e são dominados pela ignorância.
VERSOS 17-18: Meus queridos amigos, ó filhos dos demônios, é incontestável o fato de que, desconhecendo a Suprema Personalidade de Deus, ninguém, em parte alguma, jamais conseguiu libertar-se do cativeiro material. Ao contrário, aqueles que não conhecem o Senhor são atados pelas leis materiais. De fato, eles se entregam ao gozo dos sentidos e têm as mulheres como objetivo. Na verdade, são verdadeiros brinquedos nas mãos de mulheres atraentes. Vítimas dessa concepção de vida, são rodeados por filhos, netos e bisnetos e, dessa maneira, ficam agrilhoados ao cativeiro material. Aqueles que são muito apegados a essa concepção de vida se chamam demônios. Portanto, embora sejais filhos de demônios, mantende-vos afastados dessas pessoas e refugiai-vos em Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, a origem de todos os semideuses, porque, para os devotos de Nārāyaṇa, a meta última é se libertar do cativeiro da existência material.
VERSO 19: Meus queridos filhos de demônios, Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é a Superalma original, o pai de todas as entidades vivas. Em consequência disso, seja uma criança, seja um senhor de idade, nada impede a pessoa de satisfazê-lO ou adorá-lO em quaisquer circunstâncias. A relação entre as entidades vivas e a Suprema Personalidade de Deus é sempre um fato, de modo que não há nenhuma dificuldade em satisfazer o Senhor.
VERSOS 20-23: A Suprema Personalidade de Deus, o controlador supremo, que é infalível e infatigável, está presente nas diversas formas de vida, desde os seres vivos inertes [sthāvara], tais como as plantas, até Brahmā, a principal criatura viva. Ele também Se encontra nas várias categorias de criações materiais e nos elementos materiais, na totalidade da energia material e nos modos da natureza material [sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa], bem como na natureza material imanifesta e no falso ego. Embora único, Ele está presente em toda parte e é, também, a Superalma transcendental, a causa de todas as causas, que, no âmago do coração de todas as entidades vivas, testemunha suas ações. É definido como aquele que é alcançado e como a Superalma onipenetrante, mas, na verdade, Ele não pode ser definido. Ele é imutável e indiviso. Ele é simplesmente percebido como o supremo sac-cid-ānanda [eternidade, conhecimento e bem-aventurança]. Estando o ateísta coberto pela cortina da energia externa, parece-lhe que Ele não existe.
VERSO 24: Portanto, meus queridos amiguinhos nascidos de demônios, por favor, procedei de maneira tal que o Senhor Supremo, que está além da concepção do conhecimento material, fique satisfeito. Abandonai vossa natureza demoníaca e não cultiveis inimizade ou dualidade. Mostrai misericórdia a todas as entidades vivas, iluminando-as no serviço devocional e, dessa maneira, tornando-vos seus benquerentes.
VERSO 25: Nada é inacessível aos devotos que satisfazem a Suprema Personalidade de Deus, o qual é a causa de todas as causas e a fonte que origina tudo. O Senhor é o reservatório de qualidades espirituais ilimitadas. Portanto, qual a vantagem de os devotos que são transcendentais aos modos da natureza material seguirem os princípios da religião, do desenvolvimento econômico, do gozo dos sentidos e da liberação, que são automaticamente obtidos sob a influência dos modos da natureza? Nós, devotos, sempre glorificamos os pés de lótus do Senhor e, portanto, nada precisamos pedir em termos de dharma, kāma, artha e mokṣa.
VERSO 26: Religião, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos são atividades que os Vedas descrevem como tri-varga, ou os três caminhos que levam à salvação. Dentro dessas três categorias, estão a educação e a autorrealização, as cerimônias ritualísticas realizadas de acordo com os preceitos védicos, a lógica, a ciência da lei e da ordem, e os vários meios de subsistência. Esses são os assuntos externos contidos no estudo dos Vedas, e, portanto, eu os considero materiais. Todavia, tomo por transcendental a rendição aos pés de lótus do Senhor Viṣṇu.
VERSO 27: Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, o amigo benquerente de todas as entidades vivas, explicou outrora este conhecimento ao grande sábio Nārada. Quem não receber a misericórdia de uma pessoa santa como Nārada encontrará extrema dificuldade de entender este conhecimento, mas todo aquele que tenha se refugiado na sucessão discipular de Nārada pode compreender este conhecimento confidencial.
VERSO 28: Prahlāda Mahārāja prosseguiu: Recebi este conhecimento do grande santo Nārada Muni, que está sempre ocupado em serviço devocional. Este conhecimento, o qual se chama bhāgavata-dharma, é plenamente científico. Baseia-se na lógica e na filosofia e é livre de toda a contaminação material.
VERSOS 29-30: Os filhos dos demônios responderam: Querido Prahlāda, nem tu nem nós conhecemos outro professor ou mestre espiritual além de Ṣaṇḍa e Amarka, os filhos de Śukrācārya. Afinal, somos crianças, e eles, nossos controladores. Especialmente tu, que sempre ficas confinado no palácio, é muito difícil que te associes com uma grande personalidade. Querido amigo, ó pessoa cortês, explica-nos, por favor, como te foi possível ouvir Nārada? Faze a gentileza de dissipar as dúvidas que temos no tocante a este ponto.