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CAPÍTULO OITENTA

O Brāhmaṇa Sudāmā Visita o Senhor Kṛṣṇa em Dvārakā

Este capítulo narra como o Senhor Kṛṣṇa adorou Seu amigo brāhmaṇa, Sudāmā, que foi a Seu palácio pedir caridade, e como conversaram sobre os passatempos que compartilharam enquan­to viviam no lar de seu mestre espiritual, Sāndīpani Muni.

O brāhmaṇa Sudāmā, amigo pessoal do Senhor Kṛṣṇa, era com­pletamente livre de desejos materiais. Ele mantinha a si e sua esposa com qualquer coisa que viesse até eles naturalmente, em virtude do que o casal era muito pobre. Certo dia, a esposa de Sudāmā, não conse­guindo encontrar nenhum alimento para preparar para seu marido, foi até ele e pediu-lhe que visitasse seu amigo Kṛṣṇa em Dvārakā e es­molasse alguma caridade. Sudāmā relutou em aceitar essa súplica, mas, quando ela insistiu, ele concordou em ir, refletindo que uma oportunidade de ver o Senhor era extremamente auspiciosa. Sua esposa mendigou alguns punhados de arroz em flocos para dar de pre­sente ao Senhor Kṛṣṇa, e Sudāmā partiu para Dvārakā.

Conforme Sudāmā se aproximava do palácio da esposa principal do Senhor Kṛṣṇa, Rukmiṇī-devī, o Senhor o viu de longe. Kṛṣṇa de imediato Se levantou do leito de Rukmiṇī e abraçou Seu amigo com grande alegria. Então, fez Sudāmā sentar-se na cama, lavou-lhe os pés com Suas próprias mãos e borrifou em Sua cabeça a água utilizada. Em seguida, deu-lhe muitos presentes e adorou-o com incenso, lampari­nas etc. Enquanto isso, Rukmiṇī, com uma cauda de iaque, abanava o brāhmaṇa maltrapilho. Todas essas atividades espantaram os resi­dentes do palácio.

O Senhor Śrī Kṛṣṇa, então, segurou a mão de Seu amigo, e os dois se entregaram a reminiscências do que haviam feito juntos muito tempo atrás, enquanto viviam na escola de seu mestre espiritual. Sudāmā ressaltou que Kṛṣṇa Se ocupa no passatempo de adquirir edu­cação somente para proporcionar um bom exemplo à sociedade humana.

VERSO 1: O rei Parīkṣit disse: Meu senhor, ó mestre, desejo ouvir sobre outros audaciosos feitos que a Suprema Personalidade de Deus, Mukunda, cuja audácia é ilimitada, tenha realizado.

VERSO 2: Ó brāhmaṇa, como alguém que conhece a essência da vida e está enojado do esforço pelo gozo dos sentidos poderia perder o interesse pelos assuntos transcendentais relacionados ao Senhor Uttamaḥśloka depois de ouvi-los repetidas vezes?

VERSO 3: Verdadeira fala é a que descreve as qualidades do Senhor, ver­dadeiras mãos são as que trabalham para Ele, verdadeira mente é a que sempre se lembra daquele que habita dentro de todas as coisas móveis e inertes, e verdadeiros ouvidos são aqueles que escutam os santificantes assuntos sobre Ele.

VERSO 4: Verdadeira cabeça é a que se inclina diante do Senhor em Suas manifestações entre as criaturas móveis e inertes, olhos de verda­de são aqueles que veem só o Senhor, e verdadeiros membros cor­póreos são aqueles que honram regularmente a água que banhou os pés do Senhor ou os pés de Seus devotos.

VERSO 5: Sūta Gosvāmī disse: Interrogado assim pelo rei Viṣṇurāta, o poderoso sábio Bādarāyaṇi respondeu, com seu coração plena­mente absorto em meditação na Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva.

VERSO 6: Śukadeva Gosvāmī disse: O Senhor Kṛṣṇa tinha um amigo brāhmaṇa [chamado Sudāmā] que era muito versado no conhe­cimento védico e desapegado de todo o gozo dos sentidos. Além disso, sua mente era tranquila, e seus sentidos, subjugados.

VERSO 7: Vivendo como chefe de família, ele se mantinha com qualquer coisa que viesse espontaneamente. A esposa daquele brāhmaṇa maltrapilho sofria juntamente com ele e estava magra de fome.

VERSO 8: A casta esposa do paupérrimo brāhmaṇa certa vez aproximou-­se dele, com o rosto ressequido por causa de sua aflição. Tremen­do de medo, ela disse o seguinte.

VERSO 9: [A esposa de Sudāmā disse:] Ó brāhmaṇa, não é verdade que o esposo da deusa da fortuna é teu amigo pessoal? Aquele emi­nentíssimo Yādava, o Supremo Senhor Kṛṣṇa, é compassivo com os brāhmaṇas e muito disposto a lhes conceder Seu abrigo.

VERSO 10: Ó afortunado, por favor, aproxima-te dEle, o verdadei­ro abrigo de todos os santos. Ele com certeza dará abundante riqueza a um pai de família sofredor como tu.

VERSO 11: O Senhor Kṛṣṇa agora é o governante dos Bhojas, Vṛṣṇis e Andhakas e vive em Dvārakā. Visto que Ele entrega até mesmo Seu próprio eu a qualquer um que apenas se lembre de Seus pés de lótus, que dúvida há de que Ele, o mestre espiritual do universo, concederá a Seu adorador sincero prosperidade e gozo material, que nem mesmo são muito desejáveis?

VERSOS 12-13: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Depois que sua esposa repeti­damente apresentou-lhe suas súplicas de várias maneiras, o brāhmaṇa pensou consigo mesmo: “Ver o Senhor Kṛṣṇa é de fato a realização máxima da vida.” Então, ele decidiu ir, mas antes disse-lhe: “Minha boa esposa, se houver algo em casa que eu possa levar como presente, por favor, dá-me tal coisa.”

VERSO 14: A esposa de Sudāmā mendigou quatro punhados de arroz em flocos aos brāhmaṇas vizinhos, embrulhou o arroz em um peda­ço de tecido e deu-o a seu marido como presente para o Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 15: Levando consigo o arroz em flocos, o santo brāhmaṇa partiu para Dvārakā, pensando a todo instante: “Como conseguirei uma au­diência com Kṛṣṇa?”

VERSOS 16-17: O erudito brāhmaṇa, acompanhado de alguns brāhmaṇas lo­cais, cruzou três postos de guardas e três portais, após o que passou pelas casas dos Andhakas e Vṛṣṇis, fiéis devotos do Senhor Kṛṣṇa, algo que em situações comuns ninguém conseguiria fazer. Então, entrou em um dos opulentos palácios pertencentes às dezes­seis mil rainhas do Senhor Hari e, ao fazer isso, sentiu como se estivesse alcançando a bem-aventurança da liberação.

VERSO 18: Naquele momento, o Senhor Acyuta estava sentado no leito de Sua consorte. Vendo o brāhmaṇa a alguma distância, o Senhor imediatamente Se levantou, foi ao encontro dele e, com grande prazer, abraçou-o.

VERSO 19: O Supremo Senhor de olhos de lótus sentiu intenso êxtase ao tocar o corpo de Seu caro amigo, o sábio brāhmaṇa, motivo pelo qual derramou lágrimas de amor.

VERSOS 20-22: O Senhor Kṛṣṇa fez Seu amigo Sudāmā sentar-se na cama. Então, o próprio Senhor, que purifica o mundo inteiro, ofereceu-lhe vários artigos em sinal de respeito e lavou-lhe os pés, ó rei, depois do que borrifou a água em Sua própria cabeça. Em segui­da, ungiu-o com pastas de sândalo, aguru e kuṅkuma, que tinham fragrância divina, e então, pleno de alegria, adorou-o com incenso aro­mático e muitas lamparinas. Depois de presenteá-lo com noz de bétel e uma vaca, Ele o acolheu com palavras agradáveis.

VERSO 23: Abanando-o com seu cāmara, a divina deusa da fortuna em pessoa serviu aquele pobre brāhmaṇa, cuja roupa estava rasgada e suja e que era tão magro que suas veias se tornavam visíveis em todo o corpo.

VERSO 24: As pessoas no palácio real surpreenderam-se ao verem Kṛṣṇa, o Senhor de glória imaculada, honrar com tanta afeição esse brāhmaṇa de vestes pobres.

VERSOS 25-26: [Os residentes do palácio disseram:] Que atos piedosos fez este brāhmaṇa pobre e maltrapilho? As pessoas consideram-no infe­rior e desprezível, mas o mestre espiritual dos três mundos, a morada da deusa Śrī, serve-o reverentemente. Deixando a deusa da fortuna sentada em seu leito, o Senhor abraçou esse brāhmaṇa como se fosse um irmão mais velho.

VERSO 27: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Segurando as mãos um do outro, ó rei, Kṛṣṇa e Sudāmā se deleitaram conversando sobre como eles, durante certo tempo, viveram juntos na escola de seu guru.

VERSO 28: O Senhor Supremo disse: Meu querido brāhmaṇa, conheces bem os preceitos do dharma. Depois que deste uma remuneração de presente a nosso guru e voltaste da escola dele para casa, tu te casaste com uma esposa compatível ou não?

VERSO 29: Muito embora estejas a maior parte do tempo envolvido nos assuntos familiares, tua mente não se deixa afetar por desejos materiais. Tampouco, ó erudito, sentes muito prazer na busca da riqueza material. Acerca disso estou bem informado.

VERSO 30: Tendo renunciado a todas as propensões materiais, que surgem da energia ilusória do Senhor, alguns homens executam deveres terrenos sem que suas mentes se perturbem com desejos munda­nos. Eles agem como Eu, para instruir a população em geral.

VERSO 31: Meu querido brāhmaṇa, lembras como vivíamos juntos na escola de nosso mestre espiritual? Depois que um estudante duas vezes nascido aprendeu com seu guru tudo o que deve ser apren­dido, ele pode desfrutar a vida espiritual, que se encontra além de toda a ignorância.

VERSO 32: Meu caro amigo, aquele que concede à pessoa seu nascimento físico é seu primeiro mestre espiritual, e aquele que o inicia como um brāhmaṇa duas vezes nascido e o ocupa em deveres religiosos é, em verdade, mais diretamente seu mestre espiritual. Mas quem proporciona conhecimento transcendental aos membros de todas as ordens espirituais da sociedade é o mestre espiritual supremo. De fato, ele se encontra no mesmo nível que Eu.

VERSO 33: Decerto, ó brāhmaṇa, de todos os seguidores do sistema varṇāś­rama, aqueles que tiram proveito das palavras que falo através de Minha forma como o mestre espiritual e assim atravessam facilmente o oceano da existência material, são os que compreen­dem melhor qual é o seu verdadeiro bem-estar pessoal.

VERSO 34: Eu, a Alma de todos os seres, não fico tão satisfeito com a ado­ração ritualística, a iniciação bramânica, as penitências ou a auto­disciplina quanto com o serviço fiel prestado ao mestre espiritual.

VERSOS 35-36: Ó brāhmaṇa, tu te lembras do que nos aconteceu enquanto morávamos com nosso mestre espiritual? Certa vez, a esposa de nosso guru mandou-nos buscar lenha, e, depois que entramos na vasta floresta, ó duas vezes nascido, ocorreu uma tempestade fora de estação, com vento e chuva violentos e trovões assustadores.

VERSO 37: Então, quando o Sol se pôs, a floresta cobriu-se de escuridão em todas as direções, e, com todo o dilúvio, não podíamos distin­guir a terra alta da baixa.

VERSO 38: Constantemente assediados pelo vento e chuva poderosos, per­demo-nos entre as águas da enxurrada. Então, apenas seguramos as mãos um do outro e, com grande aflição, vagamos sem rumo pela floresta.

VERSO 39: Nosso guru, Sāndīpani, compreendendo que estávamos em apu­ros, saiu depois do nascer do Sol a nossa procura, e encontrou-nos aflitos.

VERSO 40: [Sāndīpani disse:] Ó meus filhos, sofrestes tanto por minha causa! O corpo é muito querido a toda criatura viva, mas sois tão dedicados a mim que desconsiderastes por completo vosso próprio conforto.

VERSO 41: Este é de fato o dever de todos os verdadeiros discípulos: pagar a dívida que têm para com o mestre espiritual oferecendo-lhe, com o coração puro, sua riqueza e até mesmo suas próprias vidas.

VERSO 42: Vós, meninos, sois brāhmaṇas de primeira classe, e estou satis­feito convosco. Que todos os vossos desejos se realizem, e que os mantras védicos que aprendestes jamais percam o sentido para vós, neste ou no outro mundo.

VERSO 43: [O Senhor Kṛṣṇa continuou:] Tivemos muitas experiências se­melhantes enquanto morávamos no lar de nosso mestre espiritual. É só pela graça do mestre espiritual que alguém pode realizar o objetivo da vida e alcançar a paz eterna.

VERSO 44: O brāhmaṇa disse: O que eu poderia ter deixado de con­seguir, ó Senhor dos senhores, ó mestre espiritual, cujos desejos todos se realizam, já que pude viver pessoalmente conTigo na casa de nosso mestre espiritual?

VERSO 45: Ó Senhor onipotente, Teu corpo abarca a Verdade Absoluta sob a forma dos Vedas e é, por isso, a fonte de todas as metas auspiciosas da vida. O fato de teres residido na escola de um mestre espiritual não passa de um de Teus passatempos no qual encenas o papel de um ser humano.

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