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Capítulo Doze

A Morte Gloriosa de Vṛtrāsura

Este capítulo descreve como, depois de muita relutância, Indra, o rei dos céus, matou Vṛtrāsura.

Depois que acabou seu colóquio, Vṛtrāsura, com muita ira, arremessou seu tridente contra o rei Indra, mas este, utilizando-se de seu raio, que era muitas vezes mais poderoso do que o tridente, despe­daçou o tridente e decepou um dos braços de Vṛtrāsura. Entretan­to, Vṛtrāsura usou de seu braço restante para golpear Indra com uma maça de ferro, fazendo com que o raio caísse da mão de Indra. Indra, ficando muito envergonhado diante disso, não recolheu o raio que estava no chão, mas Vṛtrāsura motivou Indra a apanhá-lo e lutar. Vṛtrāsura falou, então, ao rei Indra o seguinte, dando-lhe instruções muito pertinentes.

“A Suprema Personalidade de Deus”, disse ele, “é a causa da vitória e da derrota. Como não sabem que o Senhor Supremo é a causa de todas as causas, os tolos e patifes tentam assumir para si o mérito da vitória ou da derrota, quando, de fato, tudo está sob o controle do Senhor. Ele, e mais ninguém, é independente. O pu­ruṣa (o desfrutador) e prakṛti (o desfrutado) estão sob o controle do Senhor, pois é sob Sua supervisão que tudo funciona sistematicamente. Não vendo a mão do Supremo presente em todas as ações, o tolo se considera o governante e controlador de tudo. No entan­to, ao entender que o verdadeiro controlador é a Suprema Persona­lidade de Deus, a pessoa se livra das relatividades do mundo, tais como aflição, felicidade, medo e impureza.” Assim, Indra e Vṛtrāsura não apenas lutaram, mas também se ocuparam em preleções filosóficas. Em seguida, recomeçaram a lutar.

Dessa vez, Indra foi mais poderoso, e decepou o outro braço de Vṛtrāsura. Vṛtrāsura assumiu, então, uma forma gigantesca e en­goliu o rei Indra, mas Indra, estando protegido pelo talismã conhe­cido como Nārāyaṇa-kavaca, foi capaz de se proteger mesmo dentro do corpo de Vṛtrāsura. Assim, ele emergiu do abdômen de Vṛtrāsura e, com seu raio poderoso, decapitou o demônio, apesar de isso ter exigido todo um ano de trabalho para se concluir.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Desejando abandonar seu corpo, Vṛtrāsura considerava a morte na batalha preferível à vitória. Ó rei Parīkṣit, ele decidiu empunhar seu tridente e, com grande força, atacou o senhor Indra, o rei dos céus, assim como Kaiṭabha havia atacado energicamente a Suprema Personalidade de Deus durante a inundação do universo.

VERSO 2: Em seguida, Vṛtrāsura, o grande herói dos demônios, girou o seu tridente, cujas pontas pareciam as chamas do fogo abrasador presente no fim do milênio. Com grande força e ira, arrojou-o contra Indra, rugindo e exclamando muito alto: “Ó criatura pecaminosa, morre agora!”

VERSO 3: Voando no céu, o tridente de Vṛtrāsura parecia um meteoro brilhante. Embora fosse difícil olhar para a arma incandescente, o rei Indra, sem medo nenhum, despedaçou-a com seu raio. Ao mesmo tempo, decepou um dos braços de Vṛtrāsura, que era tão espesso como o corpo de Vāsuki, o rei das serpentes.

VERSO 4: Embora um de seus braços tivesse sido amputado de seu corpo, Vṛtrāsura iradamente se aproximou do rei Indra e desfechou-lhe na mandíbula um golpe com uma maça de ferro. Ele também golpeou o elefante que carregava Indra. Assim, Indra deixou que o raio caísse de sua mão.

VERSO 5: Os cidadãos de vários planetas, tais como os semideuses, os demônios, os Cāraṇas e os Siddhas, louvaram o feito de Vṛtrāsura, mas, ao observarem que Indra estava em grande perigo, lamentaram-se: “Que horror! Que horror!”

VERSO 6: Tendo deixado o raio cair de sua mão na presença de seu inimigo, Indra estava praticamente derrotado e ficou muitíssimo envergonha­do. Faltava-lhe coragem para empunhar mais uma vez sua arma. Vṛtrāsura, entretanto, incentivou-o dizendo: “Pega o teu raio e mata o teu inimigo. Não é hora de ficares te lamentando do teu destino.”

VERSO 7: Vṛtrāsura continuou: Ó Indra, somente o desfrutador original, a Suprema Personalidade de Deus, Bhagavān, tem a garantia de ser sempre vitorioso. Nenhuma outra pessoa goza desse privilégio. Afinal, Ele é a causa da criação, manutenção e aniquilação, e Ele tudo conhece. Sendo dependentes e obrigados a aceitar corpos materiais, os beligerantes subordinados ora são vitoriosos, ora são derrotados.

VERSO 8: Todos os seres vivos em todos os planetas deste universo, incluin­do as deidades que presidem todos os planetas, estão sob o com­pleto controle do Senhor. Eles agem como pássaros apanhados em uma rede, que não podem se mover de maneira independente.

VERSO 9: Nossa aptidão sensória, poder mental, força física, força viva, imortalidade ou mortalidade estão todos sujeitos à superintendência da Suprema Personalidade de Deus. Como não sabem disso, os tolos pensam que o corpo material bruto é a causa de suas atividades.

VERSO 10: Ó rei Indra, assim como um boneco de madeira que parece uma mulher, ou assim como um animal feito de gramas e folhas não podem mover-se ou dançar de maneira independente, mas estão sob com­pleta dependência da pessoa que os maneja, todos nós dançamos de acordo com o desejo do controlador Supremo, a Personalidade de Deus. Ninguém é independente.

VERSO 11: Os três puruṣas – Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu –, a natureza material, a totalidade da ener­gia material, o falso ego, os cinco elementos materiais, os sentidos materiais, a mente, a inteligência e a consciência não podem criar a manifestação material sem a direção da Suprema Personalidade de Deus.

VERSO 12: Quem é tolo e insensato não pode compreender a Suprema Personalidade de Deus. Embora sempre dependente, ele falsamente se julga o Supremo. Se alguém pensa: “De acordo com as ações fruitivas anteriores, o corpo material é criado pelo pai e pela mãe, e o mesmo corpo é aniquilado por outro agente, assim como um animal é devorado por um tigre”, esta compreensão é incongruente. Através de outros seres vivos, a própria Suprema Personalidade de Deus cria e devora os seres vivos.

VERSO 13: Alguém que não quer morrer tem que abandonar sua longevidade, opulência, fama e tudo o mais quando chegado o momento; do mesmo modo, na hora designada para a vitória, podem-se ganhar todas essas coisas quando, por Sua misericórdia, o Senhor Supremo concedê-las.

VERSO 14: Já que tudo depende da vontade suprema da Personalidade de Deus, devemos ser equânimes na fama ou na difamação, na vitória ou na derrota, na vida ou na morte. E, então, na felicidade ou infelicidade decorrentes, devemos manter-nos em equilíbrio e livres de ansiedade.

VERSO 15: Aquele que sabe que as três qualidades – bondade, paixão e ignorância – não são qualidades da alma, mas qualidades da natureza material, e que sabe que a alma pura é um simples observador das ações e reações dessas qualidades, deve ser tido como liberado. Ele não está atado a essas qualidades.

VERSO 16: Ó meu inimigo, peço-te apenas que olhes para mim. Já fui derrotado, pois minha arma e meu braço foram despedaçados. Já me dominaste, mas, como desejo matar-te, estou tentando lutar da melhor maneira que me é possível. Não estou nada melancólico, mesmo nestas condições adversas. Portanto, acaba com essa tua tris­teza e continua a lutar.

VERSO 17: Ó meu inimigo, considera esta batalha como um jogo de azar no qual nossa vida é a aposta, as flechas são os dados, e os animais que agem como carregadores são o tabuleiro. Ninguém pode adivinhar quem sairá derrotado e quem sairá vitorioso. Tudo isso depen­de da providência.

VERSO 18: Śukadeva Gosvāmī disse: Ouvindo as palavras francas e instruti­vas pronunciadas por Vṛtrāsura, o rei Indra o louvou e novamente tomou o raio em sua mão. Então, sem desorientação ou duplicidade, ele sorriu e falou o seguinte a Vṛtrāsura.

VERSO 19: Indra disse: Ó grande demônio, analisando teu discernimento e a tua tenacidade no serviço devocional, vejo que, apesar de tua posição melindrosa, és um devoto perfeito da Suprema Personalidade de Deus, a Superalma e amigo de todos.

VERSO 20: Sobrepujaste a energia ilusória do Senhor Viṣṇu e, devido a essa liberação, abandonaste a mentalidade demoníaca e alcançaste a ele­vada posição de um devoto.

VERSO 21: Ó Vṛtrāsura, de um modo geral, os demônios são conduzidos pelo modo da paixão. Portanto, quão surpreendente é que, embora sejas um demônio, tenhas adotado a mentalidade de um devoto, e tenhas fixado tua mente na Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva, que sempre está situado em bondade pura.

VERSO 22: Quem é fixo no serviço devocional ao Senhor Supremo, Hari, o Senhor da prosperidade suprema, nada no oceano de néctar. Para ele, que utilidade tem a água de pequenas poças?

VERSO 23: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Mesmo no campo de batalha, Vṛtrāsura e o rei Indra falaram sobre o serviço devocional, e depois, por uma questão de dever, recomeçaram a luta. Meu querido rei, ambos eram grandes lutadores e tinham poderes iguais.

VERSO 24: Ó Mahārāja Parīkṣit, Vṛtrāsura, que tinha toda a capacidade para subjugar seu inimigo, pegou de sua maça de ferro, girou a mesma e, após apontá-la para Indra, arremessou-a contra ele com sua mão esquerda.

VERSO 25: Com seu raio chamado Śataparvan, Indra, de um só golpe, despedaçou a maça e a mão esquerda de Vṛtrāsura.

VERSO 26: Vṛtrāsura, sangrando profusamente, com os dois braços cortados pela raiz, parecia muito belo, lembrando uma montanha voadora cujas asas foram despedaçadas por Indra.

VERSOS 27-29: Vṛtrāsura era muito poderoso em força e influência físicas. Ele colocou sua mandíbula no chão e seu maxilar no céu. Sua boca se tornou muito profunda, como o próprio céu, e sua língua parecia uma grande serpente. Com seus dentes medonhos e mortais, parecia tentar devorar todo o universo. Assumindo, assim, um corpo gigantesco, o grande demônio Vṛtrāsura fez estremecer até mesmo as monta­nhas e começou a esmagar a superfície da Terra com seus pés, como se ele fosse os Himalaias em marcha. Colocou-se diante de Indra e o engoliu, junto de Airāvata, seu carregador, assim como um píton enorme pode engolir um elefante.

VERSO 30: Quando os semideuses, juntamente com Brahmā, outros prajāpatis e outras grandes pessoas santas, viram que Indra fora engolido pelo demônio, ficaram muito taciturnos. “Que terrível!”, lamenta­ram-se eles. “Que calamidade! Que calamidade!”

VERSO 31: O escudo de Nārāyaṇa, o qual estava em poder de Indra, era idên­tico ao próprio Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Pro­tegido por esse escudo e pelo seu próprio poder místico, o rei Indra, embora tivesse sido engolido por Vṛtrāsura, não morreu dentro do ventre do demônio.

VERSO 32: Com o seu raio, o rei Indra, que também era extremamente pode­roso, trespassou o abdômen de Vṛtrāsura e escapuliu para o ambiente externo. Então, Indra, o matador do demônio Bala, cortou imediatamente a cabeça de Vṛtrāsura, a qual era tão grande como o pico de uma montanha.

VERSO 33: Embora o raio girasse em torno do pescoço de Vṛtrāsura com muita velocidade, para separar do corpo a sua cabeça foi preciso um ano completo – 360 dias, o tempo em que o Sol, a Lua e outros luzeiros completam uma jornada setentrional e meridional. Depois, chegado o devido momento de Vṛtrāsura ser morto, sua cabeça caiu ao chão.

 VERSO 34: Quando Vṛtrāsura foi morto, os Gandharvas e os Siddhas nos pla­netas celestiais, em júbilo, tocaram timbales. Com hinos védicos, celebraram a proeza de Indra, aquele que matou Vṛtrāsura, louvando Indra e, com grande prazer, jogando sobre ele uma chuva de flores.

VERSO 35: Ó rei Parīkṣit, subjugador dos inimigos, a centelha viva saiu, então, do corpo de Vṛtrāsura e regressou ao lar, regressou ao Supremo. Enquanto todos os semideuses observavam, ela entrou no mundo transcendental para se tornar um associado do Senhor Saṅkarṣaṇa.

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