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CAPÍTULO DOZE

As Quatro Classes Espirituais de uma Sociedade Perfeita

Este capítulo descreve especificamente o brahmacārī e a pessoa na fase de vānaprastha, e também faz uma descrição geral dos quatro āśramas – brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. No capítulo anterior, o grande sábio Nārada Muni descreveu a sociedade de acordo com os varṇas, e agora, neste capítulo, passará a descrever as fases de avanço espiritual nos quatro āśramas, os quais são conhecidos como brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa.

O brahmacārī deve viver sob o cuidado do mestre espiritual verdadeiro, oferecendo-lhe sinceros respeitos e reverências, agindo como seu servo humilde e sempre cumprindo a sua ordem. O brahmacārī, estando sob a orientação do mestre espiritual, deve ocupar-se em atividades espirituais e estudar a literatura védica. De acordo com o sistema brahmacarya, ele deve vestir-se com um cinto, pele de veado, usar o cabelo emaranhado e carregar uma daṇḍa, cântaro e ter um cordão sagrado. Todos os dias, ele deve pedir doações durante a manhã e, ao entardecer, deve oferecer ao mestre espiritual todas as doações coletadas. O brahmacārī deve aceitar prasāda após a ordem do mestre espiritual e, se acaso o mestre espiritual se esquecer de mandar o discípulo comer, este não deve comer prasāda por sua própria iniciativa; em vez disso, deve jejuar. O brahmacārī deve aprender a se satisfazer comendo apenas o que for absolutamente necessário, deve ser muito hábil em executar suas responsabilidades, deve ser fiel e deve controlar os sentidos e, tanto quanto possível, procurar evitar a associação com mulheres. O brahmacārī deve abster-se muito estritamente do convívio com mulheres e não deve fazer companhia a gṛhasthas e a pessoas muito apegadas a mulheres. Tampouco o brahmacārī deve falar com uma mulher a sós.

Após completar essa sua educação de brahmacārī, ele deve ofertar a dakṣiṇā, uma oferenda de gratidão, a seu guru, após o que pode partir para o lar e aceitar o āśrama seguinte, o gṛhastha-āśrama, ou pode inclusive continuar sistematicamente no brahmacarya-āśrama. Os deveres do gṛhastha-āśrama e do brahmacarya-āśrama, assim como os deveres dos sannyāsīs, são prescritos nos śāstras. O gṛhastha não deve desfrutar de vida sexual irrestrita. Na verdade, todo o propósito da vida védica consiste em a pessoa se libertar do gozo sexual. Todos os āśramas são estruturados para propiciar progresso espiritual, de modo que, embora conceda um tipo de licença para a vida sexual por um certo período, o gṛhastha-āśrama não permite o sexo irrestrito. Por conseguinte, nem mesmo na vida de gṛhastha há sexo ilícito. O gṛhastha não deve aceitar uma mulher a fim de desfrutar de sexo. Desperdiçar sêmen também é sexo ilícito.

Após o gṛhastha-āśrama, há outro āśrama, conhecido como vānaprastha, o qual se situa entre o gṛhastha e o sannyāsa. Na ordem de vānaprastha, restringe-se o consumo de grãos alimentícios e se proíbe comer frutas que não amadureceram na árvore. Tampouco deve a pessoa cozinhar alimentos no fogo, embora tenha permissão para comer caru, cereais que foram oferecidos no fogo do sacrifício. Também pode comer frutas e cereais crus. Vivendo em uma cabana de sapé, o vānaprastha deve suportar toda espécie de frio e calor. Ele não deve cortar as unhas e o cabelo, e deve deixar de lavar o corpo e higienizar os dentes. Deve vestir-se com casca de árvores, aceitar uma daṇḍa e se acostumar a viver na floresta, fazendo o voto de nela morar durante doze anos, oito anos, quatro anos, dois anos ou pelo menos um ano. Por fim, quando a velhice o impedir de continuar executando as atividades de vānaprastha, ele deve, aos poucos, cessar tudo e, dessa maneira, abandonar o corpo.

VERSO 1: Nārada Muni disse: O estudante deve praticar o completo controle dos sentidos. Deve ser submisso e cultivar uma atitude de firme amizade pelo mestre espiritual. Cumprindo um grande voto, o brahmacārī deve viver no gurukula, pensando apenas no benefício do guru.

VERSO 2: Tanto no crepúsculo matutino quanto no vespertino, de manhã e à tardinha, ele deve absorver-se em pensar por completo no mestre espiritual, no fogo, no deus do Sol e no Senhor Viṣṇu e, cantando o mantra Gāyatrī, deve adorá-los.

VERSO 3: Sendo convocado pelo mestre espiritual, o aluno deve estudar os mantras védicos regularmente. Todos os dias, antes de começar seus estudos e após concluí-los, o discípulo deve prestar respeitosas reverências ao mestre espiritual.

VERSO 4: Carregando em sua mão grama kuśa pura, o brahmacārī deve vestir-se regularmente com um cinto de palha e com trajes de pele de veado. Ele deve usar o cabelo emaranhado, levar consigo um bastão, um cântaro e se decorar com um cordão sagrado, como recomendam os śāstras.

VERSO 5: O brahmacārī deve sair pela manhã e à tarde para coletar doações, e tudo o que coleta deve oferecer ao mestre espiritual. Deve comer apenas se o mestre espiritual mandá-lo aceitar alimentos; caso contrário, se o mestre espiritual não lhe der essa ordem, deverá jejuar.

VERSO 6: O brahmacārī deve ter um ótimo comportamento, ser cortês e não deve comer nem coletar mais do que o necessário. Deve ser sempre ativo e hábil, acreditando plenamente nas instruções do mestre espiritual e dos śāstras. Tendo completo controle dos sentidos, apenas quando for necessário é que ele deve associar-se com mulheres ou com aqueles que são controlados por mulheres.

VERSO 7: O brahmacārī, ou alguém que não aceitou o gṛhastha-āśrama [vida familiar], tem que estritamente evitar falar com mulheres ou comentar a respeito delas, pois os sentidos são tão poderosos que podem agitar até mesmo a mente de um sannyāsī, alguém que está na ordem de vida renunciada.

VERSO 8: Se a esposa do mestre espiritual for jovem, um brahmacārī moço não deve permitir-lhe cuidar de seu cabelo, massagear seu corpo com óleo ou banhá-lo com afeição, como uma mãe.

VERSO 9: A mulher é comparada ao fogo, e o homem, a um pote de manteiga. Portanto, todo homem deve evitar ir a algum lugar recluso para se associar com uma mulher, mesmo que seja sua própria filha. Da mesma forma, ele também deve evitar a associação com outras mulheres. A pessoa deve associar-se com mulheres somente quando for preciso solucionar algum problema importante, e em nenhuma outra circunstância.

VERSO 10: Enquanto não for inteiramente autorrealizado – enquanto não se tornar independente do falso conceito que o induz a se identificar com o corpo, o qual não passa de um reflexo do corpo e sentidos originais –, o ser vivo não se libertará do conceito de dualidade, o qual é sintetizado pela dualidade entre homem e mulher. Portanto, porque sua inteligência se confunde, há toda a possibilidade de que ele venha a cair.

VERSO 11: Todas as regras e regulações se aplicam tanto ao chefe de família quanto ao sannyāsī, alguém que está na ordem de vida renunciada. Contudo, o gṛhastha recebe do mestre espiritual a permissão para praticar sexo durante o período favorável à procriação.

VERSO 12: Os brahmacārīs ou os gṛhasthas que aceitaram o voto de celibato acima descrito não devem praticar o seguinte: aplicar pó ou unguento nos olhos, massagear a cabeça com óleo, massagear o corpo com as mãos, ver uma mulher ou pintar uma estampa de mulher, comer carne, beber vinho, decorar o corpo com uma guirlanda de flores, untar o corpo com bálsamo ou usar ornamentos no corpo. Eles devem abandonar tudo isso.

VERSOS 13-14: De acordo com as regras e regulações acima mencionadas, quem for duas vezes nascido, a saber, brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya, deverá residir no gurukula e ficar aos cuidados do mestre espiritual. Ali, de acordo com a sua habilidade e poder de estudo, deverá estudar e aprender todos os textos védicos, juntamente com seus suplementos e as Upaniṣads. Se possível, o estudante ou discípulo deve recompensar o mestre espiritual com a remuneração por esse estipulada e, então, seguindo a ordem do mestre espiritual, o discípulo deve partir e aceitar um dos outros āśramas – gṛhastha-āśrama, vānaprastha-āśrama ou sannyāsa-āśrama – que ele desejar.

VERSO 15: A pessoa deve compreender que, no fogo, no mestre espiritual, nela própria e em todas as entidades vivas – em todas as circunstâncias e condições –, Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, entrou e não entrou ao mesmo tempo. Ele está situado externa e internamente como o pleno controlador de tudo.

VERSO 16: Mediante essa prática, quer alguém esteja no brahmacarya-āśrama, gṛhastha-āśrama, vānaprastha-āśrama ou sannyāsa-āśrama, ele deve sempre depreender a presença onipenetrante do Senhor Supremo, pois, dessa maneira, é possível entender a Verdade Absoluta.

VERSO 17: Ó rei, passarei, então, a descrever as qualificações do vānaprastha, aquele que se retirou da vida familiar. Seguindo estritamente as regras e regulações de vānaprastha, a pessoa não encontrará dificuldade alguma em se elevar ao sistema planetário superior conhecido como Maharloka.

VERSO 18: Na vida de vānaprastha, não se devem comer cereais que germinaram através do cultivo dos campos. Também não se devem comer cereais que, embora tenham germinado sem o cultivo do campo, ainda não estão plenamente maduros. Tampouco o vānaprastha deve comer cereais cozidos no fogo. Na verdade, ele deve comer apenas frutas amadurecidas pela ação do brilho solar.

VERSO 19: O vānaprastha deve preparar bolos para serem oferecidos em sacrifício a partir de frutas e cereais naturalmente crescidos na floresta. Ao obter alguns cereais novos, ele deve desfazer-se do seu estoque de cereais velhos.

VERSO 20: O vānaprastha deve preparar uma cabana de sapé ou se refugiar na caverna de uma montanha somente para manter aceso o fogo sagrado, mas deve pessoalmente aprender a tolerar a neve, o vento, o fogo, a chuva e os raios solares.

VERSO 21: O vānaprastha deve emaranhar seus cabelos e deixar crescerem os pelos do corpo, as unhas e o bigode. Ele não deve tirar a poeira do seu corpo. Deve portar um cântaro, pele de veado e um bastão, cobrir-se com casca de árvore e usar roupas da cor do fogo.

VERSO 22: Sendo muito introspectivo, o vānaprastha deve permanecer na floresta por doze anos, oito anos, quatro anos, dois anos ou pelo menos um ano. Deve portar-se de maneira tal que nem mesmo a austeridade em demasia consiga perturbá-lo ou incomodá-lo.

VERSO 23: Quando, em razão de doenças ou velhice, a pessoa for incapaz de realizar seus deveres prescritos para o avanço em consciência espiritual ou o estudo dos Vedas, a pessoa deverá submeter-se ao jejum, recusando qualquer alimento.

VERSO 24: O elemento fogo ela deve colocar apropriadamente em seu próprio eu e, dessa maneira, abandonar a afinidade corpórea, através da qual alguém pensa que o corpo é o próprio eu ou algo que lhe pertence. E deve gradualmente fundir o corpo material nos cinco elementos [terra, água, fogo, ar e céu].

VERSO 25: Uma pessoa sóbria e autorrealizada, que tem conhecimento pleno, deve imergir as várias partes do corpo em suas fontes originais. Os orifícios do corpo são causados pelo céu, o processo da respiração é causado pelo ar, o calor do corpo é causado pelo fogo, e o sêmen, o sangue e o muco são causados pela água. As substâncias duras, tais como a pele, o músculo e o osso, são causadas pela terra. Dessa maneira, todos os constituintes do corpo são causados por vários elementos e devem voltar a se fundir nesses elementos.

VERSOS 26-28: Em seguida, a pessoa deve oferecer ao fogo o objeto da fala, juntamente com o órgão da fala [a língua]. A habilidade profissional e as duas mãos devem ser entregues ao semideus Indra. O poder de se locomover e as pernas devem ser entregues ao Senhor Viṣṇu. Deve-se entregar ao Prajāpati o prazer sensual, juntamente com os órgãos genitais. O reto, com o poder da evacuação, deve, no local conveniente, ser entregue a Mṛtyu. O instrumento auditivo, juntamente com a vibração sonora, deve ser dado às deidades que presidem as direções. O instrumento do tato, juntamente com os objetos sensoriais táteis, deve ser dado a Vāyu. A forma, com o poder da visão, deve ser oferecido ao Sol. A língua, juntamente com o semideus Varuṇa, deve ser oferecida à água, e o poder do olfato, juntamente com os dois semideuses Aśvinī-kumāras, deve ser entregue à Terra.

VERSOS 29-30: A mente e todos os desejos materiais devem ser imersos no semideus da Lua. Todos os temas da inteligência, acompanhados da própria inteligência, devem ser colocados no senhor Brahmā. O falso ego, que está sob a influência dos modos da natureza material e que induz alguém a pensar: “Eu sou este corpo, e tudo o que está relacionado com este corpo é meu”, deve, juntamente com as atividades materiais, ser imerso em Rudra, a deidade que predomina o falso ego. A consciência material, juntamente com a meta do pensamento, deve ser imersa no ser vivo individual, e os semideuses que agem sob os modos da natureza material devem, juntamente com o ser vivo pervertido, serem imersos no Ser Supremo. A terra deve ser imersa na água, a água no brilho solar, esse brilho no ar, o ar no céu, o céu no falso ego, o falso ego na totalidade da energia material, a totalidade da energia material nos ingredientes imanifestos [o aspecto pradhāna da energia material] e, por fim, o aspecto ingrediente da manifestação material deve ser imerso na Superalma.

VERSO 31: Quando todas as designações materiais estiverem assim imersas em seus respectivos elementos materiais, os seres vivos, que, em última análise, são todos inteiramente espirituais, pois têm as mesmas qualidades do Ser Supremo, devem extinguir a existência material, assim como as chamas se extinguem quando é consumida a madeira em que elas queimam. Quando o corpo material se decompõe em seus vários elementos materiais, resta apenas o ser espiritual. Esse ser espiritual, Brahman, tem as mesmas qualidades do Parabrahman.

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