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Capítulo Dezesseis

O Rei Citraketu Encontra-se com o Senhor Supremo

Como se relata neste capítulo, Citraketu foi capaz de falar com seu filho morto e ouvi-lo discorrer sobre a verdade da vida. Quando Citraketu ficou apaziguado, o grande sábio Nārada lhe deu um mantra, e, cantando aquele mantra, Citraketu encontrou refúgio aos pés de lótus de Saṅkarṣaṇa.

A entidade viva é eterna. Portanto, não nasce nem morre (na hanyate hanyamāne śarīre). De acordo com as reações das ativida­des fruitivas, obtém-se nascimento em várias espécies de vida entre pássaros, animais selvagens, árvores, seres humanos, semideuses e assim por diante, mudando, então, de um corpo a outro. Por um certo período, alguém recebe uma determinada espécie de corpo e, em uma relação infundada, age como filho ou pai. Neste mundo material, todas as relações mantidas com amigos, parentes ou inimigos consistem em dualidade, na qual, baseados na ilusão, sentimo-nos felizes ou infelizes. A entidade viva é realmente uma alma espiritual parte integrante de Deus e que nada tem a ver com as relações no mundo de dualidade. Portanto, Nārada Muni acon­selhou Citraketu a não se lamentar por aquele que estava ali fazendo as vezes de seu filho morto.

Após ouvirem as instruções de seu filho morto, Citraketu e sua esposa puderam entender que todas as relações neste mundo mate­rial são causas de sofrimento. As rainhas que ministraram veneno ao filho de Kṛtadyuti ficaram muitíssimo envergonhadas. Elas expiaram seu ato pecaminoso de matar a criança e abandonaram suas aspira­ções a ter filhos. Em seguida, Nārada Muni cantou orações em louvor a Nārāyaṇa, que existe como catur-vyūha, e instruiu Citraketu transmitindo-lhe ensinamentos acerca do Senhor Supremo, que cria, mantém e aniquila tudo e que é o mestre da natureza material. Após instruir o rei Citraketu dessa maneira, ele regressou a Brahmaloka. Essas instruções sobre a Verdade Absoluta se chamam mahā-vidyā. Após ser iniciado por Nārada Muni, o rei Citraketu entoou o mahā­vidyā e, depois de uma semana, ficou na presença do Senhor Saṅ­karṣaṇa, que Se fazia acompanhar dos quatro Kumāras. O Senhor estava esmeradamente vestido com roupas azuis, e usava um elmo e adornos de ouro. Seu rosto parecia muito feliz. Na presença do Senhor Saṅkarṣaṇa, Citraketu prestou reverências e se colocou a oferecer orações.

Em suas orações, Citraketu disse que milhões de universos repousam nos poros de Saṅkarṣaṇa, que, ilimitado, não tem começo nem fim. Entre os devotos, a eternidade do Senhor O faz famoso. A diferença entre prestar adoração ao Senhor ou aos semideuses é que quem adora o Senhor também se torna eterno, ao passo que qualquer bênção outorgada pelos semideuses não é permanente. Quem não se torna devoto não pode entender a Suprema Personalidade de Deus.

Depois que Citraketu concluiu suas orações, o ilimitado Senhor Supremo revelou-Se a Citraketu.

VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Meu querido rei Parīkṣit, através de seu poder místico, o grande sábio Nārada trouxe o filho morto para ser visto por todos os parentes que se lamentavam e, então, falou o seguinte.

VERSO 2: Śrī Nārada Muni disse: Ó entidade viva, toda a boa fortuna esteja contigo. Vê só o estado de teu pai e de tua mãe. Em decorrência de tua partida, todos os teus amigos e parentes estão imersos na aflição.

VERSO 3: Porque morreste prematuramente, ainda te resta um período para viver. Portanto, podes voltar a teu corpo e desfrutar do resto de tua vida, cercado por teus amigos e parentes. Aceita o trono real e todas as opulências ofertadas por teu pai.

VERSO 4: Através do poder místico de Nārada Muni, a entidade viva voltou a seu corpo morto, onde ficou por um curto período de tempo, e, em resposta ao pe­dido de Nārada Muni, disse: De acordo com os resultados de minhas atividades fruitivas, eu, o ser vivo, transmigro de um corpo a outro, ora indo às espécies dos semideuses, ora às espécies dos animais inferiores, ora aos vegetais, ora à espécie humana. Portanto, em que nascimento estes foram minha mãe e meu pai? Ninguém é de fato minha mãe e pai. Como posso aceitar que essas duas pessoas sejam meus pais?

VERSO 5: Neste mundo material, que segue em frente parecendo um rio que arrasta a entidade viva, todas as pessoas se tornam amigos, parentes ou inimigos no decorrer do tempo. Elas também agem com neutralidade, como mediadoras, desprezam umas às outras e cultivam muitas outras relações. Entretanto, apesar desses vários tipos de convívio, ninguém possui um relacionamento permanente.

VERSO 6: Assim como o ouro e outras mercadorias continuamente são trans­feridos de um lugar a outro no decorrer da compra e da venda, do mesmo modo, a entidade viva, como resultado de suas atividades fruitivas, vaga por todo o universo, sendo injetada por consecutivos pais em diferentes corpos em diferentes espécies de vida.

VERSO 7: Poucas são as entidades vivas que nascem na espécie humana; muitas outras nascem como animais. Embora ambas sejam entidades vivas, suas relações não são permanentes. Durante algum tempo, um animal pode permanecer sob a custódia de um ser humano, e depois, a posse do mesmo animal pode ser transferida para outros seres humanos. Logo que o animal se vai, o ex-proprietário perde o seu senso de propriedade. Enquanto o animal estiver em sua posse, o dono decerto sentirá afinidade pelo animal, mas logo que este é vendido, a afinidade se esvai.

VERSO 8: Muito embora uma entidade viva mantenha com outra uma liga­ção baseada em corpos perecíveis, a entidade viva é eterna. Na verdade, o corpo é que nasce ou se extingue, e não a entidade viva. Ninguém deve aceitar que a entidade viva nasce ou morre. O ser vivo, na verdade, não tem relação com os supostos pais e mães. Logo que ele, como resultado de suas atividades fruitivas passadas, apa­rece como filho de um certo pai e mãe, ele tem um vínculo com o corpo dado por esse pai e essa mãe. Domina-o, assim, a falsa ideia de que é filho deles e age afetuosamente. Entretanto, tão logo ele morre, a relação termina. Nessas circunstâncias, ninguém deve entregar-se ao júbilo ou à lamentação infundados.

VERSO 9: A entidade viva é eterna e imperecível porque, de fato, não tem começo nem fim. Ela nunca nasce ou morre. Ela é o princípio básico de toda classe de corpos, mas não pertence à categoria corpórea. O ser vivo é tão sublime que, em qualidade, é igual ao Senhor Supremo. Entretanto, porque é extremamente pequeno, tem a tendên­cia de se deixar iludir pela energia externa, e assim, de acordo com seus diferentes desejos, cria vários corpos para si próprio.

VERSO 10: A essa entidade viva, ninguém é querido, e ninguém é desfavorável. Ela não faz distinção alguma entre aquilo que é propriedade sua e aquilo que pertence a outrem. Ela não tem rivais; em outras palavras, não se deixa afetar nem por amigos nem por inimi­gos, benquerentes ou malfeitores. Tudo o que ela faz é observar, testemunhar as diferentes atividades dos homens.

VERSO 11: O Senhor Supremo [ātmā], a razão da causa e do efeito, não Se sujeita à felicidade ou à infelicidade consequentes às ações fruitivas. Não se Lhe impõe aceitar um corpo material, e, como não possui um corpo material, Ele é sempre neutro. As entidades vivas, sendo partes integrantes do Senhor, possuem Suas qualidades em proporções diminutas. Portanto, ninguém deve deixar se afetar pela lamentação.

VERSO 12: Śrī Śukadeva Gosvāmī continuou: Quando a alma condicionada [jīva], sob a forma do filho de Mahārāja Citraketu, terminou de falar essas palavras e partiu, Citraketu e os outros parentes do falecido ficaram todos espantados. Somente assim romperam os grilhões da afeição que os prendia a ele, e deixaram de se lamentar.

VERSO 13: Depois que executaram seus deveres, realizando as devidas cerimônias fúnebres e cremando o corpo da criança morta, os parentes abandonaram a afeição que leva à ilusão, à lamentação, ao medo e à dor. Sem dúvida, é difícil alguém conseguir abandonar tal afei­ção, mas eles a abandonaram muito facilmente.

VERSO 14: As co-esposas da rainha Kṛtadyuti, que haviam envenenado a criança, ficaram muito envergonhadas, e perderam todo o seu brilho corpóreo. Enquanto se lamentavam, ó rei, lembraram-se das ins­truções de Aṅgirā e abandonaram sua ambição de ter filhos. Seguin­do as orientações dos brāhmaṇas, elas se dirigiram às margens do Yamunā, onde se banharam e expiaram suas atividades pecaminosas.

VERSO 15: Recebendo essa luz trazida pelas instruções dos brāhmaṇas Aṅgirā e Nārada, o rei Citraketu ficou plenamente instruído no conhecimento espiritual. Assim como um elefante escapa de um barrento reservatório de água, o rei Citraketu saiu do poço escuro da vida familiar.

VERSO 16: O rei se banhou na água do Yamunā e, de acordo com os deveres prescritos, ofereceu aos antepassados e aos semideuses oblações de água. Controlando com muita gravidade seus sentidos e sua mente, ofereceu, então, seus respeitos e reverências aos filhos do senhor Brahmā [Aṅgirā e Nārada].

VERSO 17: Depois disso, estando muito satisfeito com Citraketu, que era um devoto autocontrolado e uma alma rendida, Nārada, o poderosíssimo sábio, transmitiu-lhe as seguintes instruções transcendentais.

VERSOS 18-19: [Nārada deu a Citraketu o seguinte mantra.] Ó Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, que sois invocado mediante o oṁkāra [praṇava], ofereço-Vos minhas respeitosas reverências. Ó Senhor Vāsudeva, medito em Vós. Ó Senhor Pradyumna, Senhor Aniruddha e Senhor Saṅkarṣaṇa, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências. Ó reservatório de potência espiritual, ó bem-aventurança suprema, ofereço minhas respeitosas reverências a Vós que sois autossuficiente e muito pacífico. Ó verdade última, que não tendes rival à Vossa altura, sois conhecido como Brahman, Paramātmā e Bha­gavān e, portanto, sois o reservatório de todo o conhecimento. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 20: Percebendo Vossa bem-aventurança pessoal, sois sempre transcendental às ondas da natureza material. Portanto, meu Senhor, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências. Sois Vós quem exerceis o supremo controle sobre os sentidos e Vos expandis em ilimitadas formas. Sois o maior, e, portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 21: As palavras e a mente da alma condicionada não podem aproximar-se da Suprema Personalidade de Deus, pois os nomes e formas materiais não são aplicáveis ao Senhor, que é inteiramente espiritual e está situado além da concepção de formas grosseiras e sutis. O Brahman impessoal é outra de Suas formas. Que Ele, conforme o Seu agrado, proteja-nos.

VERSO 22: Assim como potes feitos completamente de terra situam-se na terra após serem criados e voltam a se transformar em terra após serem quebrados, esta manifestação cósmica é causada pelo Brahman Supremo, situa-se no Brahman Supremo e volta ao mesmo Brahman Supremo. Portanto, uma vez que o Senhor Supremo é a causa do Brahman, ofereçamos a Ele nossas respeitosas reverências.

VERSO 23: O Brahman Supremo emana da Suprema Personalidade de Deus e Se expande como o céu. Embora não seja tocado por nada material, Ele existe dentro e fora. Entretanto, a mente, a inteligência, os sentidos e a força vital não podem tocá-lO nem conhecê-lO. Ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências.

VERSO 24: Assim como o ferro tem o poder de queimar ao ficar incandescente após o contato com o fogo, do mesmo modo, o corpo, os sen­tidos, a força vital, a mente e a inteligência, embora não passem de montes de matéria, podem funcionar em suas atividades quando a Suprema Personalidade de Deus lhes infunde uma partícula de consciência. Assim como o ferro só pode queimar após aquecido pelo fogo, os sentidos corpóreos só podem agir após serem ativados pelo Brahman Supremo.

VERSO 25: Ó Senhor transcendental, que estais situado no planeta mais elevado do mundo espiritual, Vossos dois pés de lótus são sempre massageados pelas mãos de uma multidão dos melhores devotos, mãos estas semelhantes a botões de lótus. Sois a Suprema Personalidade de Deus, repleto de seis opulências. Sois a pessoa suprema mencio­nada nas orações Puruṣa-sūkta. Sois o mestre mais perfeito e autorrealizado de todo o poder místico. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 26: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Nārada, tendo-se tornado o mestre espiritual de Citraketu, instruiu-o plenamente nesta oração porque Citraketu se rendera por completo. Ó rei Parīkṣit, Nārada, acompanhado do grande sábio Aṅgirā, partiu, então, para o planeta mais elevado, conhecido como Brahmaloka.

VERSO 27: Jejuando e bebendo apenas água, Citraketu, por uma semana, cantou continuamente, com muito cuidado e atenção, o mantra dado por Nārada Muni.

VERSO 28: Ó rei Parīkṣit, após apenas uma semana de prática constante do mantra recebido do mestre espiritual, Citraketu, como um resultado intermediário do seu avanço em conhecimento espiritual, alcançou o governo do planeta dos Vidyādharas.

VERSO 29: Depois disso, dentro de pouquíssimos dias, pela influência do mantra que Citraketu praticara, sua mente ficou cada vez mais iluminada para o progresso espiritual, e ele obteve o refúgio aos pés de lótus de Anantadeva.

VERSO 30: Ao obter o refúgio do Senhor Śeṣa, a Suprema Personalidade de Deus, Citraketu viu que Ele era tão branco como as fibras de uma flor de lótus. Ele estava vestido com roupas azuladas e enfeitado com um elmo muito reluzente, e usava braceletes, cinto e pulseiras. Trazia o rosto sorridente, e Seus olhos eram avermelhados. Ele estava cercado por ilustres pessoas liberadas, tais como Sanat-kumāra.

VERSO 31: Tão logo viu o Senhor Supremo, Mahārāja Citraketu se limpou de toda a contaminação material e se situou em sua consciência de Kṛṣṇa original, completamente purificado. Ele se fez si­lencioso e grave, e, devido ao amor pelo Senhor, lágrimas caíram de seus olhos, e seus cabelos se arrepiaram. Com grande devoção e amor, ofereceu suas respeitosas reverências à original Personalidade de Deus.

VERSO 32: Com lágrimas de amor e afeição, Citraketu molhava repetidamente o escabelo onde repousavam os pés de lótus do Senhor Supremo. Porque sua voz estava embargada de êxtase, por conside­rável tempo se mostrou incapaz de pronunciar qualquer uma das letras do alfabeto para oferecer orações adequadas ao Senhor.

VERSO 33: Depois disso, controlando sua mente com sua inteligência e, dessa maneira, restringindo seus sentidos, afastando-os das ocupações externas, ele retomou as palavras adequadas com as quais poderia expressar seus sentimentos. Assim, colocou-se a oferecer orações ao Senhor, que é a personificação das escrituras sagradas [os sātvata-saṁhitās, tais como a Brahma-saṁhitā e o Nārada-pañcarātra] e que é o mestre espiri­tual de todos. Ele ofereceu as seguintes orações.

VERSO 34: Citraketu disse: Ó Senhor inconquistável, embora não possais ser conquistado por ninguém, é certo que sois conquistado pelos devotos que controlam a mente e os sentidos. Eles podem manter-Vos sob seu controle porque tendes imotivada misericórdia para com os devotos que não buscam em Vós lucro material. Na verdade, Vós Vos entregais a eles e, devido a isso, também exerceis pleno controle sobre Vossos devotos.

VERSO 35: Meu querido Senhor, esta manifestação cósmica e sua criação, manutenção e aniquilação são meras opulências Vossas. Uma vez que o senhor Brahmā e outros criadores não passam de uma pequena porção de uma porção Vossa, o poder parcial de que estão dotados e com o qual podem criar não os transforma em Deus [īśvara]. A consciência que eles têm como senhores à parte, portanto, é mera­mente falso prestígio. Ela não é válida.

VERSO 36: Vós existis no começo, no meio e no fim de tudo, desde a mais diminuta partícula da manifestação cósmica – o átomo –, até os gigantescos universos e até a totalidade da energia material. Entre­tanto, sois eterno e não tendes começo, meio ou fim. Percebe-se Vossa existência nessas três fases e, assim, sois permanente. Quando a manifestação cósmica deixa de existir, continuais existindo como a potência original.

VERSO 37: Cada universo está coberto por sete camadas – terra, água, fogo, ar, céu, a totalidade da energia e o falso ego –, cada uma dez vezes maior do que a anterior. Além deste, existem inúmeros universos, e, embora eles sejam ilimitadamente grandes, movem-se como átomos dentro de Vós. Portanto, sois chamado de ilimitado [ananta].

VERSO 38: Ó Senhor, ó Supremo, as pessoas sem inteligência que estão sedentas de gozo material e que adoram vários semideuses não passam de animais com corpo humano. Devido a suas propensões anima­lescas, elas se recusam a adorar Vossa Onipotência, e, em vez disso, adoram os semideuses insignificantes, que são meramente pequenas fagulhas de Vossa glória. Com a destruição de todo o universo, e, portanto, também dos semideuses, as bênçãos recebidas dos semi­deuses se esvaem, assim como a nobreza de um rei que não mais está no poder.

VERSO 39: Ó Senhor Supremo, se as pessoas obcecadas por desejos materiais e que buscam obter gozo dos sentidos através da opulência material adoram a Vós que sois a fonte de todo o conhecimento e sois transcendental às qualidades materiais, elas não estão sujeitas ao renas­cimento material, assim como sementes esterilizadas ou fritas não germinam. As entidades vivas estão sujeitas a repetidos nascimen­tos e mortes porque são condicionadas à natureza material, porém, como sois transcendental, aquele que tem a propensão a se associar convosco em transcendência escapa às condições impostas pela na­tureza material.

VERSO 40: Ó inconquistável, quando falastes sobre bhāgavata-dharma, o incontaminado sistema religioso através do qual se alcança refúgio aos Vossos pés de lótus, esta foi Vossa vitória. As pessoas que não têm desejos materiais, como, por exemplo, os Kumāras, que são sábios autossatisfeitos, adoram-Vos para se libertarem da contaminação material. Em outras palavras, para alcançar refúgio aos Vossos pés de lótus, eles aceitam o processo de bhāgavata-dharma.

VERSO 41: Por estarem cheias de contradições, todas as formas de religião, com exceção do bhāgavata-dharma, atuam sob concepções de resultados fruitivos e de distinções de “tu e eu” e “teu e meu”. Os seguidores do Śrīmad-Bhāgavatam não adquiriram semelhante consciência. Todos eles são conscientes de Kṛṣṇa, e sabem que são de Kṛṣṇa e que Kṛṣṇa é deles. Existem outros sistemas religiosos que, sendo de classe inferior, são praticados por pessoas que desejam exterminar seus inimigos ou buscam poderes místicos, mas esses sis­temas religiosos, estando cheios de paixão e inveja, são impuros e temporários. Porque estão cheios de inveja, prolifera neles a irreli­gião.

VERSO 42: Como um sistema religioso que fomenta em alguém a inveja à própria pessoa e aos outros pode ser benéfico para ele e para estes? O que há de auspicioso em seguir tal sistema? O que realmente se ganha com isso? Causando dor pessoal devido à autoinveja e causando dor aos outros, provoca-se a Vossa ira e se pratica a irreligião.

VERSO 43: Meu querido Senhor, o dever ocupacional da pessoa é ensinado no Śrīmad-Bhāgavatam e na Bhagavad-gītā, cujas instruções estão de acordo com Vosso ponto de vista, o qual nunca se desvia da meta máxima da vida. Aqueles que seguem seus deveres ocupacionais sob Vossa supervisão, sendo equânimes com todas as entidades vivas, móveis e inertes, e não considerando ninguém superior ou inferior, são chamados de arianos. Esses arianos prestam adoração a Vós, a Suprema Personalidade de Deus.

VERSO 44: Meu Senhor, é bem possível que alguém se liberte imediatamente de toda a contaminação material ao ver-Vos. E, sem nem mesmo precisar ver-Vos pessoalmente, basta ouvir Vosso santo nome uma única vez para que até mesmo os caṇḍālas, os homens da classe mais baixa, libertem-se de toda a contaminação material. Nessas circunstâncias, quem não se libertará da contaminação ma­terial simplesmente vendo-Vos?

VERSO 45: Portanto, meu querido Senhor, o simples fato de Vos ver acabou eliminando toda a contaminação das atividades pecaminosas e seus resultados manifestos como apego material e desejos luxuriosos, que sempre abarrotaram minha mente e o âmago do meu coração. Tudo o que é predito pelo grande sábio Nārada Muni jamais é impugna­do. Em outras palavras, obtive Vossa audiência como resultado do treinamento que recebi de Nārada Muni.

VERSO 46: Ó ilimitada Suprema Personalidade de Deus, porque sois a Supe­ralma, conheceis perfeitamente bem tudo o que a entidade viva faz neste mundo material. Na presença do Sol, não há nada a ser reve­lado através da luz de um vaga-lume. Do mesmo modo, porque conheceis tudo, em Vossa presença não há nada que eu possa fazer conhecer.

VERSO 47: Meu querido Senhor, sois o criador, mantenedor e aniquilador desta manifestação cósmica, mas as pessoas que são muito materialistas e sempre enxergam divisões não têm olhos para ver-Vos. Como não podem entender Vossa verdadeira posição, concluem que a manifestação cósmica independe de Vossa opulência. Meu Senhor, sois a pureza suprema, e sois pleno de todas as seis opulências. Portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 48: Meu querido Senhor, é depois de tomardes Vossa iniciativa que o senhor Brahmā, Indra e os outros administradores da manifestação cósmica se ocupam em diferentes atividades. Após perceberdes a energia material, meu Senhor, é que os sentidos começam a perce­ber. A Suprema Personalidade de Deus mantém sobre Suas cabeças todos os universos, que para Ele são parecidos com sementes de mostarda. Ofereço minhas respeitosas reverências a essa Personalidade Suprema, possuidora de milhares de capelos.

VERSO 49: Śukadeva Gosvāmī continuou: O Senhor, a Suprema Personalidade de Deus, Anantadeva, estando muitíssimo satisfeito com as orações oferecidas por Citraketu, o rei dos Vidyādharas, respondeu­-lhe o seguinte, ó melhor da dinastia Kuru, Mahārāja Parīkṣit.

VERSO 50: A Suprema Personalidade de Deus, Anantadeva, respondeu da seguinte maneira: Ó rei, como resultado de teres aceitado as instruções que os grandes sábios Nārada e Aṅgirā proferiram a Meu res­peito, adquiriste completo conhecimento transcendental. Porque agora entendes a ciência espiritual, viste-Me face a face. Portanto, agora és completamente perfeito.

VERSO 51: Todas as entidades vivas, móveis e inertes, são Minhas expansões e são distintas de Mim. Sou a Superalma de todos os seres vivos, que existem porque Eu os manifesto. Sou a forma das vibra­ções transcendentais como o omkāra e Hare Kṛṣṇa Hare Rāma, e sou a Suprema Verdade Absoluta. Essas Minhas duas formas – a saber, o som transcendental e a eternamente bem-aventurada forma espiritual da Deidade –, são Minhas formas eternas; elas não são materiais.

VERSO 52: Neste mundo de matéria, o qual ela aceita como constituído de recursos desfrutáveis, a alma condicionada se expande, pensando ser o desfrutador do mundo material. Do mesmo modo, o mundo ma­terial se expande na entidade viva como uma fonte de gozo. Dessa maneira, ambos se expandem, mas, como são Minhas energias, ambos são permeados por Mim. Como o Senhor Supremo, sou a causa desses efeitos, e se deve saber que ambos repousam em Mim.

VERSOS 53-54: Quando está em sono profundo, a pessoa sonha e vê em si mesma muitos outros objetos, tais como grandes montanhas e rios ou até talvez o universo inteiro, embora essas coisas estejam bem distantes. Às vezes, ao despertar de um sonho, a pessoa vê que está sob uma forma humana, deitada em sua cama em algum lugar do universo. Então, ela se vê, em termos de várias condições, como pertencente a uma determinada nacionalidade, família e assim por diante. Todas as condições de sono profundo, sonho e vigília são meras energias da Suprema Personalidade de Deus. Todos devem sempre se lembrar do criador do qual se originam essas condições, o Senhor Supremo, que não Se deixa afetar por elas.

VERSO 55: Informo-te que sou o Brahman Supremo, a Superalma onipenetrante através de quem a entidade viva adormecida pode compreen­der sua condição onírica e sua felicidade que está situada bem além das atividades dos sentidos materiais. Isto é, Eu sou a causa das atividades do ser vivo adormecido.

VERSO 56: Se os sonhos são meros temas testemunhados pela Superalma, como a entidade viva, que é diferente da Superalma, pode lembrar-se das atividades dos sonhos? As experiências de alguém não podem ser entendidas por outrem. Portanto, o conhecedor dos fatos, a en­tidade viva que investiga os incidentes manifestos em sonhos e em vigília, é diferente das atividades circunstanciais. Este fator cognoscitivo é o Brahman. Em outras palavras, a qualidade de conhecer pertence às entidades vivas e à Alma Suprema. Assim, a entidade viva também pode experimentar as atividades de sonhos e de vigília. Em ambos os estados, o conhecedor é imutável, mas é qualitativa­mente uno com o Brahman Supremo.

VERSO 57: Quando a entidade viva, julgando-se diferente de Mim, esquece-­se de sua identidade espiritual em conformidade com a qual goza de unidade qualitativa coMigo em eternidade, conhecimento e bem­-aventurança, é então que sua vida material condicionada começa. Em outras palavras, em vez de ajustar seus interesses aos Meus, ela se interessa em suas expansões corpóreas, tais como esposa, filhos e posses materiais. Dessa maneira, por influência de suas ações, recebe um corpo após outro, e, depois de uma morte, outra morte acontece.

VERSO 58: O ser humano pode alcançar a perfeição da vida ao buscar a autorrealização por intermédio da literatura védica e da aplicação prática dos ensinamentos nela contidos. Isso é possível especialmente para o ser humano nascido na Índia, a terra da piedade. Um homem que nasce nessa situação favorável, porém não entende seu eu, é incapaz de alcançar a perfeição máxima, mesmo que galgue a vida nos sistemas planetários superiores.

VERSO 59: Lembrando-se da grande tribulação encontrada no campo de ati­vidades executadas visando à obtenção de resultados fruitivos, e se recordando de como se recebe o inverso dos resultados que se desejam – quer se tomem como referência os resultados das atividades materiais ou das atividades fruitivas recomendadas nos textos védicos –, o homem inteligente deve privar-se do desejo de realizar ações fruitivas, pois, através desse tipo de empreendimento, ninguém pode alcançar a meta última da vida. Por outro lado, se alguém age sem desejos de resultados fruitivos – em outras palavras, se ele se ocupa em atividades devocionais –, pode alcançar a meta máxima da vida, libertando-se das condições dolorosas. Considerando isso, convém que a pessoa descontinue os desejos materiais.

VERSO 60: Como esposo e esposa, um homem e uma mulher planejam juntos alcançar a felicidade e diminuir a infelicidade, trabalhando unidos de muitas maneiras, mas, como suas atividades são cheias de de­sejos, elas jamais se tornam fonte de felicidade e jamais diminuem a infelicidade. Ao contrário, causam imensa infelicidade.

VERSOS 61-62: Deve-se entender que as atividades das pessoas que se orgulham de sua experiência material trazem apenas resultados contraditórios com aqueles que essas pessoas concebem enquanto despertas, dor­mindo ou em sono profundo. Deve-se também entender que a alma espiritual, embora muito difícil de ser percebida pelo materialista, está acima de todas essas condições, e, valendo-se de sua faculdade de discriminação, a pessoa deve abster-se de desejar resultados frui­tivos tanto nesta quanto na próxima vida. Tornando-se, assim, ex­periente em conhecimento transcendental, ela deve tornar-se Meu devoto.

VERSO 63: As pessoas que tentam alcançar a meta última da vida devem ter muita perspicácia em saber como observar a Suprema Pessoa Absoluta e a entidade viva, que, em seu relacionamento como a parte e o todo, são unos em qualidade. Essa é a compreensão última da vida. Não há verdade superior a essa.

VERSO 64: Ó rei, se aceitares essa Minha conclusão, desapegando-te do gozo material, aderindo a Mim com grande fé e, assim, tornando-te sábio e plenamente versado no conhecimento e o aplicando no teu cotidiano, obterás a perfeição máxima, a qual é alcançar-Me.

VERSO 65: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Após transmitir a Citraketu essas instruções e lhe dar essa garantia de obter a perfeição, a Suprema Personalidade de Deus, que é o mestre espiritual supremo, a alma suprema, Saṅkarṣaṇa, desapareceu daquele lugar enquanto Citraketu olhava em Sua direção.

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