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CAPÍTULO SESSENTA E OITO

O Casamento de Sāmba

Este capítulo descreve como os Kauravas capturaram Sāmba e como o Senhor Baladeva arrastou a cidade de Hastināpura para ga­rantir a libertação dele.

Sāmba, o filho querido de Jāmbavatī, raptou Lakṣmaṇā, a filha de Duryodhana, durante sua assembleia svayaṁvara. Em resposta, os Kauravas juntaram suas forças para prendê-lo. Depois de Sāmba, sozinho, os haver mantido à distância por algum tempo, seis guerreiros do grupo Kaurava privaram-no de sua quadriga, partiram seu arco em pedaços, agarraram-no, amarraram-no e levaram-no juntamente com Lakṣmaṇā de volta para Hastināpura.

Ao ouvir falar da prisão de Sāmba, o rei Ugrasena convocou os Yādavas para uma represália. Irados, eles se prepararam para lutar, mas o Senhor Balarāma apaziguou-os, com a esperança de evitar uma desavença entre as dinastias Kuru e Yadu. O Senhor partiu para Has­tināpura, junto de vários brāhmaṇas e membros mais velhos da dinastia Yādava.

O grupo dos Yādavas acampou em um jardim nos arredores da cida­de, e o Senhor Balarāma enviou Uddhava para verificar o estado de espírito do rei Dhṛtarāṣṭra. Quando Uddhava apareceu na corte Kaurava e anunciou a chegada do Senhor Balarāma, os Kauravas adora­ram Uddhava e foram ter com o Senhor, levando objetos auspiciosos para Lhe oferecer. Os Kauravas honraram Balarāma com rituais e objetos de adoração, mas quando este disse que Ugrasena exigira que libertassem Sāmba, eles se zangaram. “É muito surpreendente”, disseram eles, “que os Yādavas estejam tentando dar ordens aos Kauravas. É como um sapato tentando subir à cabeça de alguém. Foi de nós apenas que os Yādavas obtiveram seus tronos reais, mas agora eles se julgam iguais a nós. Não mais lhes ofereceremos privilégios reais.”

Após dizerem isso, os membros da nobreza Kaurava entraram em sua cidade, e o Senhor Baladeva decidiu que a única maneira de lidar com aqueles que estão enlouquecidos devido ao falso prestígio é através do castigo bruto. Então, Ele empunhou Seu arado e, com o intuito de expulsar da Terra todos os Kurus, começou a arrastar Has­tināpura em direção ao Ganges. Vendo que sua cidade corria o peri­go iminente de cair no rio, os aterrorizados Kauravas levaram logo Sāmba e Lakṣmaṇā à presença do Senhor Balarāma e puseram-se a glorificá-lO. Em seguida, eles oraram: “Ó Senhor, por favor, concede Teu perdão a nós, que desconhecemos por completo Tua verdadeira identidade.”

Baladeva garantiu aos Kauravas que não lhes faria mal, e Duryodhana deu vários presentes de casamento a sua filha e a seu novo genro. Então, enviando suas saudações aos Yādavas, Duryodhana pediu ao Senhor Baladeva que regressasse a Dvārakā com Sāmba e Lakṣmaṇā.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, Sāmba, o filho de Jāmbavatī, que sempre sai vitorioso na batalha, raptou Lakṣmaṇā, a filha de Duryodhana, durante a cerimônia de svayaṁvara dela.

VERSO 2: Os irados Kurus disseram: Este menino malcomportado nos ofendeu, raptando à força nossa filha solteira contra a vontade dela.

VERSO 3: Prendei esse Sāmba de comportamento censurável! O que farão os Vṛṣṇis? Por nossa graça, eles estão governando terras que lhes demos.

VERSO 4: Se os Vṛṣṇis vierem aqui ao tomarem conhecimento de que seu filho foi capturado, quebraremos o orgulho deles. Então, eles serão subjugados, como os sentidos corpóreos postos sob estrito con­trole.

VERSO 5: Após dizerem isso e receberem a sanção do membro mais velho da dinastia Kuru, Karṇa, Śala, Bhūri, Yajñaketu e Suyodhana partiram para atacar Sāmba.

VERSO 6: Ao ver Duryodhana e seus companheiros precipitando-se na direção dele, Sāmba, o magnífico combatente de quadriga, apanhou seu esplêndido arco e, tal qual um leão, ficou postado ali sozinho.

VERSO 7: Determinados a capturá-lo, os irados arqueiros conduzidos por Karṇa gritavam para Sāmba: “Para e luta! Para e luta!” Eles rumavam bem em sua direção e cobriram-no de flechas.

VERSO 8: Ó melhor dos Kurus, enquanto Sāmba, o filho de Kṛṣṇa, esta­va sendo injustamente perseguido pelos Kurus, aquele filho que­rido da dinastia Yadu não tolerou o ataque deles, assim como um leão não toleraria o ataque de animais insignificantes.

VERSOS 9-10: Fazendo ressoar seu maravilhoso arco, o heroico Sāmba atin­giu com flechas os seis guerreiros chefiados por Karṇa. Ele tres­passou as seis quadrigas com o mesmo número de flechas, cada conjunto de quatro cavalos com quatro flechas, e cada quadri­gário com uma única flecha, e de igual modo atingiu os grandes arqueiros que comandavam as quadrigas. Os guerreiros inimigos congratularam Sāmba por sua exibição de valentia.

VERSO 11: Mas eles o forçaram a descer da quadriga, após o que quatro deles golpearam seus quatro cavalos, um deles derrubou seu quadrigário, e outro quebrou o seu arco.

VERSO 12: Tendo privado Sāmba de sua quadriga durante a luta, os guerreiros Kurus amarraram-no com grande dificuldade e, então, re­gressaram vitoriosos à cidade deles, levando o rapaz e a princesa.

VERSO 13: Ó rei, ao ficarem sabendo das notícias através de Śrī Nārada, os Yādavas se enfureceram. Instigados pelo rei Ugrasena, eles se prepararam para guerrear contra os Kurus.

VERSOS 14-15: O Senhor Balarāma, todavia, acalmou os ânimos dos heróis Vṛṣṇis, que já haviam colocado sua armadura. Ele, que purifica a era das desavenças, não queria uma desavença entre os Kurus e os Vṛṣṇis. Assim, acompanhado por brāhmaṇas e membros mais velhos da família, foi para Hastināpura em Sua quadriga, que era tão refulgente quanto o Sol. Enquanto Se dirigia para lá, parecia a Lua rodeada pelos planetas regentes.

VERSO 16: Depois de chegar em Hastināpura, o Senhor Balarāma permaneceu em um jardim nos arredores da cidade e enviou Uddhava adiante para sondar as intenções do rei Dhṛtarāṣṭra.

VERSO 17: Depois de oferecer os devidos respeitos ao filho de Ambikā [Dhṛtarāṣṭra] e a Bhīṣma, Droṇa, Bāhlika e Duryodhana, Uddha­va informou-lhes que o Senhor Balarāma chegara.

VERSO 18: Exultantes ao ficarem sabendo que Balarāma, seu amigo muito querido, chegara, eles primeiro honraram Uddhava e, então, saíram ao encontro do Senhor, levando oferendas auspiciosas em suas mãos.

VERSO 19: Eles se aproximaram do Senhor Balarāma e, como era de praxe, adoraram-nO com presentes, tais como vacas e arghya. Aqueles dentre os Kurus que compreendiam Seu verdadeiro poder prostraram-se diante dEle, tocando o chão com suas ca­beças.

VERSO 20: Depois que ambos os grupos tinham ouvido que seus parentes passavam bem e tinham perguntado uns aos outros sobre seu bem­-estar e saúde, o Senhor Balarāma falou francamente aos Kurus as seguintes palavras.

VERSO 21: [O Senhor Balarāma disse:] O rei Ugrasena é nosso mestre e o governante dos reis. Com atenção concentrada, deveis ouvir o que ele ordenou que fizésseis e, então, deveis fazê-lo agora mesmo.

VERSO 22: [O rei Ugrasena disse:] Embora, através de meios irreligiosos, diversos de vós tenhais derrotado um único adversário que segue os códigos religiosos, ainda assim estou tolerando isso em prol da unidade entre os membros familiares.

VERSO 23: Após ouvirem essas palavras do Senhor Baladeva, que eram plenas de potência, coragem e força e correspondentes a Seu poder transcendental, os Kauravas ficaram furiosos e disseram o seguinte.

VERSO 24: [Os membros da nobreza Kuru disseram:] Oh! Como isto é surpreendente! A força do tempo é mesmo insuperável: um reles sapato agora quer subir à cabeça que carrega a coroa real.

VERSO 25: É porque estes Vṛṣṇis estão ligados a nós por vínculos matrimoniais que lhes concedemos igualdade, permitindo-lhes parti­lhar nossas camas, assentos e refeições. De fato, nós é que lhes demos seus tronos reais.

VERSO 26: Só porque fizemos pouco caso é que eles puderam desfrutar o par de abanos de cauda de iaque, o búzio, a sombrinha branca, o trono e o leito real.

VERSO 27: Os Yadus não devem mais ter permissão de usar estes símbo­los reais, que agora causam problemas para os que os deram, assim como leite dado a serpentes venenosas. Tendo prosperado por nossa graça, esses Yādavas agora perderam toda a vergonha e ousam nos dar ordens!

VERSO 28: Como Indra ousaria usurpar algo que Bhīṣma, Droṇa, Arjuna ou os outros Kurus não lhe tivessem dado? Isso seria como um cordeiro reivindicar a caça do leão.

VERSO 29: Śrī Bādarāyaṇi disse: Ó melhor dos Bhāratas, depois que os arrogantes Kurus, completamente presunçosos devido à opulên­cia de seu eminente nascimento e parentesco, disseram essas palavras ásperas ao Senhor Balarāma, eles deram a volta e regressaram à sua cidade.

VERSO 30: Vendo o mau caráter dos Kurus e ouvindo suas palavras sórdidas, o infalível Senhor Balarāma encheu-Se de fúria. Com Seu semblante assustador à visão, Ele riu repetidas vezes e disse o seguinte.

VERSO 31: [O Senhor Balarāma disse:] “É evidente que as muitas paixões desses homens desprezíveis os fizeram tão orgulhosos que eles não desejam a paz. Então, que sejam pacificados através do cas­tigo físico, assim como os animais o são com uma vara.”

VERSOS 32-33: “Ah! Só aos poucos consegui acalmar os furiosos Yadus e o Senhor Kṛṣṇa, que também estava irado. Desejando paz a esses Kauravas, Eu vim aqui. Mas eles são tão estúpidos, belicosos e canalhas por natureza que Me desrespeitaram repetidas vezes. Devido à presunção, ousaram dirigir-se a Mim com palavras ásperas!”

VERSO 34: “Como é possível que o rei Ugrasena, o senhor dos Bhojas, Vṛṣṇis e Andhakas, não seja apto para comandar, uma vez que até Indra e os outros governantes planetários obedecem a suas ordens?”

VERSO 35: “Aquele mesmo Kṛṣṇa que ocupa a sala de assembleia Sudharmā e que, para Seu desfrute, apropriou-Se da árvore pārijāta dos semideuses imortais – será que Ele não é de fato apto a sentar-­Se em um trono real?”

VERSO 36: “A própria deusa da fortuna, que governa o universo inteiro, adora os pés dEle. E o senhor da deusa da fortuna não merece a parafernália de um rei mortal?”

VERSO 37: “A poeira dos pés de lótus de Kṛṣṇa, que é a fonte da santi­dade de todos os lugares de peregrinação, é adorada por todos os semideuses eminentes. As principais deidades de todos os plane­tas prestam-Lhe serviço e consideram-se muito afortunadas por levar a poeira dos pés de lótus de Kṛṣṇa em suas coroas. Grandes semideuses, como o senhor Brahmā e o senhor Śiva, e mesmo a deusa da fortuna e Eu, somos apenas partes de Sua identidade espiritual, e nós também levamos com muito cuidado aquela poei­ra sobre nossas cabeças. Apesar de tudo isso, Kṛṣṇa não é qualificado para usar as insígnias reais ou mesmo para sentar-Se no trono real?”

VERSO 38: “Nós, Vṛṣṇis, desfrutamos apenas o pequeno pedaço de terra que os Kurus nos permitem? E somos de fato sapatos, ao passo que os Kurus são a cabeça?”

VERSO 39: “Vede como estes Kurus presunçosos inebriaram-se com seu pretenso poder, exatamente como bêbados ordinários! Que verdadeiro governante, com poder de comando, toleraria suas palavras tolas e sórdidas?”

VERSO 40: “Hoje, expulsarei da Terra os Kauravas!”, declarou o furioso Balarāma. Dessa maneira, Ele apanhou Seu arado e ergueu-Se como se fosse atear fogo nos três mundos.

VERSO 41: O Senhor iradamente escavou Hastināpura com a ponta de Seu arado e, com o intuito de lançar a cidade inteira no Ganges, começou a arrastá-la.

VERSOS 42-43: Ao verem sua cidade a balançar tal qual uma jangada no mar, enquanto era arrastada para longe, e prestes a cair no Ganges, os Kauravas ficaram aterrorizados. A fim de salvar suas vidas, aproximaram-se do Senhor em busca de abrigo, levando con­sigo suas famílias. De mãos postas em sinal de súplica, puseram à frente Sāmba e Lakṣmaṇā.

VERSO 44: [Os Kauravas disseram:] Ó Rāma, ó Rāma, fundamento de tudo! Nada sabemos de Teu poder. Por favor, perdoa a nossa ofen­sa, pois somos ignorantes e desorientados.

VERSO 45: Tu sozinho causas a criação, manutenção e aniquilação do cosmos, e não existe nenhuma causa anterior a Ti. De fato, ó Senhor, as autoridades dizem que os mundos são meros brinque­dos Teus enquanto realizas os Teus passatempos.

VERSO 46: Ó ilimitado Senhor de mil cabeças, como parte de Teu passatempo, carregas este globo terrestre sobre uma de Tuas cabeças. Na época da aniquilação, recolhes o universo inteiro para dentro de Teu corpo e, permanecendo só, repousas a fim de descansar.

VERSO 47: Tua ira destina-se a instruir a todos; não é uma manifestação de ódio ou inveja. Ó Senhor Supremo, Tu sustentas o modo da bondade pura e ficas irado só para manter e proteger este mundo.

VERSO 48: Prostramo-nos diante de Ti, ó Alma de todos os seres, ó diri­gente de todas as potências, ó incansável criador do universo! Oferecendo-Te reverências, abrigamo-nos em Ti.

VERSO 49: Śukadeva Gosvāmī disse: Apaziguado assim pelos Kurus, cuja cidade estava estremecendo e que se rendiam a Ele com grande aflição, o Senhor Balarāma ficou muito calmo e bem disposto para com eles. “Não temais”, disse o Senhor, e afastou-lhes todo o medo.

VERSOS 50-51: Duryodhana, tendo muita afeição por sua filha, deu-lhe como dote mil e duzentos elefantes de sessenta anos, cento e vinte mil cavalos, seis mil quadrigas de ouro refulgentes como o Sol e mil servas decoradas com medalhões de pedras preciosas no pescoço.

VERSO 52: O Senhor Supremo, o líder dos Yādavas, aceitou todos esses presentes e, então, partiu com Seu filho e nora enquanto Seus ben­querentes Lhe davam adeus.

VERSO 53: Depois disso, o Senhor Halāyudha entrou em Sua cidade [Dvārakā] e encontrou Seus parentes, cujos corações estavam todos presos a Ele em apego amoroso. No salão de assembleias, relatou aos líderes Yadus tudo sobre Seu intercâmbio com os Kurus.

VERSO 54: Até mesmo hoje em dia, a cidade de Hastināpura é visivelmente elevada no lado meridional, que fica ao longo do Ganges, mostrando assim os sinais da proeza do Senhor Balarāma.

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