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CAPÍTULO SETENTA

As Atividades Diárias do Senhor Kṛṣṇa

Este capítulo descreve as atividades diárias do Senhor Śrī Kṛṣṇa e duas propostas que Lhe foram apresentadas – uma por um mensa­geiro de Dvārakā, e outra pelo sábio Nārada.

Nas primeiras horas da manhã, o Senhor Kṛṣṇa levantava-Se e banhava-Se com água limpa. Depois de realizar os rituais da madrugada e outros deveres religiosos, Ele oferecia oblações no fogo do sacrifício, cantava o mantra Gāyatrī, adorava e pagava tributo aos semideuses, sábios e antepassados, e oferecia respeitos aos brāhmaṇas eruditos. Então, tocava em substâncias auspiciosas, adornava-Se com ornamentos celestiais e satisfazia Seus súditos presenteando-os com qualquer coisa que desejassem.

Dāruka, o quadrigário do Senhor, trazia Sua quadriga, e o Senhor montava nela e dirigia-Se para o salão de assembleias reais. Quando Se acomodava em Seu assento na assembleia, rodeado pelos Yādavas, Ele parecia a Lua rodeada pelo círculo de estrelas chamadas nakṣatras. Trovado­res recitavam Suas glórias ao acompanhamento de tambores, címba­los, vīṇās e outros instrumentos.

Em certa ocasião, os porteiros escoltaram um mensageiro até o salão de assembleias. O mensageiro ofereceu prostradas reverências ao Senhor e, em seguida, dirigiu-se a Ele de mãos postas: “Ó Senhor, Jarā­sandha capturou vinte mil reis e os mantém prisioneiros. Por favor, fazei alguma coisa, pois todos esses reis são Vossos devotos ren­didos.”

Bem naquele momento, Nārada Muni apareceu. O Senhor Śrī Kṛṣṇa e todos os membros da assembleia levantaram-se e ofereceram reverências a Nārada inclinando suas cabeças. O sábio aceitou um assen­to, após o que o Senhor Kṛṣṇa gentilmente perguntou-lhe: “Visto que viajas por todo o universo, por favor, informa-Nos o que os irmãos Pāṇḍavas planejam fazer.” Então, Nārada louvou o Senhor Supremo e respondeu: “O rei Yudhiṣṭhira deseja executar o sacrifício Rājasūya. Para isso, ele solicita a Tua sanção e a Tua presença. Muitos semideuses e reis ilustres comparecerão simplesmente para Te ver.”

Compreendendo que os Yādavas desejavam que Ele derrotasse Jarāsandha, o Senhor Kṛṣṇa pediu a Seu sábio ministro Uddhava que determinasse qual dos dois assuntos em consideração – a derrota de Jarāsandha ou o sacrifício Rājasūya – deveria ser atendido primeiro.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Ao aproximar-se a aurora, as espo­sas do Senhor Mādhava, cada qual abraçada ao redor do pescoço por seu marido, amaldiçoavam os galos que cantavam. As damas ficavam perturbadas porque agora teriam de se separar dEle.

VERSO 2: O zumbido das abelhas, provocado pela fragrante brisa vinda do jardim de pārijātas, acordava as aves. E quando estas começavam a cantar alto, despertavam o Senhor Kṛṣṇa assim como poetas cortesãos a recitar Suas glórias.

VERSO 3: Recostada nos braços de seu amado, a rainha Vaidarbhī não gostava deste auspiciosíssimo horário, pois ele lhe indicava a perda do abraço de seu Senhor.

VERSOS 4-5: O Senhor Mādhava levantava-Se durante o período brāhma-­muhūrta e tocava um pouco de água. Então, com a mente límpida, meditava em Si mesmo, a única, autoluminosa, incomparável e infalível Verdade Suprema, conhecida como Brahman, que, por Sua pró­pria natureza, sempre dissipa toda a contaminação e que, através de Suas energias pessoais, que provocam a criação e destruição deste universo, manifesta Sua própria existência pura e bem­-aventurada.

VERSO 6: Aquela santíssima personalidade, então, banhava-Se em água santificada, vestia-Se com trajes inferiores e superiores e exe­cutava toda a sequência de rituais prescritos, a começar com a adoração na madrugada. Depois de oferecer oblações ao fogo sa­grado, o Senhor Kṛṣṇa recitava em voz baixa o mantra Gāyatrī.

VERSOS 7-9: Todos os dias, o Senhor adorava o sol nascente e satisfazia os semideuses, sábios e antepassados, que são todos expansões dEle. O Senhor autocontrolado, em seguida, adorava com toda a aten­ção Seus superiores e os brāhmaṇas. Àqueles brāhmaṇas bem vestidos, Ele oferecia rebanhos de mansas vacas com chifres fo­lheados a ouro e ornadas com colares de pérolas. Essas vacas também estavam enfeitadas com tecidos finos, e a parte dianteira de seus cascos era revestida de prata. Fornecedoras de abundan­te quantidade de leite, cada uma delas só parira uma vez e estava acompanhada de seu bezerro. Diariamente, o Senhor dava aos brāhmaṇas eruditos muitos rebanhos de 13.084 vacas, junto com linho, peles de veado e sementes de gergelim.

VERSO 10: O Senhor Kṛṣṇa oferecia reverências às vacas, brāhmaṇas e semideuses, a Seus superiores e mestres espirituais, e a todos os seres vivos – todos os quais são expansões de Sua suprema personalidade. Depois, Ele tocava coisas auspiciosas.

VERSO 11: Ele adornava Seu corpo, o próprio ornamento da sociedade humana, com Suas roupas e joias especiais e com divinas guirlandas de flores e unguentos.

VERSO 12: Então, Ele olhava para um pote de ghī, um espelho, as vacas e touros, os brāhmaṇas e semideuses e encarregava-Se de que os membros de todas as classes sociais residentes no palácio e em toda a cidade ficassem satisfeitos com o recebimento de presen­tes. Depois disso, saudava Seus ministros, agradando-lhes através da realização de todos os seus desejos.

VERSO 13: Depois de distribuir guirlandas de flores, pān e pasta de sân­dalo primeiro aos brāhmaṇas, Ele dava esses presentes a Seus amigos, ministros e esposas, e, por fim, Ele mesmo os aceitava.

VERSO 14: Então, o quadrigário do Senhor trazia Sua quadriga sumamen­te maravilhosa atrelada a Sugrīva e aos outros cavalos. Seu quadrigário reverenciava-O e, depois, postava-se diante dEle.

VERSO 15: Segurando as mãos de Seu quadrigário, o Senhor Kṛṣṇa montava na quadriga, juntamente com Sātyaki e Uddhava, assim como o Sol nascendo sobre a montanha no horizonte oriental.

VERSO 16: As damas do palácio contemplavam o Senhor Kṛṣṇa com olhares tímidos e amorosos, e por isso Ele conseguia livrar-Se delas somente a muito custo. Ele, então, partia com Seu rosto sorridente a ca­tivar-lhes a mente.

VERSO 17: O Senhor, rodeado por todos os Vṛṣṇis, entrava no salão de assembleias Sudharmā, que protege contra as seis ondas da vida material os que nele entram, querido rei.

VERSO 18: Ao sentar-Se em Seu trono elevado ali no salão de assembleias, o onipotente Senhor Supremo brilhava com Seu fulgor inigualável, iluminando todos os cantos do espaço. Rodeado pelos Yadus, leões entre os homens, aquele melhor dos Yadus parecia a Lua entre muitas estrelas.

VERSO 19: E lá, ó rei, bobos da corte entretinham o Senhor com a exibi­ção de várias atitudes cômicas, atores peritos encenavam para Ele, e bailarinas dançavam com muita energia.

VERSO 20: Esses artistas dançavam e cantavam ao som de mṛdaṅgas, vīṇās, murajas, flautas, címbalos e búzios, enquanto poetas profissionais, cronistas e panegiristas recitavam as glórias do Senhor.

VERSO 21: Alguns brāhmaṇas sentados naquele salão de assembleias cantavam com fluência os mantras védicos, enquanto outros recontavam histórias de célebres reis piedosos do passado.

VERSO 22: Certa vez, chegou à assembleia uma pessoa, ó rei, que jamais fora vista ali. Os porteiros anunciaram-no ao Senhor e, então, conduziram-no ao interior da assembleia.

VERSO 23: Aquele homem prostrou-se diante de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e, de mãos postas, descreveu ao Senhor como muitos reis estavam sofrendo porque Jarāsandha os aprisionara.

VERSO 24: Vinte mil reis que se recusaram a submeter-se absolutamente a Jarāsandha durante sua conquista do mundo foram aprisiona­dos à força por ele na fortaleza chamada Girivraja.

VERSO 25: Os reis disseram [conforme relatou seu mensageiro]: Ó Kṛṣṇa, ó Kṛṣṇa, Espírito incomensurável, destruís o medo daqueles que se renderam a Vós. Apesar de nossa atitude separatista, nós, por medo da existência material, viemos buscar Vosso abrigo.

VERSO 26: As pessoas neste mundo estão sempre ocupadas em atividades pecaminosas e, assim, confundem-se quanto a seu verdadeiro dever, que consiste em adorar-Vos segundo Vossos mandamentos. O cumprimento deste dever, em verdade, traria boa fortuna para as pessoas neste mundo. Ofereçamos nossas reverências ao Senhor onipotente, que apare­ce como o tempo e de repente decepa nossa obstinada esperança de uma longa vida neste mundo.

VERSO 27: Sois o predominante Senhor do universo e descestes a este mundo com Vosso poder pessoal para proteger os santos e reprimir os perversos. Não podemos compreender, ó Senhor, como alguém pode transgredir Vossa lei e ainda continuar a gozar os frutos de seu trabalho.

VERSO 28: Ó Senhor, com este corpo semelhante a um cadáver, sempre cheios de medo, carregamos o fardo da felicidade relativa dos reis, que é tal qual um sonho. Dessa maneira, rejeitamos a ver­dadeira felicidade da alma, que vem para aquele que Vos presta serviço abnegado. Sendo tão deploráveis, apenas sofremos nesta vida sob o encanto de Vossa energia ilusória.

VERSO 29: Portanto, já que Vossos pés aliviam o sofrimento dos que se rendem a eles, por favor, libertai estes prisioneiros que Vos falam, quebrando nossos grilhões do karma, manifestos como o rei de Magadha. Controlando sozi­nho a valentia de dez mil elefantes enlouquecidos, ele nos prendeu em sua casa assim como um leão captura ovelhas.

VERSO 30: Ó portador do disco! Vossa força é ilimitada, e, por isso, subjugastes Jarāsandha em combate dezesse­te vezes. Mas depois, absor­to em afazeres humanos, permitistes que ele Vos derrotasse uma vez. Agora ele está tão cheio de orgulho que ousa atormentar-nos, Vossos súditos. Ó invencível, por favor, retificai esta situação.

VERSO 31: O mensageiro continuou: Esta é a mensagem dos reis aprisionados por Jarāsandha, todos os quais anseiam por Vossa au­diência, tendo-se rendido a Vossos pés. Por favor, concedei boa fortuna àquelas pobres almas.

VERSO 32: Śukadeva Gosvāmī disse: Depois que o mensageiro dos reis falara essas palavras, Nārada, o sábio entre os semideuses, de repente apareceu. Tendo no alto da cabeça uma massa de dourados cachos de cabelos entrelaçados, o refulgentíssimo sábio entrou no salão tal qual o Sol brilhante.

VERSO 33: O Senhor Kṛṣṇa é o mestre adorável até mesmo dos governan­tes dos planetas, tais como o senhor Brahmā e o senhor Śiva; contudo, logo que viu Nārada Muni chegar, Ele, juntamente com Seus ministros e secretários, levantou-Se alegremente para receber o eminente sábio e oferecer Suas respeitosas reverências curvando a cabeça.

VERSO 34: Depois que Nārada havia aceitado o assento oferecido a ele, o Senhor Kṛṣṇa honrou o sábio segundo os preceitos das escrituras e, satisfazendo-o com Sua reverência, disse as seguintes palavras gentis e verdadeiras.

VERSO 35: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] É certo que hoje os três mundos libertaram-se de todo o medo, pois esta é a influência de uma perso­nalidade tão formidável como tu, que viajas à vontade por todos os mundos.

VERSO 36: Não há nada que desconheças na criação de Deus. Portanto, por favor, dize-Nos o que os Pāṇḍavas pretendem fazer.

VERSO 37: Śrī Nārada disse: Tenho visto muitas vezes o insuperável poder de Tua māyā, ó Onipotente, com a qual confundes até mesmo Brahmā, o criador do universo. Ó Senhor em quem tudo repou­sa, não me surpreende que Te disfarces com Tuas próprias ener­gias enquanto Te moves entre os seres criados, assim como o fogo cobre sua própria luz com fumaça.

VERSO 38: Quem pode compreender adequadamente Teu propósito? Com Tua energia material, expandes e também recolhes esta criação, a qual, em virtude disso, parece ter uma existência substancial. Reverências a Ti, cuja posição transcendental é inconcebível.

VERSO 39: O ser vivo capturado no ciclo de nascimentos e mortes não sabe como livrar-se do corpo material, que lhe traz tantos proble­mas. Mas Tu, o Senhor Supremo, desces a este mundo em várias formas pessoais e, mediante a execução de Teus passatempos, ilu­minas o caminho da alma com o archote brilhante de Tua fama. Por isso, rendo-me a Ti.

VERSO 40: Não obstante, ó Verdade Suprema a interpretar o papel de um ser humano, eu Te direi o que Teu devoto Yudhiṣṭhira Mahārāja, o sobrinho de Teu pai, intenciona fazer.

VERSO 41: Desejando soberania incomparável, o rei Yudhiṣṭhira pretende adorar-Te com o mais formidável sacrifício de fogo, o Rājasūya. Por favor, abençoa seu esforço.

VERSO 42: Ó Senhor, semideuses elevados e reis gloriosos, ávidos por Te ver, irão todos àquele melhor dos sacrifícios.

VERSO 43: Ó Senhor, se até mesmo os párias se purificam por ouvir e cantar Tuas glórias e meditar em Ti, a Verdade Absoluta, o que se dizer, então, daqueles que Te veem e tocam?

VERSO 44: Meu querido Senhor, és o símbolo de tudo o que é auspicioso. Tua fama e nome transcendentais estendem-se como um dossel sobre todo o universo, incluindo os sistemas planetários superiores, intermediários e inferiores. A água transcendental que lava Teus pés de lótus é conhecida nos sistemas planetários superiores como o rio Mandākinī, nos sistemas planetários inferiores como o Bhogavatī e, neste sistema planetário terrestre, como o Ganges. Esta água sagrada e transcendental corre por todo o universo, purificando todos os lugares por onde passa.

VERSO 45: Śukadeva Gosvāmī disse: Quando Seus partidários, os Yādavas, objetaram a esta proposta devido à avidez de derrotar Jarāsandha, o Senhor Keśava voltou-Se para Seu servo Uddhava e, sorrindo, dirigiu-Se a ele com belas palavras.

VERSO 46: A Personalidade de Deus disse: És de fato Nosso melhor olho e amigo mais íntimo, porque conheces perfeitamente o valor relativo de várias espécies de conselho. Portanto, por favor, dize-Nos o que deve ser feito nesta situação. Confiamos em teu julgamento e faremos o que disseres.

VERSO 47: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Solicitado assim por seu mestre, que, embora onisciente, agia como se estivesse perplexo, Uddha­va aceitou essa ordem sobre sua cabeça e respondeu o seguinte.

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