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CAPÍTULO SETENTA E DOIS

O Extermínio do Demônio Jarāsandha

Este capítulo descreve como o Senhor Kṛṣṇa ouviu o pedido do rei Yudhiṣṭhira e, então, fez os preparativos para que Bhīmasena derrotas­se Jarāsandha.

Certo dia, o rei Yudhiṣṭhira dirigiu-se ao Senhor Kṛṣṇa enquanto este estava sentado na assembleia real: “Meu Senhor, desejo exe­cutar o sacrifício Rājasūya. Nesse sacrifício, as pessoas desinteressa­das em prestar serviço devocional a Ti poderão ver, em primeira mão, a superioridade de Teus devotos e a inferioridade dos não-devotos. Além disso, conseguirão ver Teus pés de lótus.”

O Senhor Kṛṣṇa elogiou a proposta de Yudhiṣṭhira: “Teu plano é tão excelente que disseminará tua fama por todo o universo. De fato, todos os seres vivos devem desejar que se execute este sacrifício. Para torná-lo possível, porém, deves primeiro derrotar todos os reis da Terra e reunir toda a parafernália necessária.”

Satisfeito com as palavras do Senhor Kṛṣṇa, o rei Yudhiṣṭhira enviou seus irmãos para conquistar as várias direções. Depois de terem vencido os reis que dominavam as direções que lhes foram determinadas, ou terem ganhado a lealdade deles, os irmãos Pāṇḍavas volta­ram trazendo abundantes riquezas para Yudhiṣṭhira. Eles lhe informa­ram, todavia, que não era possível derrotar Jarāsandha. Enquanto o rei Yudhiṣṭhira ponderava sobre como poderia subjugar Jarāsandha, Śrī Kṛṣṇa revelou-lhe como fazer isso, seguindo o conselho dado antes por Uddhava.

Bhīma, Arjuna e Śrī Kṛṣṇa, então, disfarçaram-se de brāhmaṇas e foram ao palácio de Jarāsandha, que era muito devotado à classe bramânica. Eles se apresentaram como brāhmaṇas ao rei Jarāsandha, bajulando-o com elogios à sua reputação de hospitalidade, e pediram-lhe que atendesse o desejo deles. Vendo as marcas das cordas de arco em seus corpos, Jarāsandha concluiu que eram guerreiros e não brāhmaṇas, mas, ainda assim, embora temeroso, prometeu sa­tisfazer qualquer desejo que tivessem. Naquele momento, o Senhor Kṛṣṇa tirou o disfarce e pediu que Jarāsandha lutasse contra Ele em um combate individual. Mas Jarāsandha recusou, alegando que Kṛṣṇa era um covarde, pois fugira uma vez do campo de batalha. Jarāsandha também se negou a lutar contra Arjuna sob o pretexto de que este era inferior em idade e tamanho. Quanto a Bhīma, todavia, ele considerou um digno oponente.

Então, Jarāsandha entregou a Bhīma uma maça e apanhou outra para si, e saíram todos da cidade para começar a luta.

Depois de algum tempo de luta, ficou claro que os dois rivais se equiparavam em força, de tal modo que nenhum dos dois venceria. O Senhor Kṛṣṇa, então, partiu ao meio um ramo de árvore, mostrando assim a Bhīma como matar Jarāsandha. Bhīma atirou Jarāsandha ao chão, pisou em uma de suas pernas, agarrou a outra e colocou-se a rasgá-lo dos genitais até a cabeça.

Vendo Jarāsandha morto, seus parentes e súditos gritaram em lamentação. O Senhor Kṛṣṇa, então, nomeou o filho de Jarāsandha governador de Magadha e libertou os reis que Jarāsandha aprisionara.

VERSOS 1-2: Śukadeva Gosvāmī disse: Certo dia, enquanto o rei Yudhiṣṭhira estava sentado na assembleia real rodeado por eminentes sábios, brāhmaṇas, kṣatriyas e vaiśyas, e também por seus irmãos, mestres espirituais, anciãos da família, parentes consanguíneos e ami­gos, ele se dirigiu ao Senhor Kṛṣṇa enquanto todos escutavam.

VERSO 3: Śrī Yudhiṣṭhira disse: Ó Govinda, desejo adorar Tuas auspiciosas e opulentas expansões mediante o sacrifício Rājasūya, o rei das cerimônias védicas. Por favor, faze de nosso esforço um su­cesso, meu Senhor.

VERSO 4: Pessoas purificadas que constantemente servem, glorificam e meditam em Tuas sandálias, que destroem tudo o que é inauspicioso, com certeza se libertarão da existência material, ó pessoa de umbigo de lótus. Até mesmo se desejam alguma coisa neste mundo, tais pessoas a obtêm, ao passo que outros – aqueles que não se refugiam em Ti – jamais estão satisfeitos, ó Senhor.

VERSO 5: Portanto, ó Senhor dos senhores, que as pessoas deste mundo vejam o poder do serviço devocional prestado a Teus pés de lótus. Por favor, mostra-lhes, ó onipotente, a posição daqueles Kurus e Sṛñjayas que Te adoram, e a posição daqueles que não o fazem.

VERSO 6: Dentro de Tua mente, não pode existir tal diferenciação como “isto é meu e aquilo é de outrem”, porque és a Suprema Verdade Absoluta, a Alma de todos os seres, sempre equilibrado e desfrutando a felicidade transcendental dentro de Ti mesmo. Assim como a árvore-dos-desejos celestial, abençoas todos os que Te adoram de modo apropriado, concedendo-lhes os frutos desejados em proporção ao serviço que prestam a Ti. Nada há de errado nisso.

VERSO 7: A Suprema Personalidade de Deus disse: Tua decisão é perfei­ta, ó rei, de maneira que tua nobre fama se espalhará por todos os mundos, ó atormentador de teus inimigos.

VERSO 8: De fato, Meu senhor, para os grandes sábios, os antepassados e os semideuses, para Nossos amigos benquerentes e, de fato, para todos os seres vivos, é desejável a execução deste rei dos sacrifí­cios védicos.

VERSO 9: Primeiro, vence todos os reis, põe a Terra sob teu controle e reúne toda a parafernália necessária. Então, executa este grande sacrifício.

VERSO 10: Estes teus irmãos, ó rei, nasceram como expansões parciais dos semideuses que governam vários planetas. E és tão autocontrola­do que conquistaste até mesmo a Mim, que sou inconquistável para aqueles que não conseguem controlar os sentidos.

VERSO 11: Ninguém neste mundo, nem mesmo um semideus – isso para não falar de um rei terreno – pode derrotar Meu devoto com sua força, beleza, fama ou riqueza.

VERSO 12: Śukadeva Gosvāmī disse: Após ouvir estas palavras cantadas pelo Senhor Supremo, o rei Yudhiṣṭhira ficou jubiloso, e seu rosto desabrochou como um lótus. Então, ele enviou seus irmãos, que eram dotados com a potência do Senhor Viṣṇu, para conquistar todas as direções.

VERSO 13: Ele mandou Sahadeva para o sul com os Sṛñjayas, Nakula para o ocidente com os Matsyas, Arjuna para o norte com os Kekayas, e Bhīma para o oriente com os Madrakas.

VERSO 14: Depois de derrotar muitos reis valentes, estes heroicos irmãos voltaram trazendo abundantes riquezas para Yudhiṣṭhira Mahārāja, que intencionava executar o sacrifício, ó rei.

VERSO 15: Ao ouvir que Jarāsandha continuava invicto, o rei Yudhiṣṭhira colocou-se a ponderar, e então Hari, o Senhor primordial, contou-lhe o meio que Uddhava apresentara para levar Jarāsandha à der­rota.

VERSO 16: Então, Bhīmasena, Arjuna e Kṛṣṇa disfarçaram-se de brāhmaṇas e foram para Girivraja, meu querido rei, onde se encontrava o filho de Bṛhadratha.

VERSO 17: Disfarçados de brāhmaṇas, os guerreiros reais foram à casa de Jarāsandha na hora marcada para receber hóspedes e submeteram sua súplica àquele zeloso pai de família, que tinha respeito especial pela classe bramânica.

VERSO 18: [Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīma disseram:] Ó rei, somos hóspedes necessitados que viemos de longe à vossa pro­cura. Nós vos desejamos tudo o que há de bom. Por favor, con­cedei-nos qualquer coisa que desejarmos.

VERSO 19: O que o tolerante não pode tolerar? O que os perver­sos não farão? O que o generoso não dará em caridade? E a quem os homens de visão equânime verão como um estranho?

VERSO 20: De fato, deve-se considerar censurável e digno de pena aquele que, embora capaz de fazê-lo, deixa de conseguir com seu corpo temporário a fama duradoura glorificada pelos grandes santos.

VERSO 21: Hariścandra, Rantideva, Uñchavṛtti Mudgala, Śibi, Bali, e o caçador e o pombo lendários, bem como muitos outros, alcançaram o permanente por meio do impermanente.

VERSO 22: Śukadeva Gosvāmī disse: Pelo som de suas vozes, sua estatura física e as marcas de cordas de arcos em seus antebraços, Jarāsandha pôde perceber que seus hóspedes pertenciam à ordem real. Ele se colocou a pensar que os vira antes em algum lugar.

VERSO 23: [Jarāsandha pensou:] Sem dúvida, estes são membros da ordem real vestidos de brāhmaṇas, mas, ainda assim, devo satisfazer-lhes a súplica de caridade, mesmo que me peçam o próprio corpo.

VERSOS 24-25: De fato, as imaculadas glórias de Bali Mahārāja são ouvidas no mundo inteiro. O Senhor Viṣṇu, desejando recuperar a opu­lência de Indra que fora extorquida por Bali, apareceu diante deste disfarçado de brāhmaṇa e fê-lo cair de sua poderosa posi­ção. Embora ciente da artimanha e proibido por seu guru, Bali, rei dos demônios, ainda assim deu a Viṣṇu toda a Terra em ca­ridade.

VERSO 26: Qual é o valor de um kṣatriya desqualificado que continua vivo, mas deixa de lograr glória eterna mediante o trabalho rea­lizado com seu corpo perecível para o benefício dos brāhmaṇas?

VERSO 27: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Tomando, então, uma decisão, o generoso Jarāsandha disse a Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīma: “Ó brāhmaṇas eruditos, escolhei o que quiserdes. Eu vos darei qualquer coisa, mesmo que seja minha própria cabeça.”

VERSO 28: O Senhor Supremo disse: Ó excelso rei, concede-nos um combate sob a forma de um duelo, se julgas isso apropriado. Somos príncipes e viemos solicitar uma luta. Não temos nenhum outro pedido a fazer-te.

VERSO 29: Aquele é Bhīma, filho de Pṛthā, e este é seu irmão Arjuna. Fica sabendo que Eu sou o primo materno deles, Kṛṣṇa, teu inimigo.

VERSO 30: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Assim desafiado, Magadharāja riu bem alto e disse com desprezo: “Tudo bem, tolos, eu vos darei um combate!”

VERSO 31: “Mas não lutarei conTigo, Kṛṣṇa, porque és um covarde. Tua força Te abandonou no meio da batalha, e fugiste de Mathurā, Tua capital, para Te abrigares no mar.”

VERSO 32: “Quanto a este, Arjuna, ele não tem a mesma idade que eu, nem é muito forte. Como não se compara a mim, não deve ser o adversário. Bhīma, porém, é tão forte quanto eu.”

VERSO 33: Tendo dito isso, Jarāsandha ofereceu a Bhīmasena uma enor­me maça e apanhou outra para si, e saíram da cidade juntos.

VERSO 34: Nos terrenos planos para luta localizados nos arredores da cidade, os dois heróis, então, começaram a lutar. Enlouquecidos com a fúria do combate, eles se golpeavam com suas maças semelhan­tes a relâmpagos.

VERSO 35: Enquanto giravam com destreza para a esquerda e para a direita, como atores dançando em um palco, a luta se revelava um magnífico espetáculo.

VERSO 36: Quando as maças de Jarāsandha e Bhīmasena se chocavam, ó rei, o som alto era como o impacto de grandes presas de dois elefantes em luta, ou o estrondo de um relâmpago em uma fulgu­rante tempestade elétrica.

VERSO 37: Eles brandiam suas maças um contra o outro com tamanha velocidade e força que, ao atingirem seus ombros, quadris, pés, mãos, coxas e clavículas, as armas se amassavam e quebravam como galhos de árvores arka com os quais dois elefantes enfurecidos atacam um ao outro.

VERSO 38: Com suas maças assim destruídas, aqueles formidáveis heróis entre os homens esmurraram-se iradamente com seus punhos de ferro. Enquanto se esbofeteavam, o som parecia o estrondo de elefantes em colisão ou o ribombar de severos trovões.

VERSO 39: Enquanto lutavam assim, essa competição entre adversários de treinamento, força e resistência iguais não chegava a uma conclusão. E por isso eles continuavam lutando, ó rei, sem nenhuma pausa.

VERSO 40: O Senhor Kṛṣṇa conhecia o segredo do nascimento e da morte de Seu inimigo Jarāsandha, e também como a demônia Jara lhe restituíra a vida. Considerando tudo isso, o Senhor Kṛṣṇa concedeu Seu poder especial a Bhīma.

VERSO 41: Tendo determinado como matar o inimigo, aquele Senhor de visão infalível fez um sinal a Bhīma partindo ao meio o ramo de uma árvore.

VERSO 42: Entendendo aquele sinal, o poderoso Bhīma, o melhor dos lutadores, agarrou seu adversário pelos pés e atirou-o ao chão.

VERSO 43: Bhīma pisou em uma das pernas de Jarāsandha enquanto segurava a outra perna, e então, assim como um formidável elefante pode quebrar o galho de uma árvore, Bhīma rasgou Jarāsandha do ânus à cabeça.

VERSO 44: Então, os súditos do rei viram-no jogado no chão em duas partes separadas, cada uma com uma única perna, coxa, testículo, quadril, ombro, braço, olho, sobrancelha e orelha, e com a metade das costas e do peito.

VERSO 45: Com a morte do senhor de Magadha, ergueu-se um grande clamor de lamentação, enquanto Arjuna e Kṛṣṇa congratularam Bhīma abraçando-o.

VERSO 46: A incomensurável Suprema Personalidade de Deus, o sustentador e benfeitor de todos os seres vivos, coroou o filho de Jarā­sandha, Sahadeva, como o novo governante dos Magadhas. O Senhor, então, libertou todos os reis que Jarāsandha aprisionara.

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