CAPÍTULO SETENTA E OITO
O Extermínio de Dantavakra, Vidūratha e Romaharṣaṇa
Este capítulo relata como o Senhor Kṛṣṇa matou Dantavakra e Vidūratha, visitou Vṛndāvana e, em seguida, voltou para Dvārakā. Descreve também como o Senhor Baladeva matou o ofensivo Romaharṣaṇa Sūta.
Decidido a vingar a morte de seu amigo Śālva, Dantavakra apareceu no campo de batalha empunhando uma maça. O Senhor Kṛṣṇa apanhou Sua própria maça e ficou diante dele. Dantavakra, então, insultou o Senhor com palavras ásperas e acertou-Lhe um terrível golpe na cabeça. Sem fazer o menor movimento, o Senhor Kṛṣṇa golpeou o peito de Dantavakra, destroçando-lhe o coração. Dantavakra tinha um irmão chamado Vidūratha, que ficou transtornado com a morte de Dantavakra. Pegando de sua espada, Vidūratha enfrentou Śrī Kṛṣṇa, mas o Senhor decepou a cabeça de Vidūratha com Seu disco Sudarśana. O Senhor Kṛṣṇa, então, visitou Vṛndāvana durante dois meses e, por fim, regressou a Dvārakā.
Quando ouviu que os Pāṇḍavas e Kauravas estavam prestes a entrar em guerra, o Senhor Baladeva, a fim de permanecer neutro, partiu de Dvārakā com o pretexto de peregrinar. O Senhor banhou-Se em lugares sagrados como Prabhāsa, Tritakūpa e Viśāla, e terminou chegando à floresta sagrada de Naimiṣāraṇya, onde grandes sábios estavam executando um prolongado sacrifício de fogo. Enquanto era adorado pelos sábios reunidos e recebia um assento de honra, o Senhor notou que Romaharṣaṇa Sūta, sentado no lugar do orador, deixara de se levantar em deferência a Ele. Muito irritado com essa ofensa, o Senhor Balarāma matou Romaharṣaṇa tocando-o com a ponta de uma folha de grama kuśa.
Os sábios reunidos ficaram perturbados com o que o Senhor Baladeva fizera e disseram-Lhe: “Sem o saberdes, matastes um brāhmaṇa. Portanto, embora estejais acima das prescrições védicas, pedimos-Vos que estabeleçais um exemplo perfeito para o povo em geral, expiando este pecado.” Então, Śrī Baladeva, seguindo a máxima védica de que “um filho nasce como o próprio eu da pessoa”, concedeu ao filho de Romaharṣaṇa, Ugraśravā, a posição de orador dos Purāṇas, e, de acordo com os desejos dos sábios, prometeu a Ugraśravā uma vida longa com plena capacidade sensorial.
Querendo fazer algo mais pelos sábios, o Senhor Baladeva prometeu matar um demônio chamado Balvala, que vinha poluindo a arena de sacrifício deles. Por fim, a conselho dos sábios, concordou em fazer uma peregrinação de um ano a todos os lugares sagrados da Índia.
VERSOS 1-2: Śukadeva Gosvāmī disse: Agindo por amizade a Śiśupāla, Śālva e Pauṇḍraka, que haviam todos partido para o outro mundo, o perverso Dantavakra apareceu no campo de batalha furiosíssimo, ó rei. Completamente sozinho, sem montaria e empunhando uma maça, o poderoso guerreiro estremecia a terra com seus passos.
VERSO 3: Vendo Dantavakra aproximar-se, o Senhor Kṛṣṇa rapidamente pegou de Sua maça, saltou da quadriga e refreou o avanço de Seu adversário assim como a costa detém o avanço do oceano.
VERSO 4: Erguendo sua maça, o atrevido rei de Karūṣa disse ao Senhor Mukunda: “Que sorte! Que sorte teres vindo diante de mim neste dia!”
VERSO 5: “És nosso primo materno, Kṛṣṇa, mas cometeste violência a meus amigos, e agora queres matar-me também. Portanto, tolo, vou matar-Te com minha maça poderosa como um raio.”
VERSO 6: “Então, ó pessoa ininteligente, eu, que sou grato a meus amigos, ao matar-Te, meu inimigo disfarçado de parente, que és como uma doença em meu corpo, terei pago minha dívida com eles.”
VERSO 7: Tentando assim importunar o Senhor Kṛṣṇa com palavras ásperas, assim como alguém que incita um elefante com aguilhoadas, Dantavakra golpeou a cabeça do Senhor com sua maça e rugiu como um leão.
VERSO 8: Embora atingido pela maça de Dantavakra, o Senhor Kṛṣṇa, o salvador dos Yadus, não Se moveu de Seu lugar no campo de batalha. Em vez disso, com Sua pesada maça Kaumodakī, o Senhor atingiu Dantavakra no meio do peito.
VERSO 9: Com o coração despedaçado pelo golpe da maça, Dantavakra vomitou sangue e caiu sem vida ao chão, com o cabelo em desalinho, e suas pernas e braços abertos.
VERSO 10: Uma sutilíssima e maravilhosa centelha de luz então [ergueu-se do corpo do demônio e] entrou no Senhor Kṛṣṇa, enquanto todos observavam, ó rei, assim como se deu quando Śiśupāla foi morto.
VERSO 11: Mas então o irmão de Dantavakra, Vidūratha, imerso em pesar por causa da morte do irmão, apareceu ali respirando pesadamente, de espada e escudo nas mãos. Ele queria matar o Senhor.
VERSO 12: Ó melhor dos reis, quando Vidūratha precipitou-se sobre o Senhor Kṛṣṇa, este usou Seu afiadíssimo disco Sudarśana para extirpar-lhe a cabeça, juntamente com seu elmo e brincos.
VERSOS 13-15: Tendo assim destruído Śālva e sua aeronave Saubha, juntamente com Dantavakra e seu irmão mais novo, todos os quais eram invencíveis diante de qualquer outro adversário, o Senhor foi louvado por semideuses, seres humanos e grandes sábios, por Siddhas, Gandharvas, Vidyādharas e Mahoragas, e também por Apsarās, Pitās, Yakṣas, Kinnaras e Cāraṇas. Enquanto estes cantavam Suas glórias e lançavam chuvas de flores sobre Ele, o Senhor Supremo, acompanhado dos mais eminentes Vṛṣṇis, entrou em Sua capital, que estava festivamente adornada.
VERSO 16: Desse modo, o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, o mestre de todo o poder místico e o Senhor do universo, é sempre vitorioso. Apenas as pessoas de visão animalesca pensam que Ele às vezes sofre derrota.
VERSO 17: O Senhor Balarāma, então, ouviu dizer que os Kurus estavam se preparando para guerrear contra os Pāṇḍavas. Sendo neutro, Ele partiu a pretexto de ir banhar-Se nos lugares sagrados.
VERSO 18: Após banhar-Se em Prabhāsa e honrar os semideuses, sábios, antepassados e ilustres seres humanos, Ele foi em companhia de brāhmaṇas para a parte do Sarasvatī que corre para o ocidente, onde se encontra o mar.
VERSOS 19-20: O Senhor Balarāma visitou o extenso lago Bindu-saras, Tritakūpa, Sudarśana, Viśāla, Brahma-tīrtha, Cakra-tīrtha e o Sarasvatī, que corre para o oriente. Foi também a todos os lugares sagrados ao longo do Yamunā e do Ganges, ó Bhārata, após o que chegou à floresta de Naimiṣa, onde eminentes sábios estavam realizando um primoroso sacrifício.
VERSO 21: Assim que o Senhor chegou, os sábios, que tinham estado envolvidos havia muito tempo em seus rituais de sacrifício, reconheceram-nO e saudaram-nO como é apropriado a tal ocasião, levantando-se, prostrando-se e adorando-O.
VERSO 22: Depois de ter sido adorado assim juntamente com Seu séquito, o Senhor aceitou um assento de honra. Então, notou que Romaharṣaṇa, discípulo de Vyāsadeva, permanecia sentado.
VERSO 23: O Senhor Balarāma ficou extremamente irado ao ver como este membro da classe sūta deixara de se levantar, prostrar-se ou de ao menos reverenciá-lO de mãos postas, e também como permanecera sentado em um assento mais elevado do que o de todos os brāhmaṇas eruditos.
VERSO 24: [O Senhor Balarāma disse:] Porque este tolo nascido de um casamento misto impróprio permanece sentado acima de todos esses brāhmaṇas e mesmo acima de Mim, o protetor da religião, ele merece morrer.
VERSOS 25-26: Embora seja discípulo do divino sábio Vyāsa e com ele tenha aprendido na íntegra muitas escrituras, tais como os livros que tratam dos deveres religiosos, as epopeias e os Purāṇas, todo esse estudo não produziu nele boas qualidades. Ao contrário, seu estudo das escrituras é como um ator que estuda seu papel, pois ele não é autocontrolado nem humilde e, sem fundamento, julga-se uma autoridade erudita, embora tenha fracassado em dominar sua própria mente.
VERSO 27: O propósito de Meu advento a este mundo é acabar com tais hipócritas que fingem serem religiosos. De fato, eles são os canalhas mais pecaminosos.
VERSO 28: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Embora o Senhor Balarāma tivesse parado de matar os ímpios, a morte de Romaharṣaṇa era inevitável. Por isso, após ter dito essas palavras, o Senhor pegou uma folha de grama kuśa e, tocando-o com sua ponta, matou-o.
VERSO 29: Em grande aflição, todos os sábios gritaram: “Ai, ai!” e disseram ao Senhor Saṅkarṣaṇa: “Ó mestre, cometestes um ato irreligioso!”
VERSO 30: “Ó favorito dos Yadus, demos-lhe o assento do mestre espiritual e prometemos-lhe uma longa vida e liberdade da dor física enquanto perdurasse este sacrifício.”
VERSOS 31-32: “Sem o saberdes, matastes um brāhmaṇa. É claro que nem mesmo os preceitos das escrituras reveladas podem impor ordens a Vós, o Senhor de todo o poder místico. Mas se, por Vossa livre vontade, não obstante, executardes a purificação prescrita para quem assassina um brāhmaṇa, ó purificador de todo o mundo, as pessoas em geral se beneficiarão muito com Vosso exemplo.”
VERSO 33: A Personalidade de Deus disse: Com certeza, farei a expiação por este assassinato, pois desejo mostrar compaixão pelo povo em geral. Por favor, prescrevei, portanto, o ritual que devo realizar primeiro.
VERSO 34: Ó sábios, apenas ordenai e, através de Meu poder místico, restituirei tudo o que lhe prometestes – longa vida, força e poder sensorial.
VERSO 35: Os sábios disseram: Por favor, providenciai, ó Rāma, para que Vosso poder e o de Vossa arma kuśa, bem como nossa promessa e a morte de Romaharṣaṇa, tudo permaneça intacto.
VERSO 36: O Senhor Supremo disse: Os Vedas nos instruem que o eu da pessoa renasce como seu filho. Então, que o filho de Romaharṣaṇa se torne o orador dos Purāṇas e que seja dotado de longa vida, sentidos fortes e vigor.
VERSO 37: Por favor, dizei-Me vosso desejo, ó melhores dos sábios, e com certeza hei de cumpri-lo. E, por favor, ó almas sábias, determinai com atenção a expiação que Me cabe, pois não sei qual deveria ser.
VERSO 38: Os sábios disseram: Um terrível demônio chamado Balvala, filho de Ilvala, vem aqui a cada lua nova e contamina nosso sacrifício.
VERSO 39: Ó descendente de Daśārha, por favor, matai esse demônio pecador, que derrama pus, sangue, fezes, urina, vinho e carne sobre nós. Esse é o melhor serviço que nos podeis prestar.
VERSO 40: Depois disso, durante doze meses, deveis circungirar a terra de Bhārata com uma atitude de séria meditação, fazendo austeridades e banhando-Vos em vários locais sagrados de peregrinação. Dessa maneira, Vós Vos purificareis.