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CAPÍTULO VINTE E NOVE

Kṛṣṇa e as Gopīs Encontram-se para a Dança da Rāsa

Este capítulo descreve como o Senhor Śrī Kṛṣṇa, com a intenção de desfrutar a dança da rāsa, ocupou-Se em argumentar e contra­-argumentar com as gopīs. Em seguida, há uma descrição do início da dança da rāsa e o passatempo em que o Senhor desaparece do meio das gopīs.

Lembrando a promessa que fizera às gopīs na ocasião em que rou­bara as roupas delas, o Senhor Kṛṣṇa empregou Sua potência Yoga­māyā e manifestou dentro de Si o desejo de desfrutar passatempos durante uma noite de outono. Então, Ele começou a tocar Sua flauta. Quando as gopīs ouviram o som da flauta, os impulsos do Cupido se despertaram nelas violentamente, e, sem demora, elas abandonaram todos os seus deveres domésticos e foram às pressas ter com Kṛṣṇa. Todas as gopīs tinham corpos puramente espirituais, mas, quando alguns dos maridos e outros familiares das gopīs impediram-nas de ir, o Senhor Kṛṣṇa providenciou para que elas exibissem temporaria­mente corpos materiais, os quais então ficaram ao lado dos maridos. Dessa maneira, elas enganaram os parentes e saíram ao encontro de Kṛṣṇa.

Quando as gopīs chegaram diante do Senhor Kṛṣṇa, Ele pergun­tou: “Por que viestes? Não é bom que andeis na calada da noite por um lugar como este, cheio de criaturas violentas. Vossos mari­dos e filhos logo virão à vossa procura para vos levar para casa e ocupar-vos de novo em vossas tarefas domésticas. Afinal, o dever re­ligioso primordial de uma mulher é servir a seu marido e filhos. Para uma mulher respeitável, entregar-se a um amante é totalmente despre­zível e, com certeza, obstrui seu progresso rumo aos céus. Além disso, desenvolve-se amor puro por Mim não mediante proximidade física, mas por ouvir tópicos relacionados a Mim, ver a forma de Minha Deidade no templo, meditar em Mim e cantar com fé Minhas glórias. Portanto, todas vós faríeis melhor em voltar para casa.”

As gopīs ficaram abatidas ao ouvir isso e, depois de chorar um pouco, responderam um pouco iradas: “É injusto que rejeites mocinhas que abandonaram tudo em suas vidas e vieram a Ti com o desejo exclusivo de Te servir. Por servirmos nossos maridos e filhos, recebemos apenas dor, ao passo que, por servir a Ti, a mais querida Alma de todos os seres vivos, cumpriremos com perfeição o verdadeiro dever religioso do eu. Que mulher não se desviará de seus de­veres prescritos logo que ouvir o som de Tua flauta e vir Tua forma, que encanta os três mundos? Assim como o Supremo Senhor Viṣṇu protege os semideuses, Tu destróis a infelicidade do povo de Vṛndāvana. Deves, portanto, aliviar agora mesmo o tormento que sentimos por causa da separação de Ti.” Querendo agradar às gopīs, o Senhor Kṛṣṇa, que está sempre satisfeito em Si mesmo, respondeu a seus apelos divertindo-Se com elas em vários passatempos. Porém, quando essa atenção que Ele lhes dedicou fez com que elas ficassem um pouco orgulhosas, Ele as humildou desaparecendo de repente da arena da dança da rāsa.

VERSO 1: Śrī Bādarāyaṇi disse: Śrī Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, pleno de todas as opulências; ainda assim, ao ver aquelas noites de outono perfumadas com as flores de jasmim a desabrochar, Ele voltou o pensamento para Suas aventuras amorosas. Para realizar Seu propósito, Ele empregou Sua potência interna.

VERSO 2: Então, a Lua surgiu, tingindo a face do horizonte ocidental com o matiz avermelhado de seus raios confortantes e, assim, dissipou a dor de todos os que a viam nascer. A Lua era como um esposo amado que regressa após uma longa ausência e adorna o rosto de sua amada esposa com kuṅkuma vermelho.

VERSO 3: O Senhor Kṛṣṇa viu o disco completo da lua cheia resplandecente com a refulgência rubra do vermelhão recém-aplicado, como se fosse o rosto da deusa da fortuna. Viu também os lótus kumuda abrindo-se em resposta à presença da Lua, e viu a floresta gentilmente iluminada por seus raios. Então, o Senhor começou a tocar Sua flauta com muita doçura, atraindo as mentes das gopīs de belos olhos.

VERSO 4: Quando as jovens de Vṛndāvana ouviram o som da flauta de Kṛṣṇa, que desperta sentimentos românticos, suas mentes se deixaram cativar pelo Senhor. Cada uma delas, sem que as outras soubessem, dirigiu-se para onde seu amante as aguardava, andando tão depressa que seus brincos balançavam para frente e para trás.

VERSO 5: Algumas das gopīs estavam ordenhando as vacas quando ouviram a flauta de Kṛṣṇa. Elas pararam de ordenhar e saíram ao encontro dEle. Algumas deixaram leite coalhando no fogão, e outras deixaram bolos queimando no forno.

VERSOS 6-7: Algumas delas estavam se vestindo, dando de mamar a seus bebês ou prestando serviço pessoal aos maridos, mas todas abandonaram esses deveres e foram ao encontro de Kṛṣṇa. Outras gopīs estavam jantando, lavando-se, colocando cosméticos ou aplicando kajjala nos olhos. Mas todas as gopīs pararam de imediato essas atividades e, embora suas roupas e ornamentos estivessem em completo desalinho, correram em direção a Kṛṣṇa.

VERSO 8: Seus maridos, pais, irmãos e outros parentes tentaram detê-las, mas Kṛṣṇa já havia roubado seus corações. Encantadas pelo som de Sua flauta, elas se recusaram a voltar.

VERSO 9: Algumas das gopīs, todavia, não conseguiram sair de suas casas e, em vez disso, ficaram em casa de olhos fechados, meditando nEle em amor puro.

VERSOS 10-11: Para aquelas gopīs que não puderam ir ver Kṛṣṇa, a intolerá­vel separação de seu amado causava tamanha agonia que quei­mava todo o karma impiedoso. Por meditarem nEle, elas sentiam Seu abraço, e o êxtase que experimentavam então esgotava sua piedade material. Embora o Senhor Kṛṣṇa seja a Alma Suprema, estas moças simplesmente pensavam nEle como seu amado e se associavam com Ele nesta atitude íntima. Dessa maneira, seu cativeiro kármico foi anulado, e elas abandonaram seus corpos materiais grosseiros.

VERSO 12: Śrī Parīkṣit Mahārāja disse: Ó sábio, as gopīs conheciam Kṛṣṇa somente como seu amante, não como a Suprema Verdade Absoluta. Então, como essas jovens, com suas mentes presas nas ondas dos modos da natureza, poderiam libertar-se do apego material?

VERSO 13: Śukadeva Gosvāmī disse: Este ponto já te foi explicado antes. Visto que até mesmo Śiśupāla, que odiava Kṛṣṇa, alcançou a perfeição, o que dizer, então, dos queridos devotos do Senhor.

VERSO 14: Ó rei, o Senhor Supremo é inesgotável e imensurável e, por ser o controlador dos modos materiais, não é tocado por eles. Seu aparecimento pessoal neste mundo objetiva conceder à humanidade o benefício mais grandioso.

VERSO 15: Pessoas que constantemente canalizam sua luxúria, ira, medo, afeição protetora, sentimento de unidade impessoal ou amizade para o Senhor Hari com certeza se absorverão em pensar nEle.

VERSO 16: Não te deves espantar com Kṛṣṇa, o não nascido mestre de todos os mestres do poder místico, a Suprema Personalidade de Deus. Afinal, é o Senhor quem libera este mundo.

VERSO 17: Vendo que as mocinhas de Vraja haviam chegado, o Senhor Kṛṣṇa, o melhor dos oradores, saudou-as com palavras encantadoras, as quais lhes confundiram a mente.

VERSO 18: O Senhor Kṛṣṇa disse: Ó damas afortunadíssimas, sede bem-­vindas. O que posso fazer para vos agradar? Está tudo bem em Vraja? Dizei-Me, por favor, a razão de virdes aqui.

VERSO 19: Esta noite está muito assustadora, e criaturas medonhas estão à espreita. Retornai a Vraja, meninas de cintura fina. Este não é um lugar conveniente para mulheres.

VERSO 20: Não vos encontrando em casa, vossas mães, pais, filhos, irmãos e maridos decerto estão procurando por vós. Não deixeis vossos familiares ansiosos.

VERSOS 21-22: Agora vistes esta floresta de Vṛndāvana, cheia de flores e resplandecente com a luz da lua cheia. Vistes a beleza das árvores, com suas folhas a balançar com a suave brisa que vem do Yamu­nā. Agora, portanto, regressai à vila dos vaqueiros. Não vos demo­reis. Ó moças castas, prestai serviço a vossos maridos e alimentai vossos filhos e bezerros que estão a chorar.

VERSO 23: Por outro lado, talvez tenhais vindo aqui devido ao vosso grande amor por Mim, que assumiu o controle de vossos corações. Isto, é claro, é muito louvável de vossa parte, pois todas as entidades vivas possuem afeição natural por Mim.

VERSO 24: O dever religioso mais elevado de uma mulher é servir sinceramente ao esposo, portar-se bem com a família dele e cuidar bem dos filhos.

VERSO 25: As mulheres que desejam um bom destino na próxima vida jamais devem abandonar um esposo que não caiu de seus padrões religiosos, ainda que ele seja desagradável, desventurado, velho, ininteligente, doente ou pobre.

VERSO 26: Para uma mulher de família respeitável, casos inferiores de adultério são sempre condenados. Isso a exclui do paraíso, arruína sua reputação e lhe traz dificuldade e temor.

VERSO 27: O amor transcendental por Mim nasce mediante os processos devocionais de ouvir sobre Mim, ver a forma de Minha Deidade, meditar em Mim e cantar com fé as Minhas glórias. Não se obtém o mesmo resultado através da mera proximidade física. Portanto, fazei o favor de regressar a vossos lares.

VERSO 28: Śukadeva Gosvāmī disse: Ao ouvirem estas desagradáveis palavras faladas por Govinda, as gopīs ficaram taciturnas. Suas grandes esperanças foram frustradas e elas sentiram incontrolá­vel ansiedade.

VERSO 29: Cabisbaixas, com sua pesada e triste respiração a secar-lhes os lábios avermelhados, as gopīs riscavam o chão com os dedos de seus pés. Lágrimas escorriam-lhes dos olhos, levando embora seu kajjala e lavando o vermelhão em seus seios. Assim, postadas, elas carregavam em silêncio o fardo de sua infelicidade.

VERSO 30: Embora Kṛṣṇa fosse seu amado, e embora elas tivessem abandonado todos os outros objetos desejáveis por causa dEle, Ele falara com elas de modo desfavorável. Entretanto, elas permaneceram inabaláveis em seu apego por Ele. Parando de chorar, enxugaram os olhos e começaram a falar. Elas gaguejavam devido à perturbação.

VERSO 31: As belas gopīs disseram: Ó onipotente, não deves falar deste modo cruel. Não nos rejeites, pois renunciamos a todo gozo material para prestar serviço devocional a Teus pés de lótus. Reciproca conosco, ó pessoa obstinada, assim como o Senhor primordial, Śrī Nārāyaṇa, reciproca os esforços de Seus devotos para se obter a liberação.

VERSO 32: Nosso querido Kṛṣṇa, como perito em religião, Tu nos advertis­te que o dever religioso próprio para a mulher é servir fielmente seu marido, filhos e outros parentes. Concordamos que este prin­cípio é válido, mas, na verdade, esse serviço deve ser prestado a Ti. Afinal, ó Senhor, és o amigo mais querido de todas as almas corporificadas. És seu parente mais íntimo e, de fato, és o seu próprio eu.

VERSO 33: Transcendentalistas peritos sempre canalizam para Ti sua afeição, pois Te reconhecem como seu verdadeiro eu e amado eterno. De que nos servem estes maridos, filhos e parentes, que não fazem nada além de nos trazer problemas? Portanto, ó controlador supremo, conce­de-nos Tua misericórdia. Ó pessoa de olhos de lótus, por favor, não trucides nossa esperança há tanto tempo acalentada de obter a Tua companhia.

VERSO 34: Até hoje, nossas mentes estavam absortas em assuntos familia­res, mas, com muita facilidade, roubaste nossas mentes e nossas mãos desse serviço doméstico. Agora, nossos pés não se afastarão um passo de Teus pés de lótus. Como podemos voltar para Vraja? O que faríamos lá?

VERSO 35: Querido Kṛṣṇa, por favor, derrama o néctar de Teus lábios sobre o fogo ardente de nossos corações – o qual acendeste com Teus olhares sorridentes e a doce música de Tua flauta. Se não o fizeres, consagraremos nossos corpos ao fogo da separação de Ti, ó amigo, e, assim como os yogīs, alcançaremos a morada de Teus pés de lótus através da meditação.

VERSO 36: Ó pessoa de olhos de lótus, a deusa da fortuna considera uma ocasião festiva toda oportunidade de tocar as solas de Teus pés de lótus. És muito querido aos moradores da floresta, de modo que também tocaremos esses pés de lótus. Desse momento em diante, seremos incapazes até mesmo de ficar de pé na presença de qualquer outro homem, pois teremos sido completamente satisfeitas por Ti.

VERSO 37: A deusa Lakṣmī, cujo olhar os semideuses se esforçam muito por obter, alcançou a posição única de permanecer sempre no peito do seu Senhor, Nārāyaṇa. Ainda assim, ela deseja a poei­ra dos pés de lótus dEle, embora tenha de compartilhá-la com Tulasī-devī e, em verdade, com os muitos outros servos do Senhor. De igual modo, nós nos aproximamos da poeira de Teus pés de lótus em busca de abrigo.

VERSO 38: Portanto, ó subjugador de toda aflição, por favor, concede-nos Tua misericórdia. Para nos aproximarmos de Teus pés de lótus, abandonamos nossas famílias e lares e não temos outro desejo senão servir a Ti. Nossos corações estão ardendo de desejos intensos provocados por Teus belos olhares sorridentes. Ó joia entre os homens, por favor, faze de nós Tuas servas.

VERSO 39: Vendo Teu rosto rodeado de cachos de cabelo ondulado, Tuas bochechas embelezadas com brincos, Teus lábios cheios de néctar e Teu olhar sorridente, e vendo também Teus dois imponentes braços, que afastam nosso temor, e Teu peito, que é a única fonte de prazer para a deusa da fortuna, temos de nos tornar Tuas servas.

VERSO 40: Querido Kṛṣṇa, que mulher em todos os três mundos não se desviaria do comportamento religioso quando desorientada pela doce melodia proveniente de Tua flauta? Tua beleza torna auspiciosos todos os três mundos. De fato, até mesmo as vacas, aves, árvores e veados, ao verem Tua bela forma, manifestam o sinto­ma extático de se arrepiarem.

VERSO 41: Decerto nasceste neste mundo para aliviar o medo e aflição do povo de Vraja, assim como a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor primordial, protege o domínio dos semideuses. Portanto, ó amigo dos aflitos, por favor, coloca Tua mão de lótus na cabeça e nos seios ardentes de Tuas servas.

VERSO 42: Śukadeva Gosvāmī disse: Sorrindo ao ouvir essas desanimadas palavras das gopīs, o Senhor Kṛṣṇa, o mestre supremo de todos os mestres do yoga místico, desfrutou misericordiosamente com elas, embora Ele seja autossatisfeito.

VERSO 43: Entre as gopīs reunidas, o infalível Senhor Kṛṣṇa parecia a Lua rodeada de estrelas. Ele cujas atividades são tão magnâni­mas fez florescer os rostos das gopīs com Seus olhares afetuo­sos, e Seus largos sorrisos revelaram a refulgência de Seus dentes semelhantes a botões de jasmim.

VERSO 44: À medida que as gopīs cantavam Seus louvores, aquele líder de centenas de mulheres respondia cantando em voz alta. Ele, com Sua guirlanda Vaijayantī, movia-Se entre elas embelezando a floresta de Vṛndāvana.

VERSOS 45-46: Śrī Kṛṣṇa foi com as gopīs à margem do Yamunā, onde a areia era refrescante e onde o vento, animado com as ondas do rio, carre­gava a fragrância dos lótus. Ali, Kṛṣṇa atirou os braços em volta das gopīs e as abraçou. Ele despertou o Cupido nas belas jovens de Vraja ao tocar-lhes as mãos, cabelos, coxas, cintos e seios e arranhá-las de brincadeira com Suas unhas, e também ao gracejar com elas, olhar para elas e rir com elas. Dessa maneira, o Senhor desfrutava de Seus passatempos.

VERSO 47: As gopīs ficaram orgulhosas por terem recebido uma atenção tão especial de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e cada uma delas se julgava a melhor mulher na Terra.

VERSO 48: O Senhor Keśava, vendo as gopīs muito orgulhosas de sua boa fortuna, quis aliviá-las deste orgulho e mostrar-lhes ainda mais misericórdia. Então, Ele desapareceu imediatamente.

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