CAPÍTULO CINQUENTA E TRÊS
Kṛṣṇa Rapta Rukmiṇī
Este capítulo descreve como o Senhor Śrī Kṛṣṇa chegou a Kuṇḍina, a capital de Vidarbha, e raptou Rukmiṇī na presença de poderosos inimigos.
Depois de ouvir o brāhmaṇa mensageiro recitar a carta de Rukmiṇī, o Senhor Kṛṣṇa disse-lhe: “De fato, sinto atração por Rukmiṇī e sei da oposição de seu irmão Rukmī a Meu casamento com ela. Portanto, tenho de raptá-la depois de esmagar todos os reis de baixa classe, assim como se gera fogo da madeira através de fricção.” Como a solenidade dos votos entre Rukmiṇī e Śiśupāla estava marcada para acontecer no transcurso de apenas três dias, o Senhor Kṛṣṇa fez Dāruka aprontar Sua quadriga de imediato. Então, partiu sem tardar para Vidarbha, aonde chegou após uma noite de viagem.
O rei Bhīṣmaka, enredado em sua afeição pelo filho Rukmī, estava disposto a dar sua filha a Śiśupāla. Bhīṣmaka cuidou de todos os preparativos necessários: mandou decorar a cidade de várias maneiras e limpar muito bem as principais ruas e encruzilhadas. Damaghoṣa, o rei de Cedi, tendo feito também todo o necessário para preparar o casamento de seu filho, chegou a Vidarbha. O rei Bhīṣmaka o saudou de maneira apropriada e lhe deu um lugar para ficar. Muitos outros reis, tais como Jarāsandha, Śālva e Dantavakra, também vieram testemunhar a cerimônia. Esses inimigos de Kṛṣṇa haviam conspirado raptar a noiva se Kṛṣṇa viesse. Eles planejaram lutar juntos contra Ele e, deste modo, garantir a noiva para Śiśupāla. Ao ouvir esses planos, o Senhor Baladeva reuniu todo o Seu exército e foi bem depressa para Kuṇḍinapura.
Na noite anterior ao casamento, Rukmiṇī, prestes a se recolher, ainda não vira chegar nem o brāhmaṇa, nem Kṛṣṇa. Ansiosa, ela amaldiçoou sua má fortuna. Bem naquele momento, porém, ela sentiu seu lado esquerdo contrair-se: um bom presságio. De fato, pouco depois, apareceu o brāhmaṇa e relatou-lhe o que Kṛṣṇa dissera, incluindo Sua firme promessa de raptá-la.
Quando soube que Kṛṣṇa e Balarāma haviam chegado, o rei Bhīṣmaka saiu para recebê-lOs ao acompanhamento de música triunfante. Ele adorou os Senhores com vários presentes e, então, designou residências para Eles. Desse modo, o rei ofereceu aos Senhores o devido respeito, como o fizera com cada um de seus numerosos hóspedes reais.
Os moradores de Vidarbha, vendo o Senhor Kṛṣṇa, comentavam entre si que só Ele seria um marido adequado para Rukmiṇī. Eles oravam para que, em virtude de qualquer crédito piedoso que tivessem, Kṛṣṇa pudesse conquistar a mão de Rukmiṇī.
Quando chegou o momento de Śrīmatī Rukmiṇī-devī visitar o templo de Śrī Ambikā, ela se dirigiu para lá rodeada de muitos guardas. Depois de se prostrar diante da deidade, Rukmiṇī orou pela permissão de ter Śrī Kṛṣṇa como esposo. Então, ela segurou a mão de uma amiga e saiu do templo de Ambikā. Ao verem sua indescritível beleza, os grandes heróis presentes deixaram escorregar suas armas e, inconscientes, caíram no chão. Rukmiṇī andava a passos lentos até que notou Kṛṣṇa. Então, enquanto todos olhavam, Śrī Kṛṣṇa pegou Rukmiṇī e levou-a para Sua quadriga. Tal qual um leão que arrebata de um bando de chacais a partilha que lhe cabe, Ele expulsou todos os reis oponentes e saiu devagar, seguido por Seus companheiros. Jarāsandha e os outros reis, incapazes de suportar sua derrota e desonra, condenavam-se em voz alta, declarando que essa difamação era como um animal insignificante a roubar o que por direito pertence ao leão.
VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de ouvir a mensagem confidencial da princesa Vaidarbhī, o Senhor Yadunandana segurou a mão do brāhmaṇa e, sorrindo, disse-lhe o seguinte.
VERSO 2: O Senhor Supremo disse: Assim como a mente de Rukmiṇī está fixa em Mim, Minha mente está fixa nela. Nem mesmo consigo dormir à noite. Sei que Rukmī, por inveja, proibiu o nosso casamento.
VERSO 3: Ela se dedicou exclusivamente a Mim, e sua beleza é impoluta. Hei de trazê-la aqui após surrar em combate aqueles reis imprestáveis, assim como se gera uma chama ardente a partir da lenha.
VERSO 4: Śukadeva Gosvāmī disse: O Senhor Madhusūdana também sabia qual era a ocasião lunar exata para o casamento de Rukmiṇī. Por isso, disse a Seu cocheiro: “Dāruka, apronta Minha quadriga imediatamente.”
VERSO 5: Dāruka trouxe a quadriga do Senhor, atrelada aos cavalos de nome Śaibya, Sugrīva, Meghapuṣpa e Balāhaka. Então, ficou em pé de mãos postas diante do Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 6: O Senhor Śauri subiu em Sua quadriga e pediu ao brāhmaṇa que fizesse o mesmo. Então, os velozes cavalos do Senhor levaram-nos do distrito de Ānarta para Vidarbha em uma única noite.
VERSO 7: O rei Bhiṣmaka, o senhor de Kuṇḍina, tendo-se curvado ante o domínio da afeição por seu filho, estava prestes a dar sua filha a Śiśupāla. O rei providenciou todos os preparativos necessários.
VERSOS 8-9: O rei mandou limpar muito bem as principais avenidas, ruas comerciais e encruzilhadas e, então, borrifá-las com água, e também mandou decorar a cidade com arcos triunfais e mastros com flâmulas multicoloridas. Os homens e mulheres da cidade, trajados com vestes imaculadas e ungidos com pasta aromática de sândalo, usavam colares preciosos, guirlandas de flores e joias como ornamento, e suas casas opulentas eram permeadas pelo aroma de aguru.
VERSO 10: Ó rei, de acordo com os rituais prescritos, Mahārāja Bhīṣmaka adorou os antepassados, semideuses e brāhmaṇas, servindo alimentos a cada um deles da maneira devida. Então, providenciou que se cantassem os mantras tradicionais para o bem-estar da noiva.
VERSO 11: A noiva higienizou os dentes e banhou-se, após o que colocou o auspicioso colar de casamento. Então, foi vestida com novíssimos trajes interiores e exteriores e adornada com as mais excelentes joias.
VERSO 12: Os melhores dos brāhmaṇas cantaram mantras dos Vedas Ṛg, Sāma e Yajur para a proteção da noiva, e o sacerdote versado no Atharva Veda ofereceu oblações para apaziguar os planetas controladores.
VERSO 13: Notável por seu conhecimento dos princípios reguladores, o rei recompensou os brāhmaṇas com ouro, prata, roupas, vacas e sementes de gergelim misturadas com açúcar mascavo.
VERSO 14: Rājā Damaghoṣa, o senhor de Cedi, também contratara brāhmaṇas versados no canto de mantras para executar todos os rituais necessários a fim de garantir a prosperidade de seu filho.
VERSO 15: O rei Damaghoṣa viajou para Kuṇḍina acompanhado por exércitos de elefantes que suavam mada, quadrigas com correntes de ouro penduradas e numerosos soldados de cavalaria e infantaria.
VERSO 16: Bhīṣmaka, o senhor de Vidarbha, saiu da cidade para ir ao encontro do rei Damaghoṣa e ofereceu-lhe gestos de respeito. Bhīṣmaka, então, acomodou Damaghoṣa em uma residência construída especialmente para a ocasião.
VERSO 17: Os partidários de Śiśupāla – Śālva, Jarāsandha, Dantavakra e Vidūratha – vieram todos, juntos com Pauṇḍraka e milhares de outros reis.
VERSOS 18-19: Para garantir a noiva para Śiśupāla, os reis que invejavam Kṛṣṇa e Balarāma chegaram à seguinte decisão: “Caso Kṛṣṇa venha aqui com Balarāma e os outros Yadus para roubar a noiva, devemos nos reunir e combatê-lO.” Dessa maneira, aqueles reis invejosos foram para o casamento com seus exércitos inteiros e todo um comboio de veículos militares.
VERSOS 20-21: Ao ouvir falar desses preparativos dos reis inimigos e de como o Senhor Kṛṣṇa partira sozinho para roubar a noiva, o Senhor Balarāma temeu que sobreviesse uma luta. Imerso em afeição por Seu irmão, Ele foi às pressas para Kuṇḍina com um poderoso exército composto de infantaria e soldados montados em elefantes, cavalos e quadrigas.
VERSO 22: A graciosa filha de Bhīṣmaka aguardava ansiosamente a chegada de Kṛṣṇa, mas, quando viu que o brāhmaṇa não retornava, ela pensou o seguinte.
VERSO 23: [A princesa Rukmiṇī pensou:] Ai de mim! Meu casamento deve acontecer quando acabar a noite! Como sou desafortunada! Nosso Kṛṣṇa de olhos de lótus não vem. Não sei o porquê. E mesmo o brāhmaṇa mensageiro ainda não regressou.
VERSO 24: Talvez o impecável Senhor, mesmo enquanto Se preparava para vir aqui, viu em mim algo desprezível e, em razão disso, decidiu não vir mais para aceitar minha mão.
VERSO 25: Sou extremamente desafortunada, pois o criador não está inclinado a meu favor, nem o eminente senhor Śiva. Ou talvez a esposa de Śiva, Devī, que é conhecida como Gaurī, Rudrāṇī, Girijā e Satī, tenha se voltado contra mim.
VERSO 26: Enquanto pensava dessa maneira, a jovem donzela, cuja mente fora roubada por Kṛṣṇa, fechou seus olhos cheios de lágrimas, lembrando que ainda havia tempo.
VERSO 27: Ó rei, enquanto a noiva aguardava assim a chegada de Govinda, ela sentiu crispar-se sua coxa, braço e olho esquerdos. Isso era sinal de que algo desejável aconteceria.
VERSO 28: Bem então, aquele mais puro dos brāhmaṇas eruditos, seguindo a ordem de Kṛṣṇa, veio ver a divina princesa Rukmiṇī dentro dos aposentos internos do palácio.
VERSO 29: Notando o rosto jovial e os movimentos serenos do brāhmaṇa, a santa Rukmiṇī, que era perita em interpretar tais sintomas, interrogou-o com um sorriso puro.
VERSO 30: O brāhmaṇa anunciou-lhe a chegada do Senhor Yadunandana e transmitiu-lhe a promessa que o Senhor fez de casar-Se com ela.
VERSO 31: A princesa Vaidarbhī ficou radiante de alegria ao saber da chegada de Kṛṣṇa. Não encontrando à mão nada conveniente para oferecer ao brāhmaṇa, ela simplesmente se prostrou diante dele.
VERSO 32: Quando ouviu que Kṛṣṇa e Balarāma haviam chegado e estavam ansiosos por testemunhar o casamento de sua filha, o rei, ao som de música, adiantou-se com abundantes oferendas para saudá-lOs.
VERSO 33: Presenteando-Os com madhu-parka, roupas novas e outros presentes desejáveis, ele Os adorou de acordo com os rituais tradicionais.
VERSO 34: O generoso rei Bhīṣmaka providenciou opulentas acomodações para os dois Senhores e também para Seu exército e séquito. Desta maneira, ofereceu-Lhes conveniente hospitalidade.
VERSO 35: Foi assim que Bhīṣmaka concedeu todas as coisas desejáveis aos reis que se haviam reunido para a ocasião, honrando-os como convinha ao poder político, idade, força física e riqueza deles.
VERSO 36: Quando os residentes de Vidarbha-pura ouviram que o Senhor Kṛṣṇa chegara, todos eles foram vê-lO. Usando seus olhos como se fossem palmas da mão em forma de cálice, eles beberam o mel de Seu rosto de lótus.
VERSO 37: [O povo da cidade dizia:] Rukmiṇī, e ninguém mais, merece ser Sua esposa, e Ele também, que possui tal beleza impecável, é o único marido conveniente para a princesa Bhaiṣmī.
VERSO 38: Que Acyuta, o criador dos três mundos, fique satisfeito com quaisquer ações piedosas que tenhamos realizado e mostre Sua misericórdia aceitando a mão de Vaidarbhī.
VERSO 39: Atados por seu crescente amor, os residentes da cidade falavam dessa maneira. A noiva, então, protegida por guardas, saiu do palácio interno para visitar o templo de Ambikā.
VERSOS 40-41: Silenciosa, Rukmiṇī saiu a pé para ver os pés de lótus da deidade Bhavānī. Acompanhada por suas mães e amigas e protegida pelos valentes soldados do rei, que, de prontidão, empunhavam armas erguidas, ela apenas absorveu a mente nos pés de lótus de Kṛṣṇa. E durante todo esse tempo, ressoavam mṛdaṅgas, búzios, paṇavas, cornetas e outros instrumentos.
VERSOS 42-43: Atrás da noiva, seguiam milhares de preeminentes cortesãos que traziam várias oferendas e presentes, junto com as bem adornadas esposas dos brāhmaṇas, que cantavam e recitavam preces e traziam guirlandas, perfumes, roupas e joias de presentes. Havia também cantores profissionais, músicos, trovadores, cronistas e arautos.
VERSO 44: Ao chegar ao templo da deusa, Rukmiṇī primeiro lavou seus pés e suas mãos de lótus e, em seguida, sorveu um pouco de água para purificar-se. Assim santificada e tranquila, ela foi à presença de mãe Ambikā.
VERSO 45: As esposas mais velhas dos brāhmaṇas, peritas no conhecimento dos rituais, orientaram a jovem Rukmiṇī a como oferecer respeitos a Bhavānī, que aparecia com seu consorte, o senhor Bhava.
VERSO 46: [A princesa Rukmiṇī orou:] Ó mãe Ambikā, esposa do senhor Śiva, ofereço minhas repetidas reverências a ti, junto de teus filhos. Que o Senhor Kṛṣṇa Se torne meu marido. Por favor, concede-me isto!
VERSOS 47-48: Rukmiṇī adorou a deusa com água, perfumes, cereais integrais, incenso, roupas, guirlandas, colares, joias e outras oferendas e presentes prescritos, e também com uma grande quantidade de lamparinas. Cada uma das brāhmaṇīs casadas adorou a deusa simultaneamente com os mesmos artigos, oferecendo também iguarias e bolos, noz de bétel preparada, cordões sagrados, frutas e caldo de cana-de-açúcar.
VERSO 49: As mulheres deram à noiva os remanentes das oferendas e, então, abençoaram-na. Ela, por sua vez, prostrou-se diante delas e da deidade e aceitou esses remanentes como prasāda.
VERSO 50: A princesa, então, abandonou seu voto de silêncio e saiu do templo de Ambikā, segurando com a mão, que estava adornada por um anel de pedras preciosas, uma serva.
VERSOS 51-55: Rukmiṇī parecia tão encantadora quanto a potência ilusória do Senhor, que encanta até os homens sóbrios e graves. Deste modo, os reis contemplavam sua beleza virginal, sua cintura formosa e seu gracioso rosto adornado de brincos. Seus quadris estavam enfeitados com um cinto incrustado de pedras preciosas, seus seios apenas despontavam, e seus olhos pareciam apreensivos com seus profusos cachos de cabelo. Ela tinha um doce sorriso, e seus dentes semelhantes a botões de jasmim refletiam o esplendor de seus lábios vermelhos como a fruta bimba. Enquanto caminhava com os movimentos de um cisne real, a refulgência de seus tilintantes guizos de tornozelo embelezava-lhe os pés. Ao verem-na, os heróis reunidos ficaram totalmente perplexos. E a luxúria dilacerou-lhes o coração. De fato, quando viram seu sorriso largo e olhar tímido, os reis ficaram estupefatos, deixaram escorregar suas armas e caíram inconscientes do alto de seus elefantes, quadrigas e cavalos. A pretexto da procissão, Rukmiṇī exibia sua beleza para Kṛṣṇa apenas. Devagar, ela caminhava com os dois verticilos de lótus que eram seus pés, aguardando a chegada do Senhor Supremo. Com as unhas da mão esquerda, ela tirava alguns fios de cabelo que caíam em seu rosto e timidamente olhava do canto dos olhos para os reis que se postavam diante dela. Naquele momento, ela viu Kṛṣṇa. Então, enquanto Seus inimigos olhavam, o Senhor agarrou a princesa, que ansiava por montar em Sua quadriga.
VERSO 56: Erguendo a princesa ao alto de Sua quadriga, cuja bandeira trazia o emblema de Garuḍa, o Senhor Mādhava rechaçou o círculo de reis. Com Balarāma à frente, Ele saiu devagar, tal qual um leão que retira sua presa do meio dos chacais.
VERSO 57: Os reis hostis ao Senhor, liderados por Jarāsandha, não puderam tolerar esta derrota humilhante. Eles exclamaram: “Oh! quão condenados somos! Embora sejamos poderosos arqueiros, meros vaqueiros roubaram nossa honra, assim como animais insignificantes podem arrebatar a honra de leões!”