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CAPÍTULO DEZESSEIS

Kṛṣṇa Castiga a Serpente Kāliya

Este capítulo descreve o passatempo em que o Senhor Śrī Kṛṣṇa subjuga a serpente Kāliya dentro do lago adjacente ao rio Yamunā e concede misericórdia a Kāliya em resposta às preces de suas esposas, as nāgapatnīs.

Para recuperar a pureza das águas do Yamunā, que haviam sido contaminadas pelo veneno de Kāliya, o Senhor Kṛṣṇa subiu em uma árvore kadamba à beira do rio e pulou na água. Então, Ele começou a brincar destemidamente na água como um elefante louco. Kāliya não pôde tolerar o fato de Kṛṣṇa ter invadido sua residência e, em virtude disso, logo foi até o Senhor e picou-Lhe o peito. Ao verem isso, os amigos de Kṛṣṇa caíram ao chão inconscientes. Naquele momento, toda espécie de mau agouro ocorreu em Vraja, tais como tremores de terra, estrelas cadentes e tremor dos membros esquerdos de várias criaturas.

Os residentes de Vṛndāvana pensaram: “Hoje Kṛṣṇa foi à floresta sem Balarāma; logo, não sabemos que grande desgraça pode tê-lO acometido.” Pensando dessa maneira, eles seguiram a trilha das pe­gadas de Kṛṣṇa até a beira do Yamunā. Dentro da água do lago adja­cente ao rio, eles viram o Senhor Kṛṣṇa, a própria essência de suas vidas, enroscado na cauda anelada de uma serpente negra. Os residen­tes pensaram que os três mundos tinham ficado vazios e preparam-­se todos para entrar na água. Contudo, o Senhor Balarāma, conhecendo bem o poder de Kṛṣṇa, impediu-os.

Então, o Senhor Kṛṣṇa, vendo quão perturbados estavam Seus amigos e parentes, expandiu grandemente Seu corpo e obrigou a serpente a afrouxar seus anéis apertados e soltá-lO. Em seguida, o Senhor começou a brincar de dançar sobre os capelos da serpen­te. Por meio desta dança magnífica e impetuosa, o Senhor Kṛṣṇa pisoteou os mil capelos da serpente até que seu corpo enfraque­ceu. Vomitando sangue, Kāliya enfim compreendeu que Kṛṣṇa era a personalidade primordial, o Senhor Nārāyaṇa, o mestre espiritual de todas as criaturas móveis e inertes e refugiou-se nEle.

Ao verem a enorme exaustão de Kāliya, suas esposas, as nāgapatnīs, prostraram-se aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa. Então, ofere­ceram-Lhe várias orações na esperança de conseguir a liberdade de seu marido: “É muito apropriado o fato de terdes trazido nosso cruel marido a esta condição. Na verdade, em razão de Vossa ira, ele se beneficiou imensamente. Que piedade Kāliya deve ter acumulado em suas vidas anteriores! Hoje ele recebeu sobre a cabeça a poeira dos pés de lótus da Personalidade de Deus, algo que até a mãe do universo, a deusa Lakṣmī, tem dificuldade em obter. Por favor, tende a bon­dade de perdoar a ofensa que Kāliya cometeu devido à ignorância e permiti-lhe viver.”

Satisfeito com as orações das nāgapatnīs, Kṛṣṇa soltou Kāliya, que aos poucos recuperou seus poderes sensoriais e vitais. A seguir, Kāliya, com a voz aflita, reconheceu a ofensa que cometera e, por fim, ofereceu a Kṛṣṇa muitas orações e disse que estava pronto a aceitar Sua ordem. Kṛṣṇa mandou-o deixar o lago Yamunā e voltar com sua família à ilha Ramaṇaka.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Per­sonalidade de Deus, vendo que o rio Yamunā fora contaminado pela serpente negra, Kāliya, desejou purificar o rio, em virtude do que o Senhor baniu Kāliya de lá.

VERSO 2: O rei Parīkṣit indagou: Ó sábio erudito, explica, por favor, como a Suprema Personalidade de Deus castigou a serpente Kāliya dentro das impenetráveis águas do Yamunā e como Kāliya viveu ali por tantas eras.

VERSO 3: Ó brāhmaṇa, a ilimitada Suprema Personalidade de Deus é livre para agir segundo Seus próprios desejos. Quem poderia saciar-se de ouvir o néctar dos magnânimos passatempos que Ele executou como um vaqueirinho em Vṛndāvana?

VERSO 4: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Dentro do rio Kālindī [Yamunā], havia um lago habitado pela serpente Kāliya, cujo veneno abrasador constantemente aquecia e fervia suas águas. De fato, os vapores assim criados eram tão venenosos que as aves que voavam sobre o lago contaminado caíam dentro dele.

VERSO 5: O vento que soprava sobre aquele lago mortífero levava gotí­culas de água para a margem. Pelo simples contato com aquela brisa venenosa, toda a vegetação e criaturas da orla morriam.

VERSO 6: O Senhor Kṛṣṇa viu a poluição que a serpente Kāliya criara no rio Yamunā com seu poderosíssimo veneno. Visto que desce­ra do mundo espiritual especificamente para subjugar demônios invejosos, o Senhor Kṛṣṇa subiu sem demora ao topo de uma altíssima árvore kadamba e preparou-Se para o combate. Apertou o cinto, bateu com a palma da mão nos braços e, então, saltou na água envenenada.

VERSO 7: Quando a Suprema Personalidade de Deus caiu no lago da serpente, as cobras dali ficaram agitadíssimas e começaram a respi­rar pesadamente, poluindo-o ainda mais com volumosa quantidade de veneno. A força da queda do Senhor dentro do lago fez com que este transbordasse por todos os lados, e medonhas ondas ve­nenosas inundaram as terras circunjacentes até a distância de cem arcos. Contudo, isso não é nada espantoso, pois o Senhor Su­premo possui força infinita.

VERSO 8: Kṛṣṇa começou a Se divertir no lago de Kāliya como um gran­dioso elefante – girando Seus poderosos braços e fazendo a água ressoar de várias maneiras. Ao ouvir esses sons, Kāliya entendeu que alguém estava invadindo seu lago. Sem poder tolerar essa invasão, a serpente logo apareceu.

VERSO 9: Kāliya viu que Śrī Kṛṣṇa, trajado em roupas de seda amarela, era muito delicado, Seu corpo atrativo brilhava como uma nuvem branca resplandecente, Seu peito trazia a marca de Śrīvatsa, Seu rosto mostrava um belo sorriso, e Seus pés assemelhavam-se ao verticilo de uma flor de lótus. O Senhor brincava destemida­mente na água. Apesar de Sua maravilhosa aparência, o invejoso Kāliya, cheio de ira, mordeu-Lhe o peito e depois envolveu-O por completo em seus anéis.

VERSO 10: Quando os membros da comunidade dos vaqueiros, que haviam aceitado Kṛṣṇa como seu mais querido amigo, viram-nO envol­vido nos anéis da serpente, imobilizado, ficaram muito pertur­bados. Eles tinham oferecido tudo a Kṛṣṇa – seu próprio eu, suas famílias, sua riqueza, esposas e todos os prazeres. Ao verem o Senhor nas garras da serpente Kāliya, sua inteligência ficou transtornada devido ao pesar, lamentação e medo, de modo que caíram ao chão.

VERSO 11: Em grande aflição, as vacas, touros e novilhas chamavam chorosamente por Kṛṣṇa. Fixando os olhos nEle, ficaram imóveis e amedrontados, como se prontos para chorar, mas chocados demais para derramar lágrimas.

VERSO 12: Na área de Vṛndāvana, apareceram então todas as três classes de presságios assustadores – os presságios na terra, no céu e nos corpos das criaturas vivas – anunciando um perigo imi­nente.

VERSOS 13-15: Ao verem os inauspiciosos presságios, Nanda Mahārāja e os outros vaqueiros ficaram assustados, pois sabiam que, naquele dia, Kṛṣṇa fora apascentar as vacas sem Seu irmão mais velho, Balarāma. Porque haviam dedicado suas mentes a Kṛṣṇa, aceitando-O como sua própria vida, eles desconheciam Seu magnífico poder e opulência. Então, concluindo que os presságios inauspi­ciosos indicavam que Ele encontrara a morte, ficaram oprimidos pelo pesar, lamentação e temor. Todos os habitantes de Vṛndāvana, incluindo as crianças, mulheres e anciãos, pensavam em Kṛṣṇa como uma vaca pensa em seu bezerrinho indefeso, daí aquelas pobres pessoas aflitas terem corrido para fora da vila com a intenção de encontrá-lO.

VERSO 16: O Supremo Senhor Balarāma, o mestre de todo o conheci­mento transcendental, ao ver os residentes de Vṛndāvana em tal aflição, sorriu, mas não disse nada, pois compreendia o poder ex­traordinário de Seu irmão mais novo.

VERSO 17: Os residentes de Vṛndāvana precipitaram-se em direção às margens do Yamunā em busca de seu queridíssimo Kṛṣṇa, seguindo o caminho marcado por Suas pegadas, que tinham os sinais distintivos da Personalidade de Deus.

VERSO 18: As pegadas do Senhor Kṛṣṇa, o mestre de toda a comunidade pastoril, tinham as marcas da flor de lótus, do grão de cevada, do aguilhão para tanger elefantes, do raio e da bandeira. Meu querido rei Parīkṣit, ao verem Suas pegadas no caminho junto com as marcas dos cascos das vacas, os residentes de Vṛndāvana puseram-se a correr a toda a velocidade.

VERSO 19: Enquanto corriam pelo caminho em direção à beira do rio Yamunā, viram de longe que Kṛṣṇa estava no lago, imobilizado nos anéis da serpente negra. Viram ainda que os meninos pastores estavam desmaiados e que os animais, postados por todos os lados, clamavam por Kṛṣṇa. Vendo tudo isso, os residentes de Vṛndāvana foram dominados pela angústia e desorientação.

VERSO 20: Quando as jovens gopīs, cujas mentes estavam sempre apega­das a Kṛṣṇa, o ilimitado Senhor Supremo, viram que Ele estava agora em poder da serpente, lembraram-se de Sua amorosa ami­zade, Seus olhares sorridentes e Suas conversas. Queimando devido ao grande sofrimento, viram o universo inteiro como se fosse vazio.

VERSO 21: Embora as gopīs mais velhas sofressem tanto quanto ela e derramassem uma enchente de lágrimas de dor, elas tinham de se esforçar para impedir a mãe de Kṛṣṇa de ir ao encontro dEle. A consciência de Yaśodā estava cem por cento absorta em seu filho. Postadas como cadáveres, com os olhos fixos em Seu rosto, essas gopīs se revezavam em narrar os passatempos do amado de Vraja.

VERSO 22: O Senhor Balarāma viu, então, que Nanda Mahārāja e os outros vaqueiros, que haviam dedicado suas próprias vidas a Kṛṣṇa, pre­paravam-se para entrar no lago da serpente. Visto ser a Supre­ma Personalidade de Deus, o Senhor Balarāma conhecia muito bem o poder verdadeiro do Senhor Kṛṣṇa e, por isso, deteve os vaqueiros.

VERSO 23: O Senhor permaneceu algum tempo dentro dos anéis da serpente, imitando o comportamento de um mortal qualquer. Todavia, ao compreender que as mulheres, crianças e outros morado­res de Sua vila de Gokula sofriam intensamente por causa de seu amor por Ele, que era seu único abrigo e meta na vida, Ele Se ergueu de imediato das garras da serpente Kāliya.

VERSO 24: Com seus anéis atormentados devido à expansão do corpo do Senhor, Kāliya soltou-O. Então, com grande ira, a serpente ergueu bem alto seus capelos e ficou parada, respirando pesadamente. Suas narinas pareciam recipientes para cozinhar veneno, e seus olhos arregalados pareciam tições. Era dessa maneira que a serpente olhava para o Senhor.

VERSO 25: Repetidas vezes, Kāliya lambia os lábios com suas línguas bi­furcadas enquanto fitava Kṛṣṇa com um olhar cheio de um fogo terrível e venenoso. Mas Kṛṣṇa travessamente o rodeava, assim como Garuḍa brinca com uma serpente. Em resposta, Kāliya também se movia ao redor, à procura de uma oportunidade para morder o Senhor.

VERSO 26: Tendo esgotado severamente a força da serpente com Seu giro implacável, Śrī Kṛṣṇa, a origem de tudo, empurrou para baixo os ombros erguidos de Kāliya e subiu em suas largas cabeças serpentinas. Então, com Seus pés de lótus muito avermelhados por tocar as numerosas joias sobre as cabeças da serpente, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, o mestre original de todas as belas artes, começou a dançar.

VERSO 27: Ao verem a dança do Senhor, Seus servos nos planetas celes­tiais – os Gandharvas, os Siddhas, os sábios, os Cāraṇas e as esposas dos semideuses – de imediato foram lá. Com grande prazer, eles começaram a acompanhar Sua dança, tocando tam­bores tais como mṛdaṅgas, paṇavas e ānakas e também a oferecer canções, flores e orações.

VERSO 28: Meu querido rei, Kāliya tinha cento e uma cabeças proeminentes, e quando uma delas não queria curvar-se, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, que inflige punição aos malfeitores cruéis, esmagava aque­la cabeça obstinada atingindo-a com Seus pés. Então, quando se iniciaram as convulsões de sua morte, Kāliya começou a girar suas cabeças e a vomitar um sangue aterrador de suas bocas e nari­nas. Desse modo, a serpente experimentou dores e sofrimentos extremos.

VERSO 29: Deixando escorrer um refugo venenoso de seus olhos, Kāliya ocasionalmente ousava erguer uma de suas cabeças, que respira­va com muita dificuldade devido à ira. Então, o Senhor dançava sobre ela e a subjugava, forçando-a com Seu pé a curvar-se. Os semideuses aproveitavam cada uma destas exibições como uma oportunidade de adorar Kṛṣṇa, a original Personalidade de Deus, com chuvas de flores.

VERSO 30: Meu querido rei Parīkṣit, a admirável e poderosa dança do Senhor Kṛṣṇa pisoteou e quebrou todos os mil capelos de Kāliya. Então a serpente, vomitando muito sangue de suas bocas, enfim reconheceu que Śrī Kṛṣṇa era a eterna Personalidade de Deus, o mestre supremo de todos os seres móveis e inertes, Śrī Nārāyaṇa. Desse modo, Kāliya refugiou-se no Senhor em sua mente.

VERSO 31: Quando as esposas de Kāliya viram como a serpente ficara tão exausta devido ao peso excessivo do Senhor Kṛṣṇa, que transpor­ta o universo inteiro em Seu abdômen, e como os capelos de Kāliya em forma de sombrinha foram espancados pelo bater dos calcanhares de Kṛṣṇa, elas sentiram grande aflição. Com suas roupas, adornos e cabelo em desalinho, elas se aproximaram da eterna Personalidade de Deus.

VERSO 32: Com suas mentes muito perturbadas, aquelas senhoras santas puseram seus filhos diante delas e, então, prostraram-se ante o Senhor de todas as criaturas, estirando seus corpos no chão. Elas desejavam a liberação de seu marido pecador e o abrigo do Senhor Supremo, que concede o abrigo último, e assim, de mãos postas em súplica, aproximaram-se dEle.

VERSO 33: As esposas da serpente Kāliya disseram: O castigo a que este ofensor foi submetido é certamente justo. Afinal, encarnastes neste mundo para subjugar os invejosos e cruéis. Sois tão im­parcial que julgais com equanimidade Vossos inimigos e Vossos próprios filhos, pois, quando impondes um castigo a um ser vivo, sabeis que é para o seu benefício último.

VERSO 34: O que fizestes aqui é, na verdade, um ato de misericórdia para conosco, pois o castigo que infligis aos perversos com certeza erradica toda a contaminação deles. De fato, porque esta alma condicionada, nosso marido, é tão pecador que chegou a assumir o corpo de uma serpente, Vossa ira para com ele obviamente deve ser vista como misericórdia.

VERSO 35: Será que nosso marido executou austeridades aprimoradas em uma vida anterior, com sua mente livre de orgulho e plena de respeito pelos outros? É por isso que estais satisfeito com ele? Ou será que, em alguma existência anterior, ele, com compaixão por todos os seres vivos, executou esmeradamente os deveres religio­sos, e é por isso que Vós, a vida de todos os seres vivos, estais agora satisfeito com ele?

VERSO 36: Ó Senhor, não sabemos como a serpente Kāliya logrou esta grande oportunidade de ser tocado pela poeira de Vossos pés de lótus. Com esse objetivo, a deusa da fortuna executou austerida­des por séculos, abandonando todos os outros desejos e fazendo votos austeros.

VERSO 37: Aqueles que conseguiram a poeira de Vossos pés de lótus ja­mais desejam a realeza celestial, soberania ilimitada, a posição de Brahmā ou domínio sobre a Terra. Eles não se interessam nem pelas perfeições do yoga, nem pela própria liberação.

VERSO 38: Ó Senhor, embora tenha nascido no modo da ignorância e seja controlado pela ira, este Kāliya, o rei das serpentes, conseguiu o que outros têm dificuldade em conseguir. Almas corporificadas, que estão cheias de desejos e que por isso divagam no ciclo de nascimentos e mortes, podem ter todas as bênçãos manifestadas diante de seus olhos pelo simples fato de receberem a poeira de Vossos pés de lótus.

VERSO 39: Oferecemos nossas reverências a Vós, a Suprema Personali­dade de Deus. Embora estejais presente no coração de todos os seres vivos como a Superalma, sois onipenetrante. Embora sejais o refúgio original de todos os elementos materiais criados, existis antes da criação deles. E embora sejais a causa de tudo, sois transcendental a toda causa e efeito materiais, por serdes a Alma Suprema.

VERSO 40: Reverências a Vós, a Verdade Absoluta, que sois o reservatório de toda a consciência e potência transcendentais e o possuidor de ilimitadas energias. Embora completamente livre de qualidades e transformações materiais, sois o original agente motriz da na­tureza material.

VERSO 41: Reverências a Vós, que sois o próprio tempo, o abrigo do tempo e a testemunha do tempo em todas as suas fases. Sois o universo, e também seu observador à parte. Sois seu criador, bem como a totalidade de todas as suas causas.

VERSOS 42-43: Reverências a Vós, que sois a alma original dos elementos fí­sicos, do substrato sutil da percepção, dos sentidos, do ar vital, da mente, da inteligência e da consciência. Em virtude de Vosso arranjo, as almas espirituais infinitesimais erroneamente se iden­tificam com os três modos da natureza material, em consequência do que a percepção que elas têm de seu verdadeiro eu fica encoberta. Oferecemos nossas reverências a Vós, o ilimitado Senhor Supre­mo, o supremamente sutil, a onisciente Personalidade de Deus, que estais sempre fixo em transcendência imutável, que sancio­nais as opiniões contraditórias das diferentes filosofias e que sois o poder mantenedor das ideias expressas e das palavras que as exprimem.

VERSO 44: Oferecemos nossas reverências repetidas vezes a Vós, que sois o fundamento de toda evidência autorizada, que sois o autor e fonte última das escrituras reveladas e que Vos manifestastes na­queles textos védicos que estimulam o gozo dos sentidos, bem como naqueles que estimulam a renúncia ao mundo material.

VERSO 45: Oferecemos nossas reverências ao Senhor Kṛṣṇa e ao Senhor Rāma, os filhos de Vasudeva, bem como ao Senhor Pradyumna e ao Senhor Aniruddha. Oferecemos nossas respeitosas reverências ao mestre de todos os santos devotos de Viṣṇu.

VERSO 46: Reverências a Vós, ó Senhor, que manifestais diversas quali­dades materiais e espirituais. Disfarçais-Vos com as qualidades materiais, mas o funcionamento dessas mesmas qualida­des materiais, em última análise, revela Vossa existência. Estais à parte das qualidades materiais como uma testemunha e só podeis ser conhecido na íntegra por Vossos devotos.

VERSO 47: Ó Senhor Hṛṣīkeśa, amo dos sentidos, por favor, deixai-nos oferecer reverências a Vós cujos passatempos são inconcebivelmente gloriosos. Pode-se inferir Vossa existência devido à necessi­dade de haver um criador e revelador de todas as manifestações cósmicas. Porém, embora Vossos devotos possam compreender­-Vos dessa maneira, Vós permaneceis silencioso, absorto em autossatisfação, para os não-devotos.

VERSO 48: Reverências a Vós, que conheceis o destino de todas as coisas, superiores e inferiores, e que sois o regulador e dirigente de tudo o que existe. Sois distinto da criação universal, apesar do que sois o fundamento sobre o qual se desenvolve a ilusão da criação ma­terial, e sois também a testemunha desta ilusão. De fato, sois a causa fundamental do mundo inteiro.

VERSO 49: Ó Senhor onipotente, embora não tenhais razão alguma para Vos envolverdes em atividades materiais, ainda assim agis através de Vossa potência eterna do tempo para providenciar a criação, manutenção e destruição deste universo. Fazeis isto despertan­do as funções distintas de cada um dos modos da natureza, as quais antes da criação jazem dormentes. Através de Vosso simples olhar, executais perfeitamente todas essas atividades de controle cósmico com uma disposição descontraída.

VERSO 50: Portanto, todos os corpos materiais dentro dos três mundos – os que são pacíficos, no modo da bondade; os que são agitados, no modo da paixão; e os que são tolos, no modo da ignorância – são criações Vossas. No entanto, aquelas entidades vivas cujos corpos estão no modo da bondade são especialmente queridas a Vós, e é para mantê-las e proteger seus princípios religiosos que agora estais presente na Terra.

VERSO 51: Ao menos uma vez, o amo deve tolerar uma ofensa cometida por seu filho ou súdito. Ó suprema Alma pacífica, deveis, portanto, perdoar a nosso tolo marido, que não compreendeu quem sois.

VERSO 52: Ó Senhor Supremo, por favor, sede misericordioso. É adequa­do que os santos sintam compaixão de mulheres como nós. Esta serpente está prestes a abandonar a vida. Por favor, devolvei nosso marido, que é nossa vida e alma.

VERSO 53: Agora, por favor, dize a nós, Vossas servas, o que devemos fazer. É certo que quem executa Vossa ordem com fé livra-se automaticamente de todo o medo.

VERSO 54: Śukadeva Gosvāmī disse: Louvado dessa maneira pelas nāga­patnīs, a Suprema Personalidade de Deus soltou a serpente Kāliya, que caíra inconsciente, com suas cabeças contundidas pelo bater dos pés de lótus do Senhor.

VERSO 55: Kāliya aos poucos recuperou sua força vital e funções senso­riais. Então, respirando ruidosamente e com muita dor, a pobre serpente se dirigiu ao Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, com humilde submissão.

VERSO 56: A serpente Kāliya disse: Nosso próprio nascimento como serpen­te fez-nos invejosos, ignorantes e sempre irados. Ó meu Senhor, é muito difícil para as pessoas abandonarem sua natureza condiciona­da, devido à qual elas se identificam com o que é irreal.

VERSO 57: Ó criador supremo, sois Vós que gerais este universo, compos­to do arranjo variado dos modos materiais, e neste processo ma­nifestais vários tipos de personalidades e espécies, variedades de força sensorial e física, e variedades de mães e pais com variadas mentalidades e formas.

VERSO 58: Ó Suprema Personalidade de Deus, dentre todas as espécies existentes em Vossa criação material, nós, as serpentes, somos por natureza sempre enfurecidas. Visto que nos encontramos assim iludidas por Vossa energia ilusória, que é muito difícil de abandonar, como podemos abandoná-la por nosso próprio empenho?

VERSO 59: Ó Senhor, já que sois o onisciente Senhor do universo, sois a verdadeira causa da libertação da ilusão. Por favor, providenciai para nós qualquer coisa que considereis conveniente, seja misericórdia, seja punição.

VERSO 60: Śukadeva Gosvāmī disse: Após ouvir as palavras de Kāliya, a Suprema Personalidade de Deus, que estava encenando o papel de um ser humano, respondeu: Ó serpente, não podes mais per­manecer aqui. Volta agora mesmo para o oceano, acompanhado de teu cortejo de filhos, esposas, parentes e amigos. Deixa que este rio seja desfrutado pelas vacas e seres humanos.

VERSO 61: Se um mortal se lembrar atentamente da ordem que dei a ti – de deixar Vṛndāvana e ir para o oceano – e narrar esta his­tória ao nascer e pôr do sol, jamais terá medo de ti.

VERSO 62: Se alguém se banhar neste lugar onde realizei Meus passatem­pos e oferecer a água deste lago aos semideuses e a outras perso­nalidades adoráveis, ou se alguém observar um jejum e adorar-Me e lembrar-se de Mim da maneira conveniente, é certo que se livrará de todas as reações pecaminosas.

VERSO 63: Por temor a Garuḍa, deixaste a ilha de Ramaṇaka e vieste refugiar-te neste lago. Contudo, porque agora estás marcado com as Minhas pegadas, Garuḍa não mais tentará comer-te.

VERSO 64: Śukadeva Gosvāmī continuou: Meu querido rei, uma vez li­berto pelo Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, cujas atividades são maravilhosas, Kāliya juntou-se a suas espo­sas para adorá-lO com grande júbilo e reverência.

VERSOS 65-67: Kāliya adorou o Senhor do universo oferecendo-Lhe primoro­sas roupas, junto com colares, joias e outros ornamentos valiosos, perfumes e unguentos maravilhosos, e uma grande guirlanda de flores de lótus. Tendo assim satisfeito o Senhor, cuja bandeira tem o emblema de Garuḍa, Kāliya sentiu-se satisfeito. Após re­ceber permissão do Senhor para partir, Kāliya circungirou-O e ofereceu-Lhe reverências. Então, levando suas esposas, amigos e filhos, foi para sua ilha no mar. No mesmo momento em que Kāliya partiu, o Yamunā de imediato recuperou sua condição origi­nal, livre de veneno e repleto de água nectárea. Isso aconteceu pela misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, que estava manifestando uma forma semelhante à humana para desfrutar Seus passatempos.

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