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CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Adoração da Colina Govardhana

Neste capítulo, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, para esmagar o orgulho de Indra, proíbe um sacrifício em homenagem a este e, em seu lugar, inicia um sacrifício em adoração à colina Govardhana.

Ao ver os vaqueiros atarefados na preparação de um sacrifício a Indra, Śrī Kṛṣṇa perguntou ao rei deles, Nanda, o propósito daquilo. Nanda explicou que a chuva dada por Indra possibilita que todas as entidades vivas mantenham suas vidas, em razão do que se executaria esse sacrifício para satisfazer-lhe. Kṛṣṇa respondeu que é somente por causa do karma que as entidades vivas nascem em certo corpo, experimentam variedades de felicidade e sofrimento nesse corpo e, depois, abandonam o mesmo quando o karma que lhe cabe se esgota. Logo, é apenas o karma que é nosso inimigo, nosso amigo, nosso guru e nosso amo, e Indra nada pode fazer para alterar a felicidade ou a infelicidade de alguém, pois todos estão fortemente atados por suas reações kármicas. Os modos materiais da bondade, paixão e ignorância causam a cria­ção, manutenção e destruição deste mundo. As nuvens lançam chuva quando são impelidas pelo modo da paixão, e os vaqueiros prospe­ram por protegerem as vacas. Além disso, a residência adequada dos vaqueiros fica na floresta e nas colinas. Eles, portanto, deviam ofe­recer adoração às vacas, aos brāhmaṇas e à colina Govardhana.

Depois de ter falado assim, Kṛṣṇa fez os arranjos para que os vaqueiros adorassem Govardhana com a parafernália reunida para o sacrifício a Indra. Então, Ele assumiu uma enorme e extraordinária forma transcendental e devorou toda a comida e outras oferendas presentea­das a Govardhana. Enquanto fazia isso, Ele proclamou à comunidade dos vaqueiros que, embora eles tivessem adorado Indra por tanto tempo, este jamais aparecera em pessoa, ao passo que a própria Go­vardhana acabara de se manifestar diante de seus olhos e comera suas oferendas de alimento. Portanto, agora todos deviam oferecer reverên­cias à colina Govardhana. Então, o Senhor Kṛṣṇa juntou-Se aos va­queiros para oferecer reverências à Sua própria forma recém-assumida.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Enquanto estava naquele mesmo lugar com Seu irmão Baladeva, aconteceu que o Senhor Kṛṣṇa viu os vaqueiros atarefados nos preparativos para um sacrifício a Indra.

VERSO 2: Por ser a onisciente Superalma, o Supremo Senhor Kṛṣṇa já entendera a situação, apesar do que Ele humildemente indagou dos mais velhos, liderados por Seu pai, Nanda Mahārāja, o seguinte.

VERSO 3: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Meu querido pai, tem a bondade de Me explicar o que é este grande empenho teu. O que ele visa obter? Se é um sacrifício ritualístico, então se destina a satisfazer a quem? E de que manei­ra será executado?

VERSO 4: Por favor, explica-Me tudo isso, ó pai. Tenho enorme desejo de saber e estou pronto para ouvir de boa fé. Decerto, nenhum segredo devem ter as pessoas santas, que veem todos como iguais a si mesmas, que estão livres do conceito de “meu” ou “alheio” e que não consideram quem é amigo, quem é inimigo e quem é neutro.

VERSO 5: Quem é neutro pode ser evitado tal qual um inimigo, mas um amigo deve ser considerado como o próprio eu.

VERSO 6: Quando as pessoas neste mundo realizam atividades, por vezes compreendem o que estão fazendo, por vezes não compreendem. Aqueles que sabem o que estão fazendo alcançam sucesso em seu traba­lho, ao passo que os ignorantes não têm o mesmo resultado.

VERSO 7: Sendo este o caso, mereço uma explicação clara sobre este vosso esforço ritualístico. É uma cerimônia baseada nos precei­tos das escrituras ou apenas um costume popular?

VERSO 8: Nanda Mahārāja respondeu: O grande senhor Indra é o controlador da chuva. As nuvens são seus representantes pessoais e fornecem diretamente a água da chuva, que outorga felicidade e sustento a todas as criaturas.

VERSO 9: Não só nós, meu querido filho, mas também muitos outros homens adoram Indra, o senhor e mestre das nuvens que dão chuva. Oferecemos-lhe cereais e outros artigos de adoração pro­duzidos através de sua própria descarga sob a forma de chuva.

VERSO 10: Mediante a aceitação dos remanentes dos sacrifícios executados para Indra, as pessoas sustentam suas vidas e alcançam as três metas da vida, a saber, religiosidade, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos. Dessa maneira, o senhor Indra é o agente responsável pelo sucesso fruitivo das pessoas diligentes.

VERSO 11: Este princípio religioso baseia-se em uma tradição sólida. Qualquer um que o rejeite por desejos descontrolados, inimizade, medo ou cobiça decerto deixará de lograr boa fortuna.

VERSO 12: Śukadeva Gosvāmī disse: Ao ouvir as explicações de Seu pai, Nanda, e de outros residentes mais velhos de Vraja, o Senhor Keśava [Kṛṣṇa], a fim de despertar a ira no senhor Indra, dirigiu a Seu pai as seguintes palavras.

VERSO 13: O Senhor Kṛṣṇa disse: É em virtude da força do karma que uma entidade viva nasce, e é somente pelo karma que ela se depara com a destruição. Sua felicidade, sofrimento, medo e sentido de segurança surgem todos como efeitos do karma.

VERSO 14: Mesmo que exista algum controlador supremo que conceda ao mundo inteiro os resultados de suas atividades, Ele também deve depender de um executante que se ocupe em atividades. Afinal, fica afastada qualquer hipótese de haver um outorgador dos re­sultados fruitivos a não ser que de fato se executem atividades fruitivas.

VERSO 15: Os seres vivos neste mundo são forçados a experimentar as consequências de sua própria atividade anterior. Como o senhor Indra não pode mudar de maneira alguma o destino dos seres hu­manos, o qual nasce da própria natureza deles, por que se deveria adorá-lo?

VERSO 16: Todo indivíduo está sob o controle de sua própria natureza condicionada e, por isso, deve seguir essa natureza. Este universo inteiro, com todos os seus semideuses, demônios e seres humanos, sustenta-se na natureza condicionada das entidades vivas.

VERSO 17: Porque é o karma que faz com que a entidade viva condicio­nada aceite e depois abandone diferentes corpos materiais de ca­tegoria superior ou inferior, esse karma é seu inimigo, amigo e testemunha neutra, seu mestre espiritual e senhor controlador.

VERSO 18: Portanto, todos devem adorar seriamente o trabalho em si. Devem permanecer na posição correspondente à sua natureza e devem executar o próprio dever. De fato, aquilo por meio do qual podemos viver bem é, na realidade, nossa deidade adorável.

VERSO 19: Se algo de fato está sustentando nossa vida, mas nos abrigamos em outra coisa, como podemos conseguir algum benefício verdadeiro? Seríamos como uma mulher infiel, que jamais pode obter algum benefício real por entregar-se a seu amante.

VERSO 20: O brāhmaṇa se mantém através do estudo e ensino dos Vedas; o membro da ordem real, através da proteção da terra; o vaiśya, através do comércio, e o śūdra, através do serviço às classes su­periores dos duas vezes nascidos.

VERSO 21: Os deveres ocupacionais dos vaiśyas dividem-se em quatro: agricultura, comércio, proteção às vacas e empréstimo de dinhei­ro. Fora isso, nós, como comunidade, sempre nos ocupamos em proteção às vacas.

VERSO 22: As causas da criação, manutenção e destruição são os três modos da natureza – a saber, bondade, paixão e ignorância. Em particular, o modo da paixão cria este universo e, através da combinação sexual, faz com que ele se encha de variedade.

VERSO 23: Impelidas pelo modo material da paixão, as nuvens derramam suas águas em toda parte, e, com essa chuva, todas as criaturas subsistem. O que o grande Indra tem a ver com este arranjo?

VERSO 24: Meu querido pai, nosso lar não fica nas cidades grandes, nem nas vilas. Por sermos habitantes da floresta, sempre moramos na floresta e nas colinas.

VERSO 25: Portanto, que se dê início a um sacrifício para o prazer das vacas, dos brāhmaṇas e da colina Govardhana! Com toda a parafernália reunida para adorar Indra, que se faça em seu lugar este sacrifício.

VERSO 26: Que se cozinhem muitas espécies diferentes de preparações, de arroz-doce a sopas de legumes! Devem-se preparar muitas espé­cies de bolos finos, tanto assados como fritos. E devem-se usar neste sacrifício todos os laticínios disponíveis.

VERSO 27: Os brāhmaṇas que são versados nos mantras védicos devem invocar corretamente os fogos de sacrifício. Em seguida, deveis servir aos sacerdotes alimentos bem preparados e retribuí-los com vacas e outros presentes.

VERSO 28: Depois de fornecer alimentos de modo conveniente a cada um dos presentes, inclusive os comedores de cães, os cães e outras pessoas caídas, deveis dar grama às vacas e, então, apresentar vossas respeitosas oferendas à colina Govardhana.

VERSO 29: Depois que todos estiverem satisfeitos, deveis vos vestir e enfeitar belamente, ungir vossos corpos com pasta de sândalo e, então, circungirar as vacas, os brāhmaṇas, os fogos do sacrifício e a colina Govardhana.

VERSO 30: Esta é Minha ideia, ó pai, e podeis executá-la se vos agradar. Tal sacrifício será muito querido para as vacas, os brāhmaṇas e a colina Govardhana, e também para Mim.

VERSO 31: Śukadeva Gosvāmī disse: O Senhor Kṛṣṇa, que é Ele mesmo o poderoso tempo, desejava destruir o falso orgulho do senhor Indra. Quando Nanda e os outros homens mais velhos de Vṛndāvana ouviram a exposição de Śrī Kṛṣṇa, aceitaram Suas palavras como convenientes.

VERSOS 32-33: A comunidade dos vaqueiros fez então tudo o que Madhusū­dana sugerira. Providenciaram para que os brāhmaṇas recitas­sem os mantras védicos auspiciosos e, usando a parafernália que se destinava para o sacrifício a Indra, apresentaram oferendas à colina Govardhana e aos brāhmaṇas com respeito reverencial. Além disso, deram capim às vacas. Então, colocando as vacas, touros e bezerros diante deles, circungiraram Govardhana.

VERSO 34: Enquanto seguiam pelo caminho, sentadas em carroças puxa­das por bois, as vaqueiras muito bem enfeitadas cantavam as glórias do Senhor Kṛṣṇa, e seus cantos se misturavam com o canto de bênçãos dos brāhmaṇas.

VERSO 35: Para incutir fé nos vaqueiros, Kṛṣṇa então assumiu uma forma imensa, sem precedentes. Declarando “Eu sou a montanha Govardhana!”, Ele comeu as abundantes oferendas.

VERSO 36: Junto com o povo de Vraja, o Senhor prostrou-Se diante dessa forma da colina Govardhana e assim de fato ofereceu reverências a Si mesmo. Então, Ele disse: “Vede só como esta colina apa­receu em pessoa e nos concedeu misericórdia!”

VERSO 37: “Esta colina Govardhana, assumindo qualquer forma que desejar, matará quaisquer residentes da floresta que a despreze. Portanto, prestemos-lhe reverências para garantir nossa seguran­ça e a de nossas vacas.”

VERSO 38: Os membros da comunidade pastoril, tendo sido assim inspirados pelo Senhor Vāsudeva a executar bem o sacrifício à colina Govardhana, às vacas e aos brāhmaṇas, retornaram com o Senhor Kṛṣṇa à vila de Vraja.

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