No edit permissions for Português

CAPÍTULO SETENTA E QUATRO

A Salvação de Śiśupāla no Sacrifício Rājasūya

Este capítulo descreve como o Senhor Kṛṣṇa recebeu a honra da primeira adoração durante o sacrifício Rājasūya e como matou Śiśupāla.

Depois de glorificar o Senhor Kṛṣṇa, o rei Yudhiṣṭhira escolheu brāhmaṇas qualificados tais como Bharadvāja, Gautama e Vasiṣṭha para atuar como sacerdotes no sacrifício Rājasūya. Então, muitos hóspedes ilustres pertencentes às quatro ordens sociais chegaram para assistir à celebração do sacrifício.

À medida que se dava andamento ao sacrifício, chegou a hora de realizar o ritual da “primeira adoração”, e os membros da assembleia foram convocados para decidir quem receberia esta honra. Saha­deva falou abertamente: “Śrī Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, é de fato a pessoa mais importante, pois Ele próprio engloba todas as deidades adoradas através do sacrifício védico. Em Seu papel de Superalma no coração, Ele providencia para que cada um no universo se ocupe em sua espécie particular de trabalho, e é só por Sua misericórdia que os seres humanos podem realizar várias espécies de atividades piedosas e receber os benefícios resultantes. Quem O adora, adora todas as entidades vivas. Sem dúvida, o Senhor Kṛṣṇa deve ser ado­rado primeiro.”

Quase todos na assembleia concordaram com a proposta de Sahadeva e, em voz alta, congratularam-no. Assim, o rei Yudhiṣṭhira alegremente adorou o Senhor Kṛṣṇa. Depois de banhar os pés dEle, o rei recolheu a água usada no banho e borrifou-a em sua cabeça, e suas esposas, irmãos mais novos, ministros e parentes também asper­giram aquela água em suas cabeças. Então, todos gritaram: “Toda vitória, toda vitória!”, e prostraram-se diante do Senhor Kṛṣṇa, en­quanto choviam flores do alto.

Śiśupāla, contudo, não podia tolerar essa adoração e glorificação a Śrī Kṛṣṇa. Ele se levantou de seu assento e censurou asperamente os sábios anciãos por terem escolhido Kṛṣṇa para receber a primei­ra adoração. “Afinal”, disse ele, “este Kṛṣṇa está fora do sistema védico das ordens sociais e espirituais e da sociedade das famílias respeitáveis. Ele não segue os princípios da religião nem tem boas qualidades.”

Mesmo enquanto Śiśupāla O blasfemava dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa permanecia em silêncio. Mas muitos membros da assembleia taparam os ouvidos e saíram depressa do recinto, enquanto os irmãos Pāṇḍavas brandiam suas armas e se preparavam para matar Śiśupāla. O Senhor Kṛṣṇa, porém, impediu-os de atacá-lo e, em vez disso, usou Seu disco Sudarśana para decapitar o ofensor. Naquele momento, uma reluzente centelha de luz saiu do cadáver de Śiśupāla e entrou no corpo transcendental do Senhor Kṛṣṇa. Após ter vivido durante três nascimentos como inimigo do Senhor, Śiśupāla agora, devido a sua constante meditação nEle, alcançava a liberação chamada sāyu­jya, fundindo-se na refulgência de Seu corpo.

O rei Yudhiṣṭhira, em seguida, distribuiu grande quantidade de presentes para os respeitados visitantes da assembleia e para os sacerdotes; por fim, então, executou as oblações purificatórias conhecidas como prāyaścitta-homa, que neutralizam os erros cometidos durante o sacrifício. Uma vez concluído o sacrifício Rājasūya de Yudhiṣṭhira, o Senhor Kṛṣṇa despediu-Se do rei e partiu para Dvārakā em companhia de Suas esposas e ministros.

Duryodhana não podia tolerar ver essa abundante manifestação da prosperidade do rei Yudhiṣṭhira, mas, excetuando Duryodhana, todos louvavam alegremente as glórias do sacrifício Rājasūya e do Senhor de todos os sacrifícios, Śrī Kṛṣṇa.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Tendo assim ouvido sobre a morte de Jarāsandha e também sobre o maravilhoso poder do onipo­tente Kṛṣṇa, o rei Yudhiṣṭhira, com grande prazer, dirigiu as se­guintes palavras ao Senhor.

VERSO 2: Śrī Yudhiṣṭhira disse: Todos os elevados mestres espirituais dos três mundos, juntamente com os habitantes e governantes dos vários planetas, carregam sobre suas cabeças a Tua ordem, que é rara de obter.

VERSO 3: Que Tu, o Senhor Supremo de olhos de lótus, aceites as ordens de tolos desditosos que se julgam governantes não passa de um grande fingimento de Tua parte, ó personalidade onipenetrante.

VERSO 4: Mas, é claro, o poder da Verdade Absoluta, a Alma Suprema, a pessoa primordial, única e incomparável, não aumenta nem diminui por causa de Suas atividades, assim como o poder do Sol não se altera devido a seus movimentos.

VERSO 5: Ó invencível Mādhava, nem mesmo Teus devotos fazem distinção alguma entre “eu” e “meu” e “tu” e “teu”, pois essa é a mentalidade pervertida dos animais.

VERSO 6: Śukadeva Gosvāmī disse: Após dizer essas palavras, o rei Yudhiṣṭhira esperou que chegasse a ocasião adequada para o sacrifício. Então, com a permissão do Senhor Kṛṣṇa, escolheu sacer­dotes qualificados, todos autoridades experientes nos Vedas, para executar o sacrifício.

VERSOS 7-9: Ele escolheu Kṛṣṇa-dvaipāyana, Bharadvāja, Sumantu, Gotama e Asita, juntamente com Vasiṣṭha, Cyavana, Kaṇva, Maitreya, Kavaṣa e Trita. Escolheu também Viśvāmitra, Vāmadeva, Sumati, Jaimi­ni, Kratu, Paila e Parāśara, bem como Garga, Vaiśampāyana, Atharvā, Kaśyapa, Dhaumya, o Rāma dos Bhārgavas, Āsuri, Vītihotra, Madhucchandā, Vīrasena e Akṛtavraṇa.

VERSOS 10-11: Ó rei, outros que foram convidados incluíam Droṇa, Bhīṣma, Kṛpa, Dhṛtarāṣṭra e seus filhos, o sábio Vidura e muitos outros brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras, todos ávidos por assis­tir ao sacrifício. De fato, todos os reis chegaram ali com seus séquitos.

VERSO 12: Os sacerdotes brāhmaṇas, então, lavraram o terreno do sacrifí­cio com arados de ouro e iniciaram o rei Yudhiṣṭhira no sacrifí­cio segundo as tradições estabelecidas pelas autoridades modelares.

VERSOS 13-15: Os utensílios usados no sacrifício eram de ouro, exatamente como no antigo Rājasūya executado pelo senhor Varuṇa. Indra, Brahmā, Śiva e muitos outros governantes planetários, os Siddhas e Gandharvas acompanhados de seu séquito, os Vidyādharas, grandes serpentes, sábios, Yakṣas, Rākṣasas, aves celestes, Kin­naras, Cāraṇas, e reis terrestres – todos foram convidados, e de fato todos vieram de diversas direções para o sacrifício Rājasūya do rei Yudhiṣṭhira, o filho de Pāṇḍu. Eles não se surpreenderam nem um pouco ao verem a opulência do sacrifício, pois ela era muito apropriada para um devoto do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 16: Os sacerdotes, tão poderosos quanto deuses, oficiaram o sacrifício Rājasūya para o rei Yudhiṣṭhira de acordo com os preceitos védicos, assim como os semideuses o haviam executado outrora para Varuṇa.

VERSO 17: No dia de extrair o suco soma, o rei Yudhiṣṭhira adorou de modo conveniente e com muita atenção os sacerdotes e as perso­nalidades mais importantes da assembleia.

VERSO 18: Os membros da assembleia, então, ponderaram sobre quem dentre eles se devia adorar primeiro, mas, como havia muitas personalidades qualificadas para receber essa honra, ninguém conseguia decidir. Por fim, Sahadeva manifestou-se com toda a franqueza.

VERSO 19: [Sahadeva disse:] Decerto é Acyuta, a Suprema Personalidade de Deus e chefe dos Yādavas, quem merece a mais alta posição. Em verdade, Ele em pessoa engloba todos os semideuses adorados em sacrifício, juntamente com tais aspectos da adoração como o lugar sa­grado, o tempo e a parafernália.

VERSOS 20-21: Este universo inteiro está alicerçado nEle, como o estão as grandiosas cerimônias de sacrifício, com seus fogos sagrados, oblações e mantras. Tanto sāṅkhya quanto yoga se propõem a alcançar o ser único e incomparável. Ó membros da assembleia, esse Senhor não-nascido, contando somente conSigo mesmo, cria, man­tém e destrói este cosmos através de Suas energias pessoais, e, dessa maneira, a existência deste universo depende dEle apenas.

VERSO 22: Ele cria as muitas atividades deste mundo, e assim, por Sua graça, o mundo inteiro se empenha por ideais como religiosi­dade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação.

VERSO 23: Devemos, portanto, oferecer a máxima honra a Kṛṣṇa, o Senhor Supremo. Se assim o fizermos, prestaremos honras a todos os seres vivos e também a nós mesmos.

VERSO 24: Todo aquele que deseja que a honra que ele proporciona seja correspon­dida infinitamente deve honrar Kṛṣṇa, a perfeitamente pacífica e completa Alma de todos os seres, o Senhor Supremo, que nada vê como separado de Si próprio.

VERSO 25: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Após dizer isso, Sahadeva, que compreendia os poderes do Senhor Kṛṣṇa, ficou em silêncio. E tendo ouvido suas palavras, todas as pessoas santas presentes congratularam-no, exclamando: “Excelente! Excelente!”

VERSO 26: O rei regozijou-se ao ouvir este pronunciamento dos brāhmaṇas, mediante o qual compreendeu a disposição de ânimo de toda a assembleia. Dominado pelo amor, ele adorou sem reservas o Senhor Kṛṣṇa, o mestre dos sentidos.

VERSOS 27-28: Depois de banhar os pés do Senhor Kṛṣṇa, Mahārāja Yudhiṣṭhira alegremente espargiu a água sobre sua cabeça, e, em seguida, sobre as cabeças de sua esposa, irmãos, outros membros familiares e ministros. Aquela água purifica o mundo inteiro. Enquanto honrava o Senhor com diversos presentes, tais como roupas de seda amarela e ornamentos incrustados de pedras pre­ciosas, os olhos cheios de lágrimas do rei impediam-no de olhar diretamente para o Senhor.

VERSO 29: Quando viram o Senhor Kṛṣṇa assim honrado, quase todos os que estavam presentes puseram-se de mãos postas em sinal de reverência, exclamando: “Reverências a Vós! Toda vitória a Vós!” e então prostraram-se diante dEle. Flores choviam do alto.

VERSO 30: O intolerante filho de Damaghoṣa enfureceu-se ao ouvir a glo­rificação das qualidades transcendentais do Senhor Kṛṣṇa. Ele se levantou de seu assento e, agitando os braços com muita ira, falou destemidamente a toda a assembleia as seguintes palavras ríspidas contra o Senhor Supremo.

VERSO 31: [Śiśupāla disse:] A afirmação dos Vedas de que o tempo é o inevitável controlador de tudo de fato confirmou-se, visto que as palavras de um mero rapaz conseguiram agora desviar a inteli­gência de sábios anciãos.

VERSO 32: Ó líderes da assembleia, sabeis melhor quem é um candidato adequado para receber as devidas honras. Não deveis, portanto, atender às palavras de uma criança a reivindicar que Kṛṣṇa me­rece ser adorado.

VERSOS 33-34: Como podeis passar por cima dos mais ilustres membros desta assembleia – eminentíssimos sábios dedicados à Verdade Absoluta, dotados com os poderes de austeridade, visão divina e adesão estrita a votos severos, santificados pelo conhecimento e adora­dos até mesmo pelos regentes do universo? Como é que este vaqueiro, a desgraça de Sua família, merece vossa adoração? Isso é como considerar que um corvo merece comer o sagrado bolo de arroz puroḍāśa.

VERSO 35: Como alguém que não segue princípio algum das ordens sociais e espirituais nem da ética familiar, que foi excluído de todos os deveres religiosos, que se comporta segundo o capricho e que não tem boas qualidades – como é que tal pessoa merece ser adorada?

VERSO 36: Yayāti amaldiçoou a dinastia destes Yādavas, e eles, desde então, foram ostracizados pelos homens honestos e caíram no vício da bebida. Como é, então, que Kṛṣṇa merece ser adorado?

VERSO 37: Estes Yādavas abandonaram as terras sagradas habitadas por sábios santos e, em vez disso, abrigaram-se em uma fortaleza no mar, onde não se observa nenhum princípio bramânico. Ali, exa­tamente como ladrões, eles atormentam seus súditos.

VERSO 38: [Śukadeva Gosvāmī continuou:] Privado de toda a boa fortu­na, Śiśupāla vociferou estes e outros insultos. Mas o Senhor Su­premo não disse nada, assim como o leão ignora o uivo do chacal.

VERSO 39: Ao ouvirem semelhante blasfêmia intolerável contra o Senhor, vários membros da assembleia taparam os ouvidos e saíram, amaldiçoando iradamente o rei de Cedi.

VERSO 40: Qualquer um que deixe de abandonar imediatamente o lugar onde se ouvem críticas ao Senhor Supremo ou a Seu devoto fiel sem dúvida cairá, privado de seu crédito piedoso.

VERSO 41: Então, os filhos de Pāṇḍu ficaram furiosos e, juntamente com os guerreiros dos clãs Matsya, Kaikaya e Sṛñjaya, levantaram-se de seus assentos com armas em punho, prontos para matar Śiśupāla.

VERSO 42: Então, o intrépido Śiśupāla, no meio de todos os reis reunidos, empunhou sua espada e escudo, ó Bhārata, e lançou insultos aos que tomaram o partido do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 43: Naquele momento, o Senhor Supremo levantou-Se e deteve Seus devotos. Então, irado, disparou Seu disco afiado como o fio de uma navalha e decepou a cabeça de Seu inimigo enquanto este se achava em posição de ataque.

VERSO 44: Quando Śiśupāla foi assim morto, ergueu-se da multidão um grande clamor. Aproveitando-se daquele tumulto, os poucos reis que apoiavam Śiśupāla saíram rapidamente da assembleia temendo por suas vidas.

VERSO 45: Uma luz refulgente ergueu-se do corpo de Śiśupāla e, enquanto todos assistiam, entrou no Senhor Kṛṣṇa assim como um meteoro que cai do céu sobre a Terra.

VERSO 46: Obcecado pelo ódio ao Senhor Kṛṣṇa durante três vidas, Śiśupāla alcançou a natureza transcendental do Senhor. De fato, a consciência da pessoa determina seu futuro nascimento.

VERSO 47: O imperador Yudhiṣṭhira deu generosos presentes aos sacer­dotes que oficiaram o sacrifício e aos membros da assembleia, honrando-os da maneira conveniente, conforme estabelecem os preceitos dos Vedas. Então, tomou o banho avabhṛtha.

VERSO 48: Dessa maneira, Śrī Kṛṣṇa, o Senhor de todos os mestres do yoga místico, encarregou-Se da execução bem-sucedida deste for­midável sacrifício em nome do rei Yudhiṣṭhira. Depois, o Senhor, atendendo ao pedido insistente de Seus amigos íntimos, permaneceu com eles durante alguns meses.

VERSO 49: Então, o Senhor, o filho de Devakī, recebeu a muito custo a permissão do rei e regressou à Sua capital com Suas esposas e ministros.

VERSO 50: Já te descrevi com detalhes a história dos dois residentes de Vaikuṇṭha que tiveram de se sujeitar a repetidos nascimentos no mundo material por causa da maldição dos brāhmaṇas.

VERSO 51: Purificado com o ritual avabhṛthya, que marcou o encerramento bem-sucedido do sacrifício Rājasūya, o rei Yudhiṣṭhira brilhava no meio da assembleia de brāhmaṇas e kṣatriyas tal qual o próprio rei dos semideuses.

VERSO 52: Os semideuses, seres humanos e residentes dos céus interme­diários, todos convenientemente honrados pelo rei, partiram fe­lizes para seus respectivos reinos enquanto cantavam os louvores do Senhor Kṛṣṇa e do formidável sacrifício.

VERSO 53: [Todos ficaram satisfeitos] exceto o pecador Duryodhana, a personificação da era da desavença e a doença da dinastia Kuru. Ele não podia suportar ver a florescente opulência do filho de Pāṇḍu.

VERSO 54: Aquele que recita estas atividades do Senhor Viṣṇu, incluindo o extermínio de Śiśupāla, a libertação dos reis e a celebração do sacrifício Rājasūya, livra-se de todos os pecados.

« Previous Next »