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Capítulo Vinte

Conversa entre Maitreya e Vidura

VERSO 1: Śrī Śaunaka perguntou: Ó Sūta Gosvāmī, depois que a Terra foi recolocada em sua órbita, o que fez Svāyambhuva Manu para mostrar o caminho da liberação às pessoas que nasceriam mais tarde?

VERSO 2: Śaunaka Ṛṣi indagou acerca de Vidura, que era grande devoto e amigo do Senhor Kṛṣṇa e que abandonou a companhia de seu irmão mais velho porque este último, juntamente com seus filhos, tramou artimanhas contra os desejos do Senhor.

VERSO 3: Vidura nasceu do corpo de Vedavyāsa e não era inferior a ele. De tal modo, aceitou os pés de lótus de Kṛṣṇa de todo o coração e era apegado a Seus devotos.

VERSO 4: Vidura purificou-se de toda paixão vagueando por lugares sagrados e, por fim, chegou a Hardwar, onde se encontrou com o grande sábio que conhecia a ciência da vida espiritual e lhe fez perguntas. Śaunaka Ṛṣi, então, indagou: O que mais Vidura perguntou a Maitreya?

VERSO 5: Śaunaka indagou acerca da conversa entre Vidura e Maitreya: Deve ter havido muitas narrações dos passatempos imaculados do Senhor. A audição de tais narrações é exatamente como banhar-se na água do Ganges, uma vez que pode livrar-nos de todas as reações pecaminosas.

VERSO 6: Ó Sūta Gosvāmī, que toda a boa fortuna esteja contigo! Relata-nos, por favor, as atividades do Senhor, que são todas magnânimas e dignas de glorificação. Que tipo de devoto pode saciar-se de ouvir os passatempos nectáreos do Senhor?

VERSO 7: Ao ser solicitado pelos grandes sábios de Naimiṣāraṇya a falar, o filho de Romaharṣaṇa, Sūta Gosvāmī, cuja mente estava absorta nos passatempos transcendentais do Senhor, disse: Por favor, escutai o que agora direi.

VERSO 8: Sūta Gosvāmī continuou: Vidura, o descendente de Bharata, deleitou-se em ouvir a história do Senhor, o qual, tendo assumido através de Sua própria potência divina a forma de javali, divertira-Se levantando a Terra das profundezas do oceano e matando, com indiferença, o demônio Hiraṇyākṣa. Vidura, então, falou ao sábio da seguinte maneira.

VERSO 9: Vidura disse: Já que conheces assuntos inconcebíveis para nós, dize-me, ó santo sábio, o que fez Brahmā para criar seres vivos depois de gerar os Prajāpatis, os progenitores dos seres vivos?

VERSO 10: Vidura perguntou: Como os Prajāpatis [tais progenitores das entidades vivas, como Marīci e Svāyambhuva Manu] criaram de acordo com a instrução de Brahmā e como desenvolveram este universo manifesto?

VERSO 11: Eles desenvolveram a criação em conjunção com suas respectivas esposas, permaneceram independentes em suas ações ou a produziram todos juntos?

VERSO 12: Maitreya disse: Quando o equilíbrio da combinação dos três modos da natureza foi agitado pela atividade invisível da entidade viva, por Mahā-Viṣṇu e pela força do tempo, produziu-se a totalidade dos elementos materiais.

VERSO 13: Conforme impelido pelo destino da jīva, o falso ego, que é de três tipos, evoluiu do mahat-tattva, no qual predomina o elemento rajas. Do ego, por sua vez, desenvolvem-se muitos grupos de cinco princípios.

VERSO 14: Separadamente incapazes de produzir o universo material, eles se combinaram com a ajuda da energia do Senhor Supremo e foram capazes de produzir um ovo reluzente.

VERSO 15: Por mais de mil anos, o ovo brilhante pairou sobre as águas do Oceano Causal no estado inanimado. Então, o Senhor entrou nele como Garbhodakaśāyī Viṣṇu.

VERSO 16: Do umbigo da Personalidade de Deus Garbhodakaśāyī Viṣṇu brotou uma flor de lótus refulgente como mil sóis abrasadores. Essa flor de lótus é o reservatório de todas as almas condicionadas, e a primeira entidade viva que surgiu da flor de lótus foi o onipotente Brahmā.

VERSO 17: Quando esta Suprema Personalidade de Deus que está deitada no oceano Garbhodaka entrou no coração de Brahmā, Brahmā despertou sua inteligência e, com a inteligência invocada, começou a criar o universo como ele era antes.

VERSO 18: Em primeiro lugar, Brahmā criou de sua sombra as coberturas de ignorância das almas condicionadas. Elas são em número de cinco e chamam-se tāmisra, andha-tāmisra, tamas, moha e mahā-moha.

VERSO 19: Por desgosto, Brahmā desvencilhou-se do corpo de ignorância, e, aproveitando-se desta oportunidade, os Yakṣas e Rākṣasas lançaram-se de um salto em busca da posse do corpo, que continuou a existir sob a forma da noite. A noite é a fonte da fome e da sede.

VERSO 20: Dominados pela fome e pela sede, eles correram para devorar Brahmā de todos os lados e gritavam: “Não o poupeis! Comei-o!”

VERSO 21: Brahmā, o líder dos semideuses, cheio de ansiedade, pediu-lhes: “Não me comais! Em vez disso, protegei-me. Vós nascestes de mim e vos tornastes meus filhos. Portanto, sois Yakṣas e Rākṣasas.”

VERSO 22: Em seguida, ele criou os principais semideuses, que brilhavam com a glória da bondade. Ele derramou diante deles a refulgente forma do dia, e os semideuses, com alegria, tomaram posse dela.

VERSO 23: O senhor Brahmā, então, gerou os demônios de suas nádegas, e eles gostavam muito de sexo. Por serem demasiadamente luxuriosos, aproximaram-se dele para copular.

VERSO 24: A princípio, o adorável Brahmā riu da estupidez dos asuras, mas, vendo aqueles descarados cada vez mais perto dele, encheu-se de indignação e, amedrontado, correu com grande rapidez.

VERSO 25: Ele se aproximou da Personalidade de Deus, que concede todas as bênçãos e dissipa a agonia de Seus devotos e daqueles que se refugiam a Seus pés de lótus. Ele manifesta Suas inúmeras formas transcendentais para a satisfação de Seus devotos.

VERSO 26: O senhor Brahmā, aproximando-se do Senhor, falou-Lhe assim: Meu Senhor, por favor, protegei-me desses demônios pecaminosos, os quais criei sob Vossa ordem. Eles estão enfurecidos pelo apetite sexual e vieram atacar-me.

VERSO 27: Meu Senhor, sois a única pessoa capaz de findar a agonia dos aflitos e de infligir agonia àqueles que nunca recorrem a Vossos pés.

VERSO 28: O Senhor, que pode ver com distinção a mente dos outros, percebeu a aflição de Brahmā e lhe disse: “Abandona esse teu corpo impuro.” Sendo assim ordenado pelo Senhor, Brahmā abandonou seu corpo.

VERSO 29: O corpo abandonado por Brahmā tomou a forma do crepúsculo, quando o dia e a noite se encontram, uma hora que incita a paixão. Os asuras, que são passionais por natureza, dominados como são pelo elemento de rajas, tomaram-no por uma donzela, cujos pés de lótus ressoavam com o tilintar de sinos de tornozelo, cujos olhos estavam inchados de embriaguez e cujos quadris eram cobertos por tecido transparente, sobre o qual brilhava um cinto.

VERSO 30: Seus seios projetavam-se para cima por estarem tão estreitamente unidos entre si, sendo demasiadamente contíguos para admitir qualquer espaço intermediário. Ela tinha nariz bem formado e belos dentes, um sorriso adorável brincava em seus lábios, e ela lançava um olhar divertido para os asuras.

VERSO 31: Adornada com tranças escuras, ela escondeu-se, por assim dizer, acanhada. Ao verem aquela mocinha, todos os asuras deram consigo encantados pelo apetite sexual.

VERSO 32: Os demônios louvaram-na: Oh! Quanto beleza! Que raro autocontrole! Que florescente juventude! No meio de todos nós, que a desejamos ardentemente, ela movimenta-se como alguém absolutamente livre da paixão.

VERSO 33: Incorrendo em várias especulações sobre o crepúsculo, que lhes parecia dotado da forma de uma jovem mulher, os asuras de mentalidade perversa trataram-na com respeito e avidamente lhe dirigiram a palavra da seguinte maneira.

VERSO 34: Quem és tu, ó bela mocinha? De quem és esposa ou filha, e qual pode ser o objetivo de teu aparecimento diante de nós? Por que nos atormentas, desventurados que somos, com a inestimável mercadoria de tua beleza?

VERSO 35: Quem quer que sejas, ó bela mocinha, nós somos afortunados por sermos capazes de ver-te. Brincando com uma bola, tens agitado a mente de todos os espectadores.

VERSO 36: Ó bela mulher, quando bates repetidamente a bola saltitante contra o solo com tuas mãos, teus pés de lótus não permanecem num só lugar. Oprimida pelo peso de teus seios desenvolvidos, tua cintura se cansa, e tua clara visão se embaça, por assim dizer. Por favor, entrança teus lindos cabelos.

VERSO 37: Os asuras, com sua razão obscurecida, tomaram o crepúsculo por uma bela mulher a revelar-se em uma forma enfeitiçadora, e eles se apoderaram dela.

VERSO 38: Com uma risada cheia de profundo significado, o adorável Brahmā gerou, então, por sua própria graciosidade, que parecia desfrutar de si mesma, as hostes de Gandharvas e Apsarās.

VERSO 39: Depois disso, Brahmā abandonou aquela brilhante e amada forma de luar. Viśvāvasu e outros Gandharvas de bom grado tomaram posse dela.

VERSO 40: O glorioso Brahmā, em seguida, gerou de sua preguiça os fantasmas e espíritos malignos, mas fechou os olhos quando os viu nus com seus cabelos em desalinho.

VERSO 41: Os fantasmas e espíritos malignos tomaram posse do corpo jogado fora sob a forma do bocejo de Brahmā, o criador das entidades vivas. Também se conhece isso como o sono que causa a salivação. Os duendes e fantasmas atacam homens que são impuros, ataque este conhecido como insanidade.

VERSO 42: Reconhecendo-se cheio de desejo e energia, o adorável Brahmā, criador das entidades vivas, gerou de sua própria forma invisível, de seu umbigo, as hostes de Sādhyas e Pitās.

VERSO 43: Os próprios Pitās tomaram posse do corpo invisível, a fonte de sua existência. É por intermédio desse corpo invisível que aqueles bem versados nos rituais oferecem oblações aos Sādhyas e Pitās [na forma de seus ancestrais falecidos] na ocasião de śrāddha.

VERSO 44: Então, o senhor Brahmā, através de sua habilidade em esconder-se da vista, criou os Siddhas e Vidyādharas e deu-lhes aquela sua maravilhosa forma conhecida como Antardhāna.

VERSO 45: Certo dia, Brahmā, o criador das entidades vivas, observou seu próprio reflexo na água, e, admirando-se, gerou os Kimpuruṣas, bem como os Kinnaras, a partir daquele reflexo.

VERSO 46: Os Kimpuruṣas e Kinnaras tomaram posse daquela forma sombria deixada por Brahmā. É por isso que eles e suas esposas cantam louvores a ele a cada aurora, relatando suas atividades maravilhosas.

VERSO 47: Certa vez, Brahmā deitou-se com o corpo inteiramente esticado. Ele estava muito aborrecido porque o trabalho da criação não progredia a contento, e, num estado de espírito taciturno, ele abandonou aquele corpo também.

VERSO 48: Ó querido Vidura, o cabelo que caiu daquele corpo transformou-se em serpentes, e, mesmo enquanto o corpo rastejava para frente com suas mãos e seus pés contraídos, dele saltaram ferozes serpentes e Nāgas expandindo seus capelos levantados.

VERSO 49: Certo dia, Brahmā, o autógeno, a primeira criatura vivente, sentiu-se como se o objetivo de sua vida tivesse sido alcançado. Naquele momento, ele gerou de sua mente os Manus, que promovem as atividades beneficentes do universo.

VERSO 50: O criador, senhor de si, deu-lhes sua própria forma humana. Ao verem os Manus, aqueles que tinham sido criados antes – os semideuses, os Gandharvas e assim por diante – aplaudiram Brahmā, o senhor do universo.

VERSO 51: Eles oraram: Ó criador do universo, estamos contentes; o que tu produziste é muito bom. Uma vez que os atos ritualísticos foram agora estabelecidos convenientemente nesta forma humana, todos nós compartilharemos das oblações sacrificatórias.

VERSO 52: Tendo se equipado com austera penitência, adoração, concentração mental e absorção em devoção, acompanhados pela falta de paixão, e tendo controlado seus sentidos, Brahmā, a criatura viva autógena, gerou grandes sábios como seus amados filhos.

VERSO 53: O criador não-nascido do universo deu a cada um daqueles filhos uma parte de seu próprio corpo, que era caracterizado pela profunda meditação, concentração mental, poder sobrenatural, austeridade, adoração e renúncia.

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