Capítulo Vinte e Nove
Explicação do Senhor Kapila sobre o Serviço Devocional
VERSOS 1-2: Devahūti perguntou: Meu querido Senhor, acabas de desccrever muito cientificamente os sintomas da totalidade da natureza material e as características do espírito de acordo com o sistema sāṅkhya de filosofia. Agora, peço-Te para explicar-me o caminho do serviço devocional, que é o fim último de todos os sistemas filosóficos.
VERSO 3: Devahūti continuou: Meu querido Senhor, por favor, descreve também, em pormenores, para mim e para as pessoas em geral, o contínuo processo de nascimento e morte, pois, ouvindo falar sobre essas calamidades, poderemos nos desapegar das atividades deste mundo material.
VERSO 4: Por favor, descreve também o tempo eterno, que é uma representação de Tua forma e por cuja influência as pessoas em geral dedicam-se a praticar atividades piedosas.
VERSO 5: Meu querido Senhor, Tu és como o Sol, pois iluminas a escuridão da vida condicional das entidades vivas. Por seus olhos de conhecimento não estarem abertos, elas ficam eternamente adormecidas nessa escuridão, sem Teu abrigo, e por isso são falsamente ocupadas pelas ações e reações de suas atividades materiais, parecendo estar muito fatigadas.
VERSO 6: Śrī Maitreya disse: Ó melhor entre os Kurus, o grande sábio Kapila, movido por grande compaixão e satisfeito com as palavras de Sua gloriosa mãe, falou o seguinte.
VERSO 7: O Senhor Kapila, a Personalidade de Deus, respondeu: Ó nobre senhora, há múltiplos caminhos de serviço devocional em termos das diferentes qualidades do executor.
VERSO 8: Serviço devocional executado por uma pessoa que é invejosa, orgulhosa, violenta e irada, e que é separatista, é considerado serviço no modo da escuridão.
VERSO 9: A adoração às Deidades no templo executada por um separatista, motivado pelo desejo de gozo material, fama e opulência, é devoção no modo da paixão.
VERSO 10: Quando o devoto adora a Suprema Personalidade de Deus e Lhe oferece os resultados de suas atividades a fim de livrar-se dos inebriamentos de atividades fruitivas, sua devoção está no modo da bondade.
VERSOS 11-12: A manifestação do serviço devocional inadulterado ocorre quando a mente sente-se atraída em definitivo por ouvir o nome e as qualidades transcendentais da Suprema Personalidade de Deus, que reside no coração de todos. Assim como a água do Ganges flui naturalmente rumo ao oceano, esse êxtase devocional, que nenhuma condição material interrompe, flui em direção ao Senhor Supremo.
VERSO 13: O devoto puro não aceita nenhuma espécie de liberação – sālokya, sārṣṭi, sāmīpya, sārūpya ou ekatva –, mesmo que sejam oferecidas pela Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 14: Como já expliquei, alcançando a plataforma mais elevada de serviço devocional, pode-se superar a influência dos três modos da natureza material e situar-se na fase transcendental, como o Senhor está situado.
VERSO 15: O devoto deve cumprir seus deveres prescritos, os quais são gloriosos, sem almejar lucro material. Sem violência excessiva, ele deve executar regularmente suas atividades devocionais.
VERSO 16: O devoto deve ver regularmente Minhas estátuas no templo, tocar Meus pés de lótus e oferecer-Me parafernália de adoração e orações. Sua visão deve ser com espírito de renúncia, no modo da bondade, e ele deve ver toda entidade viva como espiritual.
VERSO 17: O devoto puro deve executar serviço devocional prestando o maior respeito ao mestre espiritual e aos ācāryas. Ele deve ser compassivo com os pobres e fazer amizade com pessoas que estão no mesmo nível que ele, porém, deve executar todas as suas atividades com regulação e com controle dos sentidos.
VERSO 18: O devoto deve sempre procurar ouvir sobre temas espirituais e deve sempre utilizar seu tempo, cantando o santo nome do Senhor. Seu comportamento deve sempre ser reto e simples, e, embora não seja invejoso, mas amigável com todos, ele deve evitar a companhia de pessoas que não sejam espiritualmente avançadas.
VERSO 19: Quando alguém se qualifica plenamente com todos esses atributos transcendentais e, desse modo, sua consciência se purifica por completo, ele se sente imediatamente atraído apenas por ouvir Meu nome ou ouvir falarem de Minhas qualidades transcendentais.
VERSO 20: Assim como a carruagem do ar transporta um aroma de sua origem e atinge de imediato o sentido do olfato, da mesma forma, quem se ocupa constantemente em serviço devocional, em consciência de Kṛṣṇa, pode perceber a Alma Suprema, que está igualmente presente em toda parte.
VERSO 21: Estou presente em toda entidade viva como a Superalma. Se alguém negligencia ou desrespeita a Superalma que está em toda parte e se ocupa na adoração à Deidade no templo, isso não passa de mera imitação.
VERSO 22: Quem adora a Deidade do Supremo nos templos, mas não sabe que o Senhor Supremo, como Paramātmā, está situado no coração de toda entidade viva, está certamente na ignorância e é comparado àquele que oferece oblações às cinzas.
VERSO 23: Quem Me oferece respeito, mas tem inveja dos corpos dos outros e, por isso, é separatista jamais alcança paz de espírito, por causa de seu comportamento hostil para com outras entidades vivas.
VERSO 24: Minha querida mãe, mesmo que faça sua adoração com rituais e parafernália adequados, uma pessoa que ignora Minha presença em todas as entidades vivas não Me satisfaz jamais mediante a adoração às Minhas Deidades no templo.
VERSO 25: Cumprindo seus deveres prescritos, cada um deve adorar a Deidade da Suprema Personalidade de Deus até que perceba Minha presença em seu próprio coração e também no coração das outras entidades vivas.
VERSO 26: Assim como o fogo abrasador da morte, Eu causo grande temor a quem quer que faça a menor discriminação entre ele mesmo e outras entidades vivas em virtude de uma visão separatista.
VERSO 27: Portanto, dando presentes caridosos, sendo atencioso, comportando-se amistosamente e vendo todos com equanimidade, deve-se favorecer a Mim, que resido em todas as criaturas como o seu próprio Eu.
VERSO 28: Entidades vivas são superiores a objetos inanimados, ó abençoada mãe, e, entre elas, entidades vivas que manifestam sintomas de vida são melhores. Animais com consciência desenvolvida são melhores que essas, e melhor ainda são aquelas que desenvolveram percepção sensorial.
VERSO 29: Entre as entidades vivas que desenvolvem percepção sensorial, aquelas que desenvolvem o sentido do paladar são melhores do que as que só desenvolvem o sentido do tato. Melhores do que aquelas são as que desenvolvem o sentido do olfato, e melhores ainda são as que desenvolvem o sentido da audição.
VERSO 30: Melhores do que as entidades vivas que percebem o som são aquelas que podem distinguir entre uma forma e outra. Melhores do que estas são as que desenvolvem as arcadas dentárias superior e inferior, e melhores ainda são as que têm muitas pernas. Melhores do que estas são os quadrúpedes, e melhores ainda são os seres humanos.
VERSO 31: Entre os seres humanos, a sociedade que é dividida segundo qualidade e trabalho é a melhor, e, nessa sociedade, os homens inteligentes, que são designados como brāhmaṇas, são os melhores. Entre os brāhmaṇas, aquele que estudou os Vedas é o melhor, e, entre os brāhmaṇas que estudaram os Vedas, aquele que conhece o verdadeiro significado do Veda é o melhor.
VERSO 32: Melhor do que o brāhmaṇa que conhece o propósito dos Vedas é aquele que pode dissipar todas as dúvidas, e melhor do que esse é aquele que segue estritamente os princípios bramânicos. Melhor do que esse é aquele que se liberta de toda a contaminação material, e melhor do que esse é o devoto puro, que executa serviço devocional sem esperar recompensa.
VERSO 33: Portanto, Eu não encontro uma pessoa superior àquela que não tem outro interesse senão o Meu e que por isso ocupa e dedica todas as suas atividades e toda a sua vida – tudo – a Mim, sem cessar.
VERSO 34: Tal devoto perfeito oferece respeitos a toda entidade viva por ter a firme convicção de que a Suprema Personalidade de Deus entra no corpo de cada entidade viva como a Superalma, ou controladora.
VERSO 35: Minha querida mãe, ó filha de Manu, o devoto que aplica a ciência do serviço devocional e do yoga místico dessa maneira pode atingir a morada da Pessoa Suprema simplesmente por este serviço devocional.
VERSO 36: Este puruṣa de quem a alma individual deve aproximar-se é a forma eterna da Suprema Personalidade de Deus, que é conhecida como Brahman e Paramātmā. Ele é a principal personalidade transcendental, e Suas atividades são plenamente espirituais.
VERSO 37: O fator tempo, que provoca a transformação das diversas manifestações materiais, é outro aspecto da Suprema Personalidade de Deus. Qualquer pessoa que não saiba que o tempo é a mesma Personalidade Suprema teme o fator tempo.
VERSO 38: O Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, que é o desfrutador de todos os sacrifícios, é o fator tempo e o mestre de todos os mestres. Ele entra no coração de todos, é o apoio de tudo e faz com que todo ser seja aniquilado por outro.
VERSO 39: Ninguém é querido pela Suprema Personalidade de Deus, tampouco alguém é Seu inimigo ou amigo. Mas Ele dá inspiração àqueles que não O esquecem e destrói os que O esquecem.
VERSO 40: Por temor à Suprema Personalidade de Deus o vento sopra, por temor a Ele o Sol brilha, por temor a Ele a chuva cai, e por temor a Ele a hoste de corpos celestiais espalha seu brilho.
VERSO 41: Por temor à Suprema Personalidade de Deus, as árvores, trepadeiras, ervas e plantas e flores sazonais desabrocham e frutificam, cada uma em sua própria estação.
VERSO 42: Por temor à Suprema Personalidade de Deus, os rios correm e o oceano jamais transborda. É apenas por temor a Ele que o fogo queima e que a Terra, com suas montanhas, não afunda na água do universo.
VERSO 43: Sujeito ao controle da Suprema Personalidade de Deus, o céu permite que o espaço exterior acomode todos os vários planetas, que mantêm inúmeras entidades vivas. A totalidade do corpo universal expande-se com suas sete coberturas sob Seu controle supremo.
VERSO 44: Por temor à Suprema Personalidade de Deus, os semideuses diretores encarregados dos modos da natureza material executam as funções de criação, manutenção e destruição; todas as coisas animadas e inanimadas dentro deste mundo material estão sob o controle deles.
VERSO 45: O eterno fator tempo não tem começo nem fim. Ele é o representante da Suprema Personalidade de Deus, o construtor do mundo criminoso. Ele ocasiona o fim do mundo fenomenal, executa o trabalho da criação, trazendo um indivíduo à existência a partir de outro, e, do mesmo modo, ele dissolve o universo, destruindo inclusive o senhor da morte, Yamarāja.