Capítulo Quinze
Descrição do Reino de Deus
VERSO 1: Śrī Maitreya disse: Meu querido Vidura, Diti, a esposa do sábio Kaśyapa, pôde entender que os filhos gerados em seu ventre seriam uma causa de perturbação para os semideuses. De tal forma, durante cem anos seguidos ela carregou o poderoso sêmen de Kaśyapa Muni, que se destinava a causar problemas aos outros.
VERSO 2: Por força da gravidez de Diti, a luz do Sol e da Lua enfraqueceu em todos os planetas, e os semideuses de diversos planetas, perturbados por aquela força, perguntaram a Brahmā, o criador do universo: “Que escuridão é esta que se expande em todas as direções?”
VERSO 3: Os afortunados semideuses disseram: Ó grandioso, vede só esta escuridão, a qual conheceis muito bem e que está nos causando ansiedade. Como a influência do tempo não pode vos afetar, nada é imanifesto perante vós.
VERSO 4: Ó deus dos semideuses, sustentador do universo, joia magna de todos os semideuses em outros planetas, vós conheceis as intenções de todas as entidades vivas, tanto no mundo material quanto no mundo espiritual.
VERSO 5: Ó fonte original de força e conhecimento científico, todas as reverências a vós! Aceitastes da parte da Suprema Personalidade de Deus o modo diferenciado da paixão. Com a ajuda da energia externa, nascestes da fonte imanifesta. Todas as reverências a vós!
VERSO 6: Ó senhor, todos estes planetas existem dentro de vosso eu, e todas as entidades vivas são geradas a partir de vós. Portanto, sois a causa deste universo, e todo aquele que em vós medita, sem desvios, alcança o serviço devocional.
VERSO 7: Neste mundo material, não há derrota para aqueles que controlam a mente e os sentidos, controlando o processo respiratório, e que, portanto, são místicos experientes e maduros. Isso porque, através de tal perfeição em yoga, eles têm obtido vossa misericórdia.
VERSO 8: Todas as entidades vivas dentro do universo são conduzidas pelas orientações védicas, assim como o touro é dirigido pela corda amarrada a seu focinho. Ninguém pode violar as regras decretadas nos textos védicos. À pessoa mais importante, quem nos outorgou os Vedas, oferecemos nossos respeitos!
VERSO 9: Os semideuses oraram a Brahmā: Por favor, olhai misericordiosamente por nós, pois caímos numa condição de sofrimento. Devido à escuridão, todo o nosso trabalho está suspenso.
VERSO 10: Assim como o combustível aumenta uma fogueira, o embrião criado pelo sêmen de Kāśyapa no ventre de Diti tem causado completa escuridão em todo o universo.
VERSO 11: Śrī Maitreya disse: Então, o senhor Brahmā, que é compreendido através da vibração transcendental, tentou satisfazer os semideuses, pois ficou satisfeito com suas palavras em tom de oração.
VERSO 12: O senhor Brahmā disse: Meus quatro filhos Sanaka, Sanātana, Sanandana e Sanat-kumāra, que nasceram de minha mente, são vossos predecessores. Às vezes, viajam pelos céus material e espiritual sem qualquer desejo definido.
VERSO 13: Após viajar dessa maneira por todos os universos, certa vez eles também entraram no céu espiritual, pois estavam livres de toda a contaminação material. No céu espiritual, há planetas espirituais conhecidos como Vaikuṇṭhas, que são a residência da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos puros e que são adorados pelos residentes de todos os planetas materiais.
VERSO 14: Nos planetas Vaikuṇṭha, todos os residentes têm sua forma semelhante à da Suprema Personalidade de Deus. Todos eles se ocupam em serviço devocional ao Senhor sem desejo algum de gozo dos sentidos.
VERSO 15: Nos planetas Vaikuṇṭha, encontra-se a Suprema Personalidade de Deus, que é a pessoa original e que pode ser compreendida através da literatura védica. Ele é pleno do modo incontaminado da bondade, sem lugar para a paixão ou a ignorância. Ele outorga o progresso religioso aos devotos.
VERSO 16: Nesses planetas Vaikuṇṭha, há muitas florestas auspiciosíssimas, onde as árvores são árvores-dos-desejos, que vivem cheias de flores e frutos em todas as estações, porque tudo nos planetas Vaikuṇṭha é espiritual e pessoal.
VERSO 17: Nos planetas Vaikuṇṭha, os habitantes voam em seus aeroplanos, acompanhados por suas esposas e consortes, e eternamente entoam canções sobre o caráter e as atividades do Senhor, que são sempre desprovidos de todas as qualidades inauspiciosas. E por cantarem as glórias do Senhor, eles tornam irrisória inclusive a presença das desabrochadas flores mādhavī, que são aromáticas e cheias de mel.
VERSO 18: Quando o rei das abelhas zune em alta vibração, cantando as glórias do Senhor, dá-se um momento de quietude no arrulho dos pombos, nas vozes dos cucos, grous, cakravākas, cisnes, papagaios, perdizes e pavões. Esses pássaros transcendentais param seu próprio canto simplesmente para ouvir as glórias do Senhor.
VERSO 19: Embora plantas floridas, como a mandāra, kunda, kurabaka, utpala, campaka, arṇa, punnāga, nāgakeśara, bakula, lírio e pārijāta sejam cheias de aroma transcendental, mesmo assim elas são conscientes das austeridades executadas por tulasī, pois tulasī é especialmente preferida pelo Senhor, que Se enfeita com guirlandas de folhas de tulasī.
VERSO 20: Os habitantes de Vaikuṇṭha viajam em seus aeroplanos feitos de lápis-lazúli, esmeralda e ouro. Embora acompanhados por suas consortes, que têm quadris grandes e belos rostos sorridentes, a alegria e os belos encantos delas não podem incitá-los à paixão.
VERSO 21: Nos planetas Vaikuṇṭha, as senhoras são tão belas como a própria deusa da fortuna. Essas donzelas transcendentalmente belas, com as mãos a brincar com lótus e guizos tilintando nos tornozelos, às vezes são vistas varrendo as paredes de mármore, que são enfeitadas a intervalos com bordas douradas, a fim de receberem a graça da Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 22: As deusas da fortuna adoram o Senhor em seus próprios jardins, oferecendo-Lhe folhas de tulasī sobre as margens coralíneas de transcendentais reservatórios d’água. Enquanto oferecem adoração ao Senhor, elas podem ver sobre a água o reflexo de seus belos rostos com narizes arrebitados, e parece que ficam mais belas porque o Senhor as beija em seus rostos.
VERSO 23: É muitíssimo lamentável que as pessoas desventuradas, em vez de conversarem sobre as descrições dos planetas Vaikuṇṭha, se dediquem a falar de temas indignos de se ouvir e que lhes confundem a inteligência. Aqueles que abandonam os tópicos de Vaikuṇṭha e preferem falar do mundo material são atirados na mais escura região da ignorância.
VERSO 24: O senhor Brahmā disse: Meus queridos semideuses, a forma humana de vida é tão importante que até nós desejamos tê-la, pois, na forma humana, pode-se atingir verdade religiosa e conhecimento perfeitos. Se alguém nesta forma humana de vida não compreende a Suprema Personalidade de Deus e Sua morada, deve-se entender que está muitíssimo afetado pela influência da natureza externa.
VERSO 25: As pessoas cujos aspectos corpóreos transformam-se devido ao êxtase e que respiram pesadamente e transpiram por ouvirem as glórias do Senhor são promovidas ao reino de Deus, mesmo que não se importem com meditação e outras austeridades. O reino de Deus está acima dos universos materiais, e é desejado por Brahmā e outros semideuses.
VERSO 26: Assim, os grandes sábios, Sanaka, Sanātana, Sanandana e Sanat-kumāra, ao alcançarem o referido Vaikuṇṭha no mundo espiritual, em virtude de suas práticas de yoga místico, sentiram felicidade sem precedentes. Eles observaram que o céu espiritual era iluminado por aeroplanos finamente decorados, pilotados pelos melhores devotos de Vaikuṇṭha, e que o predomínio ali era da Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 27: Após passarem pelas seis entradas de Vaikuṇṭha-purī, a residência do Senhor, sem sentir espanto diante de todas as decorações, eles viram, no sétimo portão, dois seres brilhantes da mesma idade, armados com maças e adornados com valiosíssimas joias, brincos, diamantes, elmos, roupas etc.
VERSO 28: Os dois porteiros usavam guirlandas de flores frescas que atraíam abelhas inebriadas. As guirlandas estavam colocadas em volta de seus pescoços e entre seus quatro braços azuis. Por suas sobrancelhas franzidas, narinas contraídas e olhos avermelhados, parecia que estavam um tanto agitados.
VERSO 29: Os grandes sábios, encabeçados por Sanaka, tinham portas abertas em toda parte. Eles não tinham ideia de “nosso” e “deles”. Com mentes abertas, entraram pela sétima porta por iniciativa própria, assim como haviam passado pelas seis outras portas, que eram feitas de ouro e diamantes.
VERSO 30: Os quatro meninos-sábios, que nada tinham para cobrir seus corpos além da atmosfera, aparentavam ter apenas cinco anos de idade, muito embora fossem as mais velhas entre todas as criaturas e tivessem compreendido a verdade do eu. Todavia, quando os porteiros, que aconteciam de manifestar uma atitude bastante desagradável ao Senhor, viram os sábios, eles os barraram com suas lanças, desdenhando suas glórias, embora os sábios não merecessem esse tratamento da parte deles.
VERSO 31: Quando os Kumāras, embora fossem nitidamente as pessoas mais dignas, foram desse modo barrados pelos dois principais porteiros de Śrī Hari sob as vistas de outras divindades, seus olhos subitamente avermelharam-se de ira devido à sua grande avidez por ver seu amadíssimo mestre, Śrī Hari, a Personalidade de Deus.
VERSO 32: Os sábios disseram: Quem são essas duas pessoas a desenvolverem tão discordante mentalidade, apesar de estarem situados na posição mais elevada de serviço ao Senhor e de terem supostamente desenvolvido as mesmas qualidades que o Senhor? Como essas duas pessoas podem estar vivendo em Vaikuṇṭha? Onde está a possibilidade da vinda de um inimigo a este reino de Deus? A Suprema Personalidade de Deus não tem inimigos. Quem poderia ter inveja dEle? Provavelmente, essas duas pessoas são impostores e, por isso, suspeitam que os outros sejam como eles.
VERSO 33: No mundo Vaikuṇṭha, há total harmonia entre os residentes e a Suprema Personalidade de Deus, assim como, dentro do espaço, há total harmonia entre o céu grande e o pequeno. Por que, então, há uma semente de medo neste campo de harmonia? Essas duas pessoas estão vestidas como habitantes de Vaikuṇṭha, mas de onde poderia ter surgido sua desarmonia?
VERSO 34: Consideremos, então, como essas duas pessoas contaminadas deverão ser punidas. Que seja uma punição apropriada para, assim, eles poderem ser beneficiados ao final. Já que veem dualidade na existência da vida de Vaikuṇṭha, eles estão contaminados e devem ser removidos deste lugar para o mundo material, onde as entidades vivas têm três classes de inimigos.
VERSO 35: Quando os porteiros de Vaikuṇṭhaloka, que certamente eram devotos do Senhor, perceberam que iam ser amaldiçoados pelos brāhmaṇas, ficaram imediatamente muito amedrontados e caíram aos pés dos brāhmaṇas em grande ansiedade, pois nenhuma classe de arma pode neutralizar a maldição de um brāhmaṇa.
VERSO 36: Após serem amaldiçoados pelos sábios, os porteiros disseram: É bastante apropriado que nos tenhais castigado por termos negligenciado o respeito devido a sábios como vós. Mas oramos que, devido à vossa compaixão ante nosso arrependimento, a ilusão de esquecer a Suprema Personalidade de Deus não nos ocorra à medida que formos progressivamente para baixo.
VERSO 37: Naquele mesmo momento, o Senhor, que é chamado de Padmanābha por causa do lótus que cresce de Seu umbigo e que é o deleite dos justos, ficou sabendo do insulto cometido por Seus próprios servos contra os santos. Acompanhado por Sua esposa, a deusa da fortuna, dirigiu-Se até o local sobre aqueles mesmos pés que eremitas e grandes sábios almejam.
VERSO 38: Os sábios, encabeçados por Sanaka Ṛṣi, observaram que a Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, que anteriormente só lhes era visível dentro de seus corações em transe extático, tinha agora Se tornado visível ante seus olhos. Conforme Ele avançava, acompanhado por Seus próprios associados que portavam todos os apetrechos, tais como um guarda-sol e um abano cāmara, os brancos tufos da cāmara moviam-se muito suavemente, como dois cisnes, e, devido à brisa favorável, as pérolas que enguirlandavam o guarda-sol também se mexiam, como gotas de néctar caindo da branca lua cheia ou como o gelo derretendo-se devido a uma rajada de vento.
VERSO 39: O Senhor é o reservatório de todo o prazer. Sua presença auspiciosa destina-se à bênção de todos, e Seu sorriso e olhar afetuosos tocam o âmago do coração. A bela cor do corpo do Senhor é enegrecida, e Seu peito largo é o lugar de repouso da deusa da fortuna, que glorifica todo o mundo espiritual, o pináculo de todos os planetas celestes. Assim, parecia que o Senhor estava pessoalmente espalhando a beleza e boa fortuna do mundo espiritual.
VERSO 40: Ele estava adornado com um cinto reluzindo brilhantemente sobre a roupa amarela que cobria Seus largos quadris, e usava uma guirlanda de flores frescas, a preferida das abelhas zumbidoras. Seus adoráveis pulsos estavam enfeitados com braceletes, e Ele descansava uma de Suas mãos sobre o ombro de Garuḍa, Seu carregador, e, com a outra mão, girava uma flor de lótus.
VERSO 41: Seu semblante distinguia-se por bochechas que realçavam a beleza de Seus brincos em forma de crocodilo, os quais brilhavam mais que o relâmpago. Seu nariz era protuberante, e Sua cabeça estava coberta com uma coroa guarnecida de pedras preciosas. Um colar encantador pendia entre Seus braços vigorosos, e Seu pescoço estava adornado com a joia conhecida pelo nome de Kaustubha.
VERSO 42: A requintada beleza de Nārāyaṇa, sendo muitas vezes ampliada pela inteligência de Seus devotos, era tão atrativa que derrotava o orgulho da deusa da fortuna de ser a mais bela. Meus queridos semideuses, o Senhor que assim Se manifestou é adorado por mim, pelo senhor Śiva e por todos vós. Os sábios O veneraram com olhos insaciados e alegremente prostraram-se com suas cabeças a Seus pés de lótus.
VERSO 43: Quando a brisa que transporta o aroma das folhas de tulasī dos dedos dos pés de lótus da Personalidade de Deus entrou pelas narinas daqueles sábios, eles experimentaram uma mudança tanto no corpo quanto na mente, muito embora estivessem apegados à compreensão do Brahman impessoal.
VERSO 44: O belo rosto do Senhor parecia-lhes a parte interior de um lótus azul, e Seu sorriso parecia um florescente jasmim. Após verem o rosto do Senhor, os sábios ficaram plenamente satisfeitos, e, quando quiseram vê-lO mais, voltaram os olhos para as unhas de Seus pés de lótus, que se assemelhavam a rubis. Assim eles contemplaram o corpo transcendental do Senhor repetidas vezes, até que finalmente entraram em meditação no aspecto pessoal do Senhor.
VERSO 45: Eis a forma do Senhor em que meditam os seguidores do processo de yoga, e que satisfaz os yogīs em meditação. Ela não é imaginária, mas real, como grandes yogīs têm demonstrado. Embora o Senhor tenha os oito tipos de obtenções em sua plenitude, os outros não podem tê-las em sua plena perfeição.
VERSO 46: Os Kumāras disseram: Nosso querido Senhor, Vós não Vos manifestais para os patifes, apesar de estardes sentado no coração de todos. Quanto a nós, porém, vemos-Vos face a face, embora sejais ilimitado. Agora, devido a Vosso generoso aparecimento, podemos compreender as declarações a Vosso respeito que Brahmā, nosso pai, infundiu em nossos ouvidos.
VERSO 47: Sabemos que Vós sois a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, a qual manifesta Sua forma transcendental no modo incontaminado da bondade pura. Essa forma eterna e transcendental de Vossa personalidade só pode ser entendida por Vossa misericórdia e através do serviço devocional inabalável por grandes sábios cujos corações têm sido purificados no caminho devocional.
VERSO 48: As pessoas que são muito hábeis e muito inteligentes em compreender as coisas como elas são dedicam-se a ouvir as narrações das auspiciosas atividades e passatempos do Senhor, que são dignos de se cantar e dignos de se ouvir. Tais pessoas não se importam nem mesmo com a mais elevada bênção material, ou seja, a liberação, isto para não falar de outras bênçãos menos importantes, como a felicidade material do reino celeste.
VERSO 49: Ó Senhor, oramos para que nos deixeis nascer sob qualquer condição infernal de vida, desde que nossos corações e mentes estejam sempre ocupados a serviço de Vossos pés de lótus, nossas palavras se tornem belas (falando de Vossas atividades) assim como as folhas de tulasī são embelezadas ao serem oferecidas a Vossos pés de lótus, e desde que nossos ouvidos estejam sempre repletos do canto de Vossas qualidades transcendentais.
VERSO 50: Ó Senhor, portanto, oferecemos nossas respeitosas reverências a Vossa forma eterna como a Personalidade de Deus, que tão bondosamente manifestastes diante de nós. As pessoas desventuradas e menos inteligentes não podem ver Vossa forma suprema e eterna, mas, quanto a nós, nossa mente e nossa visão estão satisfeitíssimas de vê-la.